Sobre a Lei Natural e a Lei de Adoração, por A. C. Amorim

Tempo de leitura: 5 minutos

A. C. Amorim

Na Lei de Adoração, o “Amar a Deus” levou Allan Kardec a estudar o nosso contato com Deus. E, de forma esclarecedora, as perguntas que ele compilou receberam dos Espíritos Superiores respostas que não relacionam a adoração a qualquer manifestação exterior.

É “O livro dos Espíritos”, como sabido, um repositório de conhecimentos sobre a vida ainda a ser profundamente explorado. A par de tocar nas questões da Criação e de nossa fase livre, enquanto desencarnados, trata amplamente das questões do relacionamento entre nós e o Criador, e com os demais, os ‘próximos’.

O que é esse ‘Criador’, no conceito espírita? Aparece inteiro nesse livro? Como nos relacionarmos com ele – ou há como nos relacionarmos?

Ao apresentar como primeira questão “O que é Deus?”, o professor Rivail, nosso Allan Kardec, pedagogicamente inicia a aula pelo mais básico, pois falar da existência espiritual exige que comecemos por seu surgimento e, portanto, por aquele que lhe (nos) deu origem. E a resposta dos Espíritos é muito esclarecedora, mas ao mesmo tempo aberta: sendo inteligência suprema e causa primária, Deus não é um ser como nós, nada tem de antropomórfico; e, também, não define o que Ele é, pois inteligência e causa são conceitos abstratos, portanto. E as questões seguintes reforçam essa situação, pois as tentativas de Allan Kardec de melhor defini-Lo resultam em mais limitações (de nossa parte) para apreendermos suas características – no máximo sabemos o que Ele não é, e algumas coisas que Ele deve ser – e ‘Ele’, aqui, é apenas uma forma de nos referirmos a esse Criador, por falta de uma expressão mais própria.

Ao tratar, no primeiro capítulo da Parte Terceira da obra em comento, da Lei Natural, entendemos que tal se refere a todas as leis ditas como da Natureza material, e acrescidas das que regem as relações entre os seres e para com o Criador. E um aspecto importante é o que aparece na questão 619, “A todos os homens facultou Deus os meios de conhecerem sua lei?”, a que as Inteligências Superiores responderam: “Todos podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem. Os homens de bem e os que se decidem a investigá-la são os que melhor a compreendem. Todos, entretanto, a compreenderão um dia, porquanto forçoso é que o progresso se efetue.” Qual a implicação disto com o que vivemos na Terra, atualmente? O Espiritismo nos auxilia nessa vida cotidiana?

São muitos os que se denominam sábios, em vários campos do conhecimento. Como nas disciplinas materiais, em que a exploração do espaço interplanetário e da intimidade da matéria, consumindo até vidas inteiras, alcança novas fronteiras, mas nem sempre resultam em sucesso. Assim, nas disciplinas morais, estão os seres falíveis (nós) que, muitas vezes, se revestem de santidade e cometem graves erros por pretender ‘dar passos mais amplos que nossas pernas’. E isto, simplesmente, por não observar a limitação em compreender a Lei Natural.

Mas, afinal, onde está a ‘chave’ para essa compreensão? Dizem-nos os espíritos que essa lei está escrita “na consciência” de cada um (questão 621), e que nossa ligação à materialidade é que obstrui o nosso entendimento, força de nossos orgulho e egoísmo, pelo que fazemos pouco caso do sentimento interior que nos levaria a expressar compaixão pelo companheiro de jornada terrena. Surgem daí todas as mazelas sociais, desde a miséria a que lançamos muitos, até as guerras, em que, ao final, só restam destruição e tristeza. A estreiteza de vista que ainda nos caracteriza dificulta perceber o quanto ganharíamos se, ao invés de competição, pretendendo ‘lucros’ à custa dos outros, optássemos pela cooperação, todos tornando-se mais felizes, apoiando-se mutuamente.

Não é outra a mensagem trazida pelo Nazareno, citado pelos Amigos Espirituais como um dos modelos para a Humanidade que, ao afirmar que a lei e os profetas se resumiriam em “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com a si mesmo”, está indicando o Amor como A Lei.

E não se trata de mera receita fútil: mesmo ainda ignorantes, vaidosos, selvagens até, se seguíssemos a instrução dos Espíritos na resposta ao item 632, “Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis”, estaríamos cientes de que isto é objetivo e ativo; trata-se de ação, e não de omissão. A Lei Natural é de conhecimento e amor, e não é possível avançar significativamente em um aspecto sem o outro – é preciso amar, para saber a importância de conhecer; e, ao conhecer, se reconhece a importância de amar; dessa maneira, o progresso de cada um é realimentado, cada vez busca-se mais amar e conhecer. Se o conhecimento é infinito, e nessa direção nos ‘movemos’, assim também é o amor, que nos impele à superação, pouco a pouco, das limitações físicas de família, grupos, pátrias… Quanta dor deixaríamos de vivenciar se enxergássemos a todos como irmãos realmente, além da retórica!

Depois disto tudo, chegamos à Lei de Adoração. O “Amar a Deus”, cotejado com o questionamento inicial (se podemos nos relacionar com o Criador), levou Allan Kardec a estudar o nosso contato com Deus. E, de forma esclarecedora, as respostas não relacionam a adoração (o termo à disposição) a qualquer manifestação exterior. Trata-se, então, de elevar o pensamento a Deus, ou seja, dirigirmo-nos, intimamente, já que o pensamento é a própria expressão da vontade de cada um de nós, ao Criador – essa entidade que sabemos existir, por uma necessidade lógica e inata, mas sobre a qual poucas informações possuímos. Portanto, nenhuma fórmula vale mais do que um pensamento sincero, e as exibições exteriores só servem a isso, mostrar-se para os circunstantes, e nisso mesmo está seu aparente benefício, pois Deus e os Espíritos em nada valorizam tal espetáculo.

Fica muito evidente, também, a nossa limitação quanto à linguagem para tratar desses temas, porque Kardec e os Espíritos usam frequentemente palavras como ‘coração’ para se referir aos sentimentos íntimos ou ‘desígnios de Deus’ para falar da Lei Natural, e mesmo ‘adoração’ em referência ao amor e respeito a Deus- e todas elas são limitadas e vinculadas a nossa experiência material…

Nessa relação com Deus surge a prece, que é a própria elevação do pensamento, e que dispensa completamente qualquer formato padronizado; inclusive, alertam aqueles Amigos que a prece lida ou decorada, desvinculadas, ambas, de sentimento, figuram como apenas lançar ao vento palavras vazias, em puro exibicionismo. Não é pelo número de palavras, ou pelo volume da voz, que se alcança qualquer resultado, pois nossa intenção é que define se haverá conexão com o ambiente superior, proporcionando-nos mais intenso acompanhamento e amparo através da inspiração- e de qualquer maneira, a Lei Natural segue seu curso, sem mágicas ou milagres, seja em termos pessoais ou humanos.

Nossa humanidade tem vivido, desde seu início neste planeta, um ‘pequeno ponto azul’ na imensidão do espaço, constantemente disputando e destruindo, tomando ao outro o que ele construiu e nos atrai a ganância. Como povo, parte de nós começa a perceber que esse é um caminho sem saída, porque o conhecimento material nos trouxe à condição de tal destruição, de pessoas, cidades, países e até o ambiente natural, que, em persistindo, nos fará retornar talvez à condição primitiva. Uma atitude urgente é requerida, e não só dos dirigentes políticos, mas de todos nós: assumir uma tomada de consciência dos erros cometidos, mudança dos hábitos, respeito ao outro, cooperação em todos os campos. Como na fábula, um passarinho sozinho não pode levar em seu bico água suficiente para combater o incêndio na floresta, mas todos juntos podemos acabar com o fogo.

Como espíritas, não temos a ‘missão’ de tornar o mundo espírita. Mas temos o compromisso de nos portarmos como conhecedores da Lei, agindo adequadamente, sendo exemplo para a sociedade – não por sermos espíritas exemplares, nem para sermos ‘estandartes de luz’, mas por sermos indivíduos seguros de nosso papel de colaboradores no progresso humano e espiritual.

ACESSE OS TEXTOS DA EDIÇÃO:

EDITORIAL: Eu adoro, tu adoras, eles adoram…

O espírita perante Deus, por Miguel Vives y Vives (in memoriam)

Precisamos nos afastar de deus-es, por Marcio Cardoso

Adoração, a Lei, por José Fleuri Queiroz

Sobre a Lei Natural e a Lei de Adoração, por A. C. Amorim

Religião e Adoração, por Ary Lex (in memoriam)

Deus, uma necessidade, por Carmem Imbassahy

Crendices e Superstições, por Milton Felipeli

A cabeça das mulheres, por Célia Aldegalega

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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