Religião e Adoração, por Ary Lex (in memoriam)

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Ary Lex (in memoriam)

O selvagem observa a natureza e sente que há um poder superior ao seu, poder que domina as águas e a terra e que pode destruir, num ápice, toda a sua obra. Isso não é ainda religião, pois não há noção de moral, não há um código ético que ensine aos homens a serem bons e solidários. Aquela adoração não passa de uma vaga intuição da vida extracorpórea e da existência de seres mais poderosos que os humanos. Pelo atraso dos povos, não se coordenam as ideias, não se estratificam as noções e nada há senão temor e misticismo.

Se estudarmos a evolução do pensamento humano e o aparecimento de novas teorias entre os vários povos da Terra, desde os mais atrasados até os civilizados, veremos que todos eles tiveram suas religiões. Podemos mesmo dizer que o sentimento religioso é inerente a todas as pessoas de qualquer raça que sejam ou de qualquer grau de instrução. As concepções religiosas estão, naturalmente, de acordo com o grau de evolução e de conhecimento dos povos. Assim é que as ideias religiosas dos povos selvagens são pueris e primitivas. Ressentem-se da falta de cultura e representam a objetivação do seu modo de pensar.

À medida que os povos vão evoluindo, seus conhecimentos aumentam e as ideias tornam-se mais elevadas, despindo-se, paulatinamente, das superstições, das crendices, e tornando-se as teorias cada vez mais lógicas e mais de acordo com a razão.

Certas religiões, analisadas hoje por quem já atingiu um elevado conhecimento dos fenômenos da natureza, não podem deixar de parecer absurdas e mesmo nocivas. A tendência para explicar, por intervenções sobrenaturais, os fatos mais corriqueiros da natureza, como chuvas, ventos e trovões, tendência essa dos povos d’antanho e encontrada hoje entre seres não esclarecidos, impressiona de modo muito desagradável ao homem do século XX, homem que desenvolveu ao máximo suas capacidades intelectuais e aquisitivas e que aprendeu a verificar nos fenômenos naturais a existência das sábias leis que os regem.

Esse homem, hoje como ontem, é posto frente a frente com as mesmas interrogações sem resposta e se desespera por ver quantas religiões passaram, sem dar uma explicação cabal dos enigmas da existência. Desespera-se por ver quantos templos diferentes foram semeados por toda a parte, sem conseguir trazer aos corações aquele lenitivo que é a certeza positiva do seu destino. E esse homem chega a pensar que as religiões foram inventadas para enganar os homens, como se elas fossem um anestésico que apenas diminuísse a dor de um instante para reaparecer mais forte depois.

Entretanto, todas as religiões tiveram um papel a desempenhar. Não era possível que um selvagem tivesse o mesmo modo de pensar e encarar o universo que o homem de hoje, e é por isso que suas ideias eram tão imperfeitas.

Nas religiões primitivas, algumas verdades estão ofuscadas peia aluvião de conceitos descabidos, que vêm desnaturar o conceito inicial. Frequentemente, o culto domina, por atender mais aos sentidos, e a essência da religião torna-se coisa secundária. Nesses casos, a religião desnatura-se e perde o valor, pois os adeptos passam a interessar-se apenas pelo culto externo.

Perpassando a história dos povos, veremos aparecer surtos de ideias que determinam grande aperfeiçoamento na Filosofia, indo depois sendo deturpados e caindo no esquecimento. Entre os selvagens, já há um instinto religioso, porém não passa de uma preocupação do sobrenatural. O selvagem observa a natureza e sente que há um poder superior ao seu, poder que domina as águas e a terra e que pode destruir, num ápice, toda a sua obra. Temeroso, prostra-se e adora o fogo, o raio, o trovão, a lua, o sol. Isso não é ainda religião, pois não há noção de moral, não há um código ético que ensine aos homens a serem bons e solidários. Aquela adoração não passa de uma vaga intuição da vida extracorpórea e da existência de seres mais poderosos que os humanos. Pelo atraso dos povos, não se coordenam as ideias, não se estratificam as noções e nada há senão temor e misticismo.

Num grau de evolução um pouco maior, surgem certas crenças mais precisas, já se delineiam algumas concepções religiosas, e o homem procura encontrar na natureza cu nos antepassados os seus mentores e deuses. Aparecem, então, o naturismo, o fetichismo e o totemismo. O naturismo consiste na adoração de objetos, que se supõem dotados de sentimentos iguais aos dos homens. O fetichismo é o culto de certos objetos inanimados, formando-se a crença de que os espíritos estão ligados a esses objetos, representando-os simbolicamente. Os povos adeptos do totemismo adoram deuses escolhidos entre antepassados e animais, seres esses que são considerados protetores da tribo ou do povo. É o caso da adoração do boi Ápis, entre os egípcios. Como vemos, não há nada de racional ou científico, buscando os indivíduos objetivar todos os elementos do seu culto em coisas materiais, dada sua impossibilidade de fazer abstração.

Bonemère diz que, se livrássemos essas crenças das superstições inevitáveis, poderíamos chegar ao exercício da virtude e à observância da moral mais severa. Isto não se realiza em tais povos pela ausência de todo desenvolvimento intelectual e, dizemos nós, por se tratar de Espíritos ainda pouco evoluídos.

Observando ainda a evolução do pensamento religioso, veremos aparecer o politeísmo e o panteísmo. No primeiro, cultuam-se vários deuses. É o caso da Grécia e da Roma antigas. O panteísmo, segundo a definição de Dupouy, “é a religião que admite Deus e os seres como formas diferentes e inseparáveis da existência universal. O ser infinito produz seres finitos, saindo do seu seio e para ele voltando, sem cessar”. Se compararmos tais ideias com a concepção de Deus dos ocultistas e teósofos de hoje, encontraremos grande semelhança. Essa ideia panteísta veio-se imiscuindo em filosofias várias: gregas, medievais e mesmo modernas. Alicerçando-se sobre ela, foi que Spinoza construiu muitas de suas teorias.

A Codificação, que aceita um Deus criador de tudo o que existe, rejeita o panteísmo, mesmo um panteísmo com roupagem nova, o assim chamado panteísmo espiritualista.

De entremeio com o politeísmo medrou, entre gregos e romanos, o antropomorfismo, atribuindo à divindade os sentimentos, paixões e atos dos homens. Ao mesmo tempo, desabrochava no Oriente, com toda pujança, a filosofia bramânica, ou bramanismo. Dos ensinos de seus grandes mestres dimanaram as verdades profundas da imortalidade e a moral que visava enobrecer e alevantar os sentimentos dos homens, fazendo-os cientes de sua responsabilidade. Assim, tornou-se a índia o berço das religiões e das filosofias.

Veja-se Kardec: “O Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da Natureza, que revela, tudo quanto o Cristo disse e fez. Elucida os pontos obscuros do ensino cristão, de tal sorte que, aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e admitem, sem dificuldades, com o auxílio desta doutrina. Veem melhor o seu alcance e podem distinguir a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece maior; já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino” (A Gênese, Cap. I, n. 41).

Nota do ECK:

[1] Adaptação de textos do livro “Pureza Doutrinária”, do autor, que desencarnou em 2001.

ACESSE OS TEXTOS DA EDIÇÃO:

EDITORIAL: Eu adoro, tu adoras, eles adoram…

O espírita perante Deus, por Miguel Vives y Vives (in memoriam)

Precisamos nos afastar de deus-es, por Marcio Cardoso

Adoração, a Lei, por José Fleuri Queiroz

Sobre a Lei Natural e a Lei de Adoração, por A. C. Amorim

Religião e Adoração, por Ary Lex (in memoriam)

Deus, uma necessidade, por Carmem Imbassahy

Crendices e Superstições, por Milton Felipeli

A cabeça das mulheres, por Célia Aldegalega

 

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