O papel de cada um na transformação do Mundo, por João Afonso G. Filho

Tempo de leitura: 6 minutos

João Afonso G. Filho

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Os Espíritos Superiores vêm ao nosso encontro para nos ajudar, mas o progresso moral é uma tarefa que cabe a cada um de nós — individualmente —, e que exige a responsabilidade de cada Espírito na construção de um mundo mais justo e fraterno.

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“Nossa missão é a de espertar os olhos e os ouvidos para confundir os orgulhosos e desmascarar os hipócritas: os afetam exteriormente a virtude e a religião para ocultar as suas torpezas. O ensinamento dos Espíritos deve ser claro e sem equívocos a fim de que ninguém possa pretextar ignorância e cada um possa julgá-lo e apreciá-lo com sua própria razão. Estamos encarregados de preparar o Reino de Deus anunciado por Jesus”.

Kardec, “O livro dos Espíritos”, questão 627 [1].

O entendimento do progresso espiritual desperta reflexão e responsabilidade em todos nós. Jesus (não estou falando de um Jesus inventado, mas do de Nazaré), ao ensinar as leis de Deus, fundamentadas no amor, na caridade e na moralidade, deixou um legado que cada pessoa deveria buscar e praticar.

A partir da citação acima, tenho a intenção de discutir rapidamente minha percepção de que a responsabilidade de transformar o mundo não recai apenas sobre os Espíritos (desencarnados) ou sobre os ensinamentos divinos, mas, sobretudo, sobre a ação da parte de cada um de nós.

Partindo dessa análise inicial, é necessário buscar entender de forma mais clara e transparente a missão dos Espíritos e, é claro, a responsabilidade humana — em particular, a dos espíritas sérios.

Os discursos de Allan Kardec sobre os tipos de espíritas, registrados em um livro ignorado por muitos, chamado “Viagem Espírita em 1862”, possuem uma destacada lógica e racionalidade. Nele, ele explica didaticamente os diferentes perfis de espíritas. 

Para fundamentar nosso pensamento sobre o tema, destaco o seguinte trecho, que trata dos verdadeiros espíritas:

“3. Os que aceitam pessoalmente todas as consequências da Doutrina e que praticam ou se esforçam por praticar sua moral.

Estes, vós bem o sabeis, são os espíritas praticantes, os verdadeiros espíritas. Esta distinção é importante, pois que bem explica as anomalias aparentes. Sem isso seria difícil compreendermos as atitudes de determinadas pessoas”.

Kardec, “Discurso pronunciado nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux”. Marcações do original. [2]

Jesus realmente ensinou as verdadeiras leis de Deus — lembrando que ele não foi o único a ensinar essas leis —, que são baseadas no amor, na caridade e na compreensão do conhecimento que liberta.

Essas leis são fundamentais e eternas, e seu ensinamento é a base de toda moralidade e espiritualidade verdadeiras. No entanto, o que os Espíritos nos explicam é que, com o passar do tempo, a compreensão dessas leis precisa ser aprofundada e esclarecida, para que todos possam entendê-las melhor e praticá-las de forma consciente.

Na época de Jesus, as parábolas e alegorias eram uma forma de tornar as mensagens acessíveis às pessoas, levando em conta o contexto cultural e social da época. Hoje, vivemos em um mundo diferente, com uma sociedade mais “instruída” e com diferentes desafios. Assim, os Espíritos nos dizem que é importante que as leis de Deus sejam explicadas de forma clara, sem ambiguidades, para que ninguém possa alegar ignorância ou distorcer seus ensinamentos em benefício próprio.

Lembro-me de uma atividade em nossa cidade, em Minas, quando esse tema foi amplamente debatido. Argumentei que a “nossa missão”, citada na destacada resposta ao item 627, dizia respeito — e ainda diz — a nós, como Espíritos, tanto na condição de encarnados quanto na de desencarnados. Isso gerou discordância no debate, pois os mais tradicionais afirmaram que essa “missão de esclarecimento” é essencialmente uma tarefa “dos Espíritos”, isto é dos desencarnados que nos assistem.

Essa postura de entendimento não nos provocou qualquer abalo, pois, naquele tempo assim como hoje, acreditamos ter uma visão mais ampla do estudo das obras de Kardec.

Outro detalhe na resposta em tela, que também merece acurada reflexão, diz respeito à indagação feita pelo Professor francês sobre se os Espíritos ainda teriam (e têm) algo a nos ensinar. A resposta é, peremptoriamente, sim!

Para exemplificar, na “Revue Spirite”, edição de janeiro de 1860, com o tema “Espiritismo 1860”, Kardec discorre sobre esse assunto. Destaco dois trechos (Kardec, 1993:2 e 4):

1) “Dissemos que as ideias espíritas progridem. Há algum tempo, com efeito, elas ganharam um terreno imenso; dir-se-ia que elas estão no ar […]. Se elas progridem para com e contra tudo, e não obstante a má vontade que se encontra em certas regiões, é porque elas possuem bastante vitalidade para se bastarem a si mesmas. Aquele que se dá ao trabalho de aprofundar esta questão do Espiritismo, nele encontra uma satisfação moral tão grande, a solução de tantos problemas dos quais em vão pedira às teorias vulgares; o futuro se abre diante dele de um modo tão claro, tão preciso, tão LÓGICO, que se diz, com efeito, que é impossível que as coisas não se passem assim, e que admira não se as tenha compreendido mais cedo; que um sentimento íntimo lhe dizia dever estar aí”.

2) “Repetimos que a fonte principal do progresso das ideias espíritas está na satisfação que elas proporcionam a todos aqueles que as aprofundam, e que nelas veem outra coisa senão um fútil passatempo; ora, como se quer ser feliz antes de tudo, não é de admirar que se prenda a uma ideia que os torne felizes”.

Dessa forma, entendo que os Espíritos Superiores vêm ao nosso encontro para nos ajudar, mas o progresso moral é uma tarefa que cabe a cada um de nós — individualmente —, e que exige a responsabilidade de cada Espírito na construção de um mundo mais justo e fraterno.

O progresso moral e espiritual exige mais do que apenas o conhecimento das leis de Deus. É necessário que cada um de nós pratique a caridade, a tolerância, a compreensão e o perdão no cotidiano. Vamos encontrar, nas entrelinhas das obras de Herculano Pires, que a verdadeira transformação acontece quando nossas ações refletem uma mudança interior, uma renovação do coração.

Ele afirma, em “O Mistério do Bem e do Mal”, no Capítulo 9 (Pires, 1989:33):

“Não basta acreditar na sobrevivência e participar de sessões ou ouvir palestras. Kardec assinalou que se conhece o verdadeiro espírita pela sua transformação moral. E essa transformação não se verifica sem o trabalho incessante do homem na modelação de si mesmo. Os Espíritos do Senhor podem auxiliar-nos, mas o trabalho de nossa transformação é principalmente nosso, e deve ser realizado por nós mesmos” [4].

Não é o progresso, pois, um processo passivo, mas uma ação individual contínua. Dessa forma, é necessário que a fé — esclarecida pela razão e pela compreensão — nos forneça a força necessária para cumprirmos os nossos deveres nesta hora de confusões sombrias por que passa o nosso planeta, sempre às vésperas de uma nova aurora espiritual, que está prestes a brilhar sobre todo o mundo. Assim, relembrando sobre o citado evento em Minas, nos esclarece novamente o Professor Herculano Pires, na mesma obra (Pires, 1989:9-10, grifamos):

“Kardec dizia, com muita razão, que os adeptos demasiadamente entusiastas são mais perigosos para a doutrina do que os próprios adversários. Porque estes, combatendo o que não conhecem, evidenciam a própria fraqueza e contribuem para o esclarecimento do povo, enquanto os adeptos de entusiasmo fácil comprometem a causa. O que estamos vendo hoje, no meio espírita brasileiro, não é mais do que a confirmação dessa assertiva do codificador. Espíritas demasiado entusiastas estão sempre prontos a receber qualquer “nova revelação” que lhes seja oferecida e a divulgá-la sofregamente, como verdades incontestáveis” [4].

Precisamos reaprender e fazer uma releitura tranquila sobre o que foi esclarecido para Kardec e para todos nós, podendo afirmar com serenidade: “Estamos encarregados de preparar o Reino de Deus anunciado por Jesus”.

Daí, também, a necessidade de que a ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei que é toda de amor e de caridade. Este sentido, assim, não pode ser distorcido por interesses individuais, como nos orienta o Capítulo XI, de “O evangelho segundo o Espiritismo” [5].

 

Fontes:

[1] Kardec, A. (2004). “O livro dos Espíritos”. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE.

[2] Kardec, A. (2002). “Viagem Espírita em 1862”, Trad. Wallace Leal V. Rodrigues. São Paulo: O Clarim.

[3] Kardec, A. (1993). “Revue Spirite”. Trad. Salvador Gentile. Revisão de Elias Barbosa. Araras: IDE.

[4] Pires, J. H. (1989). “O Mistério do Bem e do Mal”. São Bernardo do Campo: Correio Fraterno.

[5] Kardec, A. (2003). “O evangelho segundo o Espiritismo”. Trad. J. Herculano Pires. 59. Ed. São Paulo: LAKE

Imagem de Pexels por Pixabay

 


Edição: Junho de 2025

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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