Precisamos nos afastar de deus-es, por Marcio Cardoso

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Marcio Cardoso

Kardec faz deste ‘protocolo prático do saber’ (a razão), também, o princípio básico para a sua – leia-se: a nossa – busca de conhecimento, principalmente no tocante à relação ‘deus-eu-deus…’. O atributo que te faz crer em um (ns) deus (es) veio do nada? É um conjunto de conceitos que teu passado e forjou; pessoas e coisas te indicaram os caminhos para teu pensar: onde esteve a razão? A unanimidade no que diz respeito ao sistema ensino-aprendizagem sobre deus, sobre tudo: a razão, a lógica… a dúvida, a negação. Nisso, resultaria que rejeitaríamos absurdidades e erros. Com certeza, já estaríamos órfãos há muito tempo. Aceitaríamos a ideia de Nietsche. Sairíamos da menoridade definida por Kant. Entenderíamos a causa primária de tudo, trazida por Kardec.

Sim, precisamos urgentemente, mesmo que a contragosto, nos manter distante de deus (es). Só esta atitude poderá nos beneficiar no temporário período que estagiamos: o de “ser humano”. Doerá muito pois, ficaremos órfãos desta persona diversa, mas, a dor passará e nos restarão apenas lembranças de um período onde acreditávamos nele (s): o tempo que tínhamos um (ns) pai (s). Se a princípio sentiremos um vazio existencial em nosso âmago, logo será preenchido por tantas outras coisas as quais ainda não prestamos a devida atenção e, que são profundamente importantes para nossa evolução. Com isto, perdemos precioso tempo para olharmos para nós mesmos. Precisamos passar por esta experiência: ficar sem este (s) pai (s). Vai ser bom, acreditemos!

Nietsche (1844-1900), até tentou matá-lo, mas, quem daria ouvidos a sua loucura? Entre sobriedade e alucinações propôs apenas que, ‘déssemos vistas em possíveis erros de entendimentos humanos acerca dos temas’: “diretrizes divinas rígidas… proibição de oposições a estas diretrizes” (paráfrase minha), o que concluiria na seguinte síntese hegeliana (o ser livre): ‘que deus é este? ‘Foi ele quem criou tais diretrizes’? Com certeza, não só o filósofo louco quereria tal morte para livramento desta rigidez que maltrata ‘pelo amor’. Diante de tais perguntas, muitos de nós optariam também pela morte. Quem sabe, se este pensamento de tentativa de homicídio seja apenas mais uma aparente relação estabelecida – por quem? –, entre homem e deus (es) que não condiz com a realidade. Se Schopenhauer (1788-1860) pudesse opinar, preferiria a realidade. Ou seja, a vontade imensa que alimentava Nietsche de dar cabo a esta (s) figura (s) emblemática (s) e, por que não, problemática, se baseava-se na busca da realidade defendida por este último, aquela que quer ver além dos conceitos pré-estabelecidos e mantidos enquanto verdades supremas, imutáveis.

Muito provavelmente, estes dois pensadores propunham morte e realidade para a relação ‘deus-eu-deus…’, talvez para que não insistíssemos em continuar tal qual povo hiperbóreo (O Anticristo, 1966), vislumbrando no extremo norte da terra, a felicidade plena. Aquela que nunca se fez real! Pelo que tudo indica, ainda estamos caminhando para aquele lugar e, muito provavelmente, lá encontraremos o mesmo deus (es) daqui e, muito provavelmente, a mesma forma de adorá-lo (s) e segui-lo (s). Então, continuaremos a ir para lá? De certo, ouviremos os dois filósofos gritarem de suas tumbas: – Gott ist tot! (*)

Para Kant (1724-1804), se os nossos sentidos em o conjunto das experiências não captarem algo – o objeto – e, a razão pura não atuar neste intercâmbio, isso impossibilitará você – eu, nós – de conhecê-lo profundamente, seja lá o que for: de pessoas a coisas (Crítica da Razão Pura, 1781). Isso está valendo para nossa relação com o (s) deus (es): se a razão não estiver na condução das experiências que a priori dizemos ter – que dizem que teremos –, que contributo dará para nosso caminhar? Que deus teremos? O vendido? O professor lionês Allan Kardec (1804-1869), faz deste ‘protocolo prático do saber’ (a razão), também, o princípio básico para a sua – leia-se: a nossa – busca de conhecimento, principalmente no tocante à relação citada anteriormente: ‘deus-eu-deus…’: “… Passai-lhes os sistemas pelo crivo da razão e do bom senso e vede o que restará” (ESSE, cap. XXI). Muitos dirão: – mas, aqui Kardec fala do contato [entre vivos e mortos] e, não de deus. Mas o atributo que te faz crer em um (ns) deus (es) veio do nada? É um conjunto de conceitos que teu passado e forjou; pessoas e coisas te indicaram os caminhos para teu pensar: onde esteve a razão? Assim, valerá o recorte daquela fala! Mas, tudo bem, excluímos tais pensadores e o que sobrará? A unanimidade no que diz respeito ao sistema ensino-aprendizagem sobre deus, sobre tudo: a razão, a lógica… a dúvida, a negação. Nisso, resultaria que rejeitaríamos absurdidades e erros. Com certeza, já estaríamos órfãos há muito tempo. Aceitaríamos a ideia de Nietsche. Sairíamos da menoridade definida por Kant. Entenderíamos a causa primária de tudo, trazida por Kardec.

Kant afirma que é difícil para o homem sozinho livrar-se dessa menoridade, pois ela se apossou dele como uma segunda natureza. Aquele que tentar sozinho terá inúmeros impedimentos, pois seus tutores sempre tentarão impedir que ele experimente tal liberdade. Para Kant, são poucos aqueles que conseguem pelo exercício do próprio espírito libertar-se da menoridade.

E se todos nós, agora, dissermos: “Tudo bem, vamos matar deus (es)! E, adiante: Morto está! Sobraria o que? Ainda assim, estaríamos na “menoridade kantiana”, e agora? Pois bem, este raciocínio já te fez avançar um pouco, só em pensar na possibilidade de tua – nossa – liberdade sem o deus (es). Já aspiramos mudanças pois, agora, estamos submetidos ao nosso próprio raciocínio lógico que nos gera a dúvida. Agora iremos atrás de uma resposta satisfatória, desde que esqueçamos a terra dos “hiperbóreos”. Em seu enunciado, Kant diz ser difícil a saída desta menoridade pois já é parte intrínseca tua, nossa. E para quem estiver disposto a ultrapassar esta barreira criada pelo coletivo, encontrará muitos outros sujeitos que dirão ser uma atitude impensada e que gerará infortúnios intransferíveis. Por que? Por causa de uma palavra que resume a verdadeira identidade divina que o crivo da razão (Kardec) pode aceitar: “liberdade”. Ela de tão livre que é, faz com que muitos criem muros e/ou muralhas para o não enfrentamento.

O que encontraríamos após decidirmos por este afastamento definitivo? Diante do cenário atua de pandemia, se matássemos deus (es), que seria?

Com a palavra, sua liberdade, seu crivo da razão…

Nota do ECK:

(*) Expressão que significa “Deus está morto”, em alemão, celebremente associada ao citado pensador. Apareceu pela vez primeira na obra de sua autoria “A Gaia Ciência”, de 1882.

ACESSE OS TEXTOS DA EDIÇÃO:

EDITORIAL: Eu adoro, tu adoras, eles adoram…

O espírita perante Deus, por Miguel Vives y Vives (in memoriam)

Precisamos nos afastar de deus-es, por Marcio Cardoso

Adoração, a Lei, por José Fleuri Queiroz

Sobre a Lei Natural e a Lei de Adoração, por A. C. Amorim

Religião e Adoração, por Ary Lex (in memoriam)

Deus, uma necessidade, por Carmem Imbassahy

Crendices e Superstições, por Milton Felipeli

A cabeça das mulheres, por Célia Aldegalega

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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