Espírita livre e responsável, por Odilon Rios

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Odilon Rios

O Espiritismo é um combo de superação dos problemas, alegria de viver, solidariedade e busca eterna pela esperança, de braços em movimento.

Nestes tempos de transformação, nunca é demais lembrar o exemplo de Allan Kardec e sua esposa Amélie Gabrielle Boudet: do Espiritismo, ajudaram a retirar as hierarquias e amarras no campo da espiritualidade. A revelação não está mais restrita a uma única pessoa ou protegida em grupos exclusivos. Como a mediunidade, é acessível para múltiplas compreensões; como o amor, contagia a todos, uma potência renovadora, acima das pessoas e convivendo entre elas, sentimento libertador, natural.

Os estudos da doutrina coincidiram com os fenômenos das mesas girantes, das cestas que escreviam, de objetos comunicantes. Uma espécie de mundo encantado, mágico, também presente nas religiões. Gradualmente, Kardec promoveu o necessário desencantamento, aproximando o Espiritismo da racionalização. Existiam outras inteligências, também inspiradas, seres fora da carne nos apresentando que nada acontecia ou acontece por acaso nem de forma aleatória. Vivos estamos aqui e do outro lado. Imperfeitos, buscamos a perfeição. Deus incentiva-nos, os espíritos sondam-nos os pensamentos e até podem influenciar condutas, porém somos o resultado de escolhas próprias. Caem o véu das culpas e dos mistérios. A vida não é estática. A morte não é o fim.

Nasceu uma ciência. Era possível se comunicar com os mortos (desencarnados) que também habitavam uma pluralidade de mundos ainda desconhecidos (e aos poucos compreendidos). Estávamos, nós e eles, nas leis das reencarnações sucessivas, de causa e efeito. Nas nossas vivências, a atitude deve ser de humildade, caridade, sem esterilidade; em nossos hábitos, buscamos a superação dos próprios vícios, inquietos que somos, indo e vindo num infinito, diria o poeta.

O desenvolvimento intelectual e a responsabilidade dos homens uns com os outros caminham pelas mesmas trilhas, de mãos dadas. É o domínio da própria conduta na vida. Sim, existe a salvação, porém ela está ligada ao constante trabalho de aprimoramento de todos, por eles mesmos e para eles mesmos.

“O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, não cogita questões dogmáticas. Essa ciência tem consequências morais em todas as ciências filosóficas” (KARDEC, 2013, p. 105) e “Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência, não de uma religião” (KARDEC, 2013, p. 105). Kardec nos ensina que estamos banhados nos mares do tempo. Do nosso tempo. Carregamos as experiências do passado, somos potenciais criaturas do futuro que está logo ali, na próxima esquina. Nossas ações tomam forma num permanente banhar-se nestas águas da realidade.

Dora Incontri associa o Espiritismo ao Anarquismo, na medida que ambos buscam a justiça social numa utopia ousada, como chama, “sem que haja um poder constituído que imponha novas formas de sociabilidade, sem uma garantia legal, constitucional e sem a coerção das forças armadas (polícia e exército)” (INCONTRI, 2021, p. 90).

Um atravessar no mundo entre mundos. Um projeto de transformação de cada um por si e os outros. Cada qual assumindo o próprio compromisso de fraternidade, igualdade, amor universal. Caridade, inteligência, humildade. “Vim para lançar fogo à Terra; e que é o que desejo senão que ele se acenda? Tenho de ser batizado com um batismo e quanto me sinto desejoso de que ele se cumpra!” (Lucas, 49-50).

Ana Cláudia Laurindo também nos faz este chamado para a racionalidade, com ciência e boa dose de responsabilidade (26). Cientificidade que não é restrita aos conceitos biológicos porque “o grito desta era é por ciência política, econômica e social para reconstruir parâmetros de humanidade, vida e sobrevivência” (LAURINDO, 2021, p. 27).

Fora da caridade não há salvação; fora da justiça social não há salvação. É o espírita sendo ele mesmo, seguindo as pegadas de Jesus: amparado nas bases da razão, ouvindo o eco renovador do mundo e participando dele.

Tarefa mais difícil aos que se equilibram nos frágeis saltos da arrogância. O próprio Kardec não se impôs nem como líder nem guru nem iluminado na duríssima tarefa da codificação espírita. Seguia Pestalozzi: encontrava-se com o mundo, na jornada de pronunciamento deste mundo, conforme imaginava o pedagogista suíço, que se firmava no amor entre os homens. Somente quem ama profundamente a humanidade crê no amor como instrumento de libertação, implodindo muralhas entre os guetos formados por quem se sente mais puro ou superior ao próximo. É Jesus nos ensinando a igualdade entre as criaturas.

“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, que deles é o Reino dos Céus” (Matheus 5-10). Significa que Espiritismo não é isento do “mundo dos vivos” nem torna o espírita alienado ou alienante. Há uma consciência de si mesmo, fé nas pessoas, posição crítica com os problemas do mundo mais a denúncia daquilo que esmaga e desumaniza.

O Espiritismo é um combo de superação dos problemas, alegria de viver, solidariedade e busca eterna pela esperança, de braços em movimento. “Marcha, pois, avante, falange imponente pela tua fé! Diante de ti os grandes batalhões dos incrédulos se dissiparão, como a bruma da manhã aos primeiros raios do sol nascente”, diz-nos Erasto (KARDEC, 2013, p. 265).

Em seguida, emenda com a frase de Jesus, “A fé é a virtude que desloca montanhas”. E conclama: “Arme-se a vossa falange de decisão e coragem! Mãos à obra! o arado está pronto; a terra espera; arai!” (KARDEC, 2013, p.265).

Um testemunho de uma profunda alegria de viver: “(…) lançai-vos em cruzada contra a injustiça e a iniquidade”. (KARDEC, 2013, p. 265).

Uma autêntica lição desafiadora de estar-se no mundo.

FONTES:
INCONTRI, Dora. PINTO, Sérgio Maurício (Org.). “Espiritismo, Sociedade e Política: Projetos de Transformação”. Bragança Paulista, Editora Comenius, novembro 2021.

KARDEC, Allan. “O que é o Espiritismo”. Trad. Evandro Noletto Bezerra. 56. ed., Brasília: FEB, 2013

KARDEC, Allan. “O evangelho segundo o espiritismo: com explicações das máximas morais do Cristo em concordância com o espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida”. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013.

LAURINDO, Ana Cláudia. “Deus e Política: Enredo da Morte no Brasil”. Maceió: Aruá Cult, 2021

RIOS, Odilon. “Um recado ao Espiritismo”, de Alessandra Araújo. Disponível em <https://reporternordeste.com.br/um-recado-ao-espiritismo-de-alessandra-araujo/>. Acesso em 21/08/2022.

STOLL, Sandra Jacqueline. “Espiritismo à brasileira”. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Curitiba: Editora Orion, 2003.

Imagem Luisella-Planeta-LOVE-PEACE

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