A imersão política na essência ética, por Nelson Santos

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Nelson Santos

A Filosofia Espírita apresenta várias questões versando sobre a ação social e uma indiscutível contribuição política que oferece à sociedade humana, a fim de que esta se estruture, organize e funcione em termos de verdade, justiça e amor traduzindo-se em justiça social.

A década em que ocorria a efervescência dos frutos da revolução de 1848, em França, que posicionou definitivamente clero, burguesia e proletariado em campos opostos, somada à política de Napoleão III, em 1852, foi profundamente marcada pelos embates políticos vindouros e pela repressão. Nesse universo, Hypolite Rivail iniciou seus estudos sobre as mesas girantes, em 1854, e sobre as manifestações espirituais, o que culminou com a criação da Doutrina Espírita e o lançamento de “O livro dos Espíritos”, em 1857.

Nesse contexto, Rivail, agora Kardec, assegurou a neutralidade política e religiosa já na fundação do primeiro centro espírita, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), em 1858, reiterando em seus estatutos uma demarcação limítrofe a qual o Espiritismo não deveria cruzar, sob pena de lhe desfigurar o verdadeiro propósito, o que podemos observar em seu corpo:

“Art.1º – A Sociedade tem por objetivo o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. São defesas nela as questões políticas, de controvérsia religiosa e de economia social.”

Em outra oportunidade, especificamente na “Revista Espírita”, de janeiro de 1864, no artigo nominado “Estado do Espiritismo em 1863”, discorreu o professor francês sobre a inserção de coisas estranhas à Doutrina, como a política, patrocinados pelos inimigos, especificamente no trecho:

“(…) a tratarem de questões políticas ou de outras de natureza a provocar discussões irritantes e a semear a divisão, tudo para ter pretextos de pedir o seu fechamento. […]”.

Em várias outras passagens e artigos das obras fundamentais e da citada revista, o movimento espírita apegou-se ao discurso da evolução moral do ser humano, com uma retórica de neutralidade política que resultaria em justiça social. Ora, tal é uma visão reducionista e atomista, visto que o ser humano é um ser social e em sociedade vive, sendo que ter-se uma ótica de ser individual-moral não seria suficiente para a resolução dos problemas sociais.

Na outrora nascente Doutrina Espírita, podemos de fato compreender a cautela de Kardec com os temas polêmicos que poderiam suscitar efervescentes debates, posto que as paixões dominam o ser humano e, assim, poderiam ser prejudiciais ao seu desenvolvimento. Não obstante, Kardec e os Espíritos Superiores registraram, ao longo das obras, suas concepções acerca de temáticas políticas, sociais e econômicas. Longe, portanto, de qualquer neutralidade política.

Temos, neste sentido, na pedra angular da Filosofia Espírita – “O livro dos Espíritos” –, várias questões versando sobre a ação social e uma indiscutível contribuição política, sob o aspecto filosófico que o Espiritismo oferece à sociedade humana, a fim de que esta se estruture, organize e funcione em termos de verdade, justiça e amor traduzindo-se, por fim, em justiça social.

Portanto, o espírita, como ser social, deve participar e influenciar na sociedade, procurando levar às instituições que a estruturam os valores e normas éticas do Espiritismo. Isto é, em essência, uma participação política, para objetivar, sobretudo, o bem comum. Neste sentido, destaco a dissertação de Fénelon na resposta à questão 917 de “O livro dos Espíritos”:

“[…] Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa, assim veja que outros nela pensaram. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contato.”

Resgatando Humberto Mariotti, em “Parapsicologia e Materialismo Histórico”, temos:

“O homem adquire, por este ser político, o direito e a obrigação de participar do progresso social, mas com um conceito totalmente distinto do conceito da política clássica, que irremediavelmente conduzirá ao desmoronamento do Estado contemporâneo.”

Entendamos, então, que é mais do que necessária a nossa imersão política na essência ética para aplicação da Justiça Social preconizada pelo Espiritismo e, assim, construir a base de uma nova sociedade, justa e igualitária, manifestando-nos não somente como um ser moral, mas, também, um ser político.

Imagem: Unplash

Acesse os textos da edição em cada link:

Faz Política quem vai, e quem fica, por Célia Aldegalega

O Espiritismo e a legítima luta por um mundo melhor, por Manoel Fernandes Neto

Por que o espírita deveria ser apolítico? por Nícia Cunha

Devemos participar das políticas públicas?, por Geylson Kaio

A Política em moldes espíritas, por Raimundo de Moura Rêgo Filho

A imersão política na essência ética, por Nelson Santos

Participar para evoluir!, por Leopoldina Xavier

 

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