Marcelo Henrique
Assim, as relações, de um modo geral, amorosas, conviviais, afetivas e, principalmente, sexuais, são realizações humanas sob a supervisão do plano extrafísico, com causas e consequências inapagáveis.
“Os sexos não existem senão no organismo; são necessários à reprodução dos seres materiais; mas os Espíritos, sendo a criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, é por isto que os sexos seriam inúteis no mundo espiritual.”
(“Revue Spirite”, Janeiro 1866, “As mulheres têm uma alma?”)
O contato íntimo entre duas criaturas, proporcionado pela prática sexual, desperta uma série de considerações, que reputamos oportunos. Fisicamente, as forças biológicas dos seres que se atraem funcionam como duas pilhas onde as energias são compartilhadas. Cada toque, cada estímulo aos sentidos é instantaneamente absorvido por cada um dos parceiros, e é a fonte de uma nova realimentação do processo.
Na questão sentimento, no que tange ao erotismo – de eros, amor – o que se vislumbra é a comunhão, a associação, o intercâmbio de sensações amorosas comuns, mas não necessariamente as mesmas, nem em idênticas quantidades. Qualquer manifesto, seja um afago, um beijo, uma carícia, uma palavra e até um pensamento, pode contribuir com o ambiente que abriga tal união, e a doação que, de fato, ocorre, se materializa num processo recíproco de dar-receber.
Como seria, entretanto, o componente espiritual de uma relação sexual?
Primeiramente, do ponto de vista espiritual, somos Espíritos que logramos superar uma fase inicial de simples convivência orgânica, onde o guia eram os instintos, tão-somente. Fomos, pouco a pouco, através de experiências sucessivas, descobrindo os outros componentes do eu-Espírito, inaugurando a fase da vivência dos sentimentos (amor, ódio, medo, respeito, solidariedade, etc.), até alçar os primeiros voos da percepção da consciência.
Em consequência, em face das distintas peregrinações dos Espíritos, há uma individualização flagrante, uma vez que, mesmo em se tratando de uma mesma ordem, como a grande maioria dos seres que ocupam a Terra (de expiações e provas), estamos agrupados em classes, devido a sentimentos e raciocínios comuns, semelhantemente a uma série escolar onde um grupo de crianças é disposto para o aprendizado, apesar das diferenciações peculiares de cada individualidade. Remetemos, a propósito, o leitor, ao estudo criterioso dos quesitos 100 a 131, de “O livro dos espíritos”.
Deste modo, alguns de nós se acham mais embrutecidos, na predominância dos instintos mais rudimentares, ao passo que outros já merecem respirar ares mais rarefeitos, onde a tônica seja desenvolver a racionalidade em cada sentimento experimentado (e vice-versa). Daí a grande diversificação de pontos de vista, de opiniões e de ações, mormente em se tratando de sexualidade.
É em absoluta consonância com esta realidade que figura a lei de causa e efeito, principal código administrativo da vida espiritual, ao fazer com que “nada escape aos olhos divinos”. É por isto que se fala tanto em planejamento encarnatório, justamente porque cada ato passado desemboca no presente ou figurará no futuro, em moldes de resultado, ou, como a parábola espírita (e cristã) concebe, numa semente que, em germinando, destinará ao semeador frutos de variável quantidade e qualidade.
No cenário e no componente espiritual torna-se necessário enfocar um elemento imprescindível nesta temática: o livre-arbítrio, faculdade aprimorada com o despertar da inteligência e que se aprimora à medida em que a concepção íntima do homem se dilata, rumo à espiritualização. É o juízo, a consciência, o impulso racional que coíbe ou filtra pensamentos, palavras e atitudes humanas, em concordância com a marcha evolutiva.
Assim, as relações, de um modo geral, amorosas, conviviais, afetivas e, principalmente, sexuais, são realizações humanas sob a supervisão do plano extrafísico, com causas e consequências inapagáveis. Vale lembrar a fala atribuída a Jesus de Nazaré (Mt; 18:18), “tudo o que ligares na Terra, terá sido ligado no Céu”, para admitir o quanto representa cada manifestação deste caráter na vida dos Espíritos, porquanto inauguramos, a partir de cada relação, um elo espiritual entre nós e os outros, que nos manterá ligados ou envolvidos, na proporção direta da espécie de relacionamento que, por vontade própria, empreendermos, com todas as nuances e todos os desdobramentos.
As relações sexuais estão inclusas, em “O livro dos Espíritos”, especificamente na Lei de Reprodução, e os seus contornos ou efeitos estarão presentes, também, na Lei de Sociedade, ambas componentes da terceira parte do livro, quando Kardec enfoca as Dez Leis Morais (ou Espirituais), aplicáveis a todos os Espíritos.
No primeiro dos citados capítulos são enunciados os regramentos espirituais que dizem respeito à reprodução e a finalidade da mesma junto à vida físico-material, considerados os mundos habitados no Universo, ou seja, o locus onde os Espíritos reencarnam. A reprodução, assim, é o resultado de algumas relações sexuais, que se vale destas para a perpetuação da espécie humana sobre o planeta.
Uma relação sexual, então, engendra um entrelaçamento de energias espirituais do reservatório que cada um possui, emanadas de uma Fonte Universal inesgotável. Todavia, qual um veículo motorizado deste nosso mundo material, com seu tanque de combustível, a percorrer um dado percurso, haveremos de nos submeter a uma checagem no ponto de chegada, o pórtico espiritual ao qual retornaremos, dando conta de tudo aquilo que recebemos em mais uma oportunidade regenerativa.
Estejamos certos de que a “Contabilidade Divina” estará imbuída do propósito de verificar cada operAÇÃO que realizamos, para, ao fim dos cálculos, nos entregar um conjunto de dados que ficará registrado em nosso Espírito, o relatório fiel de nossas experiências.
E, apesar de o “Ministério Divino” não se negar a nos conceder novo empréstimo para renovada luta, cuidemos por zelar pelo que temos de mais precioso, qual seja nosso verdadeiro eu, o Espírito, para que, possamos ir nos aperfeiçoando e progredindo, no aproveitamento das provas de cada um das encarnações que nos forem oportunizadas, saldando também as dívidas já contraídas, na forma de expiações, e, também, realizando com capricho as missões que tenhamos, em diferentes cenários.
Por isso, no capítulo das relações sexuais tenhamos por norte outro elemento essencial da Ética atribuída ao Mestre de Nazaré, qual seja “fazer aos outros o que quereríeis que eles vos fizessem”.
Imagem: Unplash
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