Editorial: “A Gênese” de todas as polêmicas, por Nelson Santos e Marcus Braga

Tempo de leitura: 4 minutos

Nelson Santos e Marcus Braga

A Revista Eletrônica Harmonia apresentará aos leitores, durante o ano de 2023, em suas edições mensais, artigos pertinentes ao conteúdo contido na obra mais madura de Kardec – “A Gênese, os milagres e as predições conforme o Espiritismo”, mas também à “polêmica das edições”, que pode ser observada nos debates que têm ocorrido entre os estudiosos preocupados com a historicidade, bem como com a coerência doutrinária.

Muito se falou sobre as controvérsias advindas da publicação de edições sequenciais da obra – em especial acerca da quarta e da quinta – a par de divergências relativas aos textos nelas contidos, investigando sobre o que seria o conteúdo original de Kardec. Isto enseja que esta seja a temática escolhida para a primeira edição deste ano, para ser posto em discussão pela Revista Harmonia, debruçada sobre a polêmica para produzir luz, síntese e esclarecimento ao estimado leitor.

A polêmica foi iniciada, ainda, no final do século XX, em uma das salas filosóficas de estudos da plataforma “Pal-Talk”, especificamente naquela em que ocorria o estudo dos conteúdos de “A Gênese”, onde Carlos de Brito Imbassahy se apercebeu e apontou divergências entre a rara obra em seu poder – o original da 3ª edição em francês – com as traduções disponíveis no Brasil – todas baseadas na 5ª edição francesa, dita como revista, corrigida e ampliada. Em um primeiro momento se pensava em uma adulteração na tradução, mas posteriormente constatou-se, na comparação com originais franceses (da 1ª a 4ª edição, todas idênticas entre si e publicadas em 1868, que eram diferentes na 5ª edição, publicada em 1872).

Com a publicação da obra “O legado de Kardec”, um minucioso e primoroso trabalho de Simoni Privato Goidanich, reacendeu-se a polêmica, com o acesso a documentos até então desconhecidos, que provocaram dúvidas sobre a 5ª edição. Soma-se a esse fato, o acesso – ainda hoje parcial, não público, aos nomeados acervos “Canuto de Abreu”, “Allan Kardec On Line – AKOL” e “Forestier”, ora sob domínio e guarda do “Projeto Kardec”, vinculado à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Este conjunto foi responsável por reacender o ímpeto de “busca da verdade”, nos estudiosos em busca de respostas, questionando as conclusões anteriores de que Kardec, ao publicar uma nova (e derradeira) edição, estaria fazendo uma revisão da obra.

É necessário ainda destacar a descoberta de uma “outra” 5ª edição, datada de 1869 – ano do desencarne de Allan Kardec – a qual seria, em impressão, idêntica à de 1872, exceto no que se refere à diagramação da folha de rosto da obra. Frise-se que, acerca da quinta edição, inexistem os (necessários) documentos comprobatórios dos procedimentos editoriais, como a declaração do impressor e o depósito legal – ambos apontados na obra de Goidanich, suscitando dúvidas em relação à sua veracidade. Completa este cenário nebuloso, a menção, na décima primeira edição francesa de “O livro dos Médiuns”, em sua contracapa, sobre a existência da edição (quinta) em 1869, publicada após a morte de Kardec. E, como se não bastasse, no mercado livreiro na França, podiam ser encontradas, desde o final do século XVIII, “versões piratas” de vários livros, não tendo disto escapado a própria “A Gênese”, fato este notório e conhecido dos estudiosos.

Como se vê, estamos diante de um confuso imbróglio e, ainda que pese a dedicação de inúmeros estudiosos, não há como confirmar, pelos meios e documentos disponíveis, a veracidade acerca da autoria da citada quinta edição. Então, embasados na coerência doutrinária, em especial no fato de que as quatro primeiras edições foram revistas e publicadas pessoalmente por Kardec, com seu habitual critério e bom senso, é fundamental aguardar eventuais provas acerca da autoria da edição derradeira. Na mesma linha de raciocínio está Charles Kempf – conhecido dirigente espírita francês, que, embora tenha preferência pelo texto da 5ª edição, adota a 4ª, prudentemente, pelos motivos expostos.

Longe de ser definitiva – no sentido de encerrar os debates e estudos a esse respeito – a presente edição da Revista Harmonia agrega algumas contribuições para essa discussão que, longe de ser uma questão meramente burocrática, afeta apenas à formalização das edições sequenciais, traz nela embutida a análise de questões doutrinárias relevantes. Nesse sentido, esta edição apresenta artigos que foram publicados à época do resgate de “A Gênese”, pormenorizando a lógica criteriosa da Doutrina e a coerência, para adiante, em outros números de nossa Revista, versarmos sobre o conteúdo presente em distintos capítulos da obra kardeciana.

Nesse diapasão, Paulo Henrique de Figueiredo, em “O derradeiro e conclusivo livro de Allan Kardec”, enaltece a contribuição de Goidanich, que trouxe a lume a “polêmica das edições”, iniciando o resgate do pensamento de Kardec e o devido respeito aos escritos originais, apesar das tentativas de deturpação após sua morte.

Simoni Privato Goidanich, em seu artigo Os fatos e as provas irrefutáveis”, aponta o caminho trilhado, em destacados detalhes, pelo processo investigativo que resultou na obra “O legado de Kardec” e os efeitos da investigação na aceitação da versão anterior à conhecida pela maioria dos espíritas por todo o mundo, como a mais fidedigna.

Em O direito moral e a garantia da integridade da obra”, Júlio Nogueira enumera que as prerrogativas do direito moral, de respeito e de paternidade, em relação a uma obra literária, subsistem mesmo depois da morte do seu autor, a fim de garantir a preservação da mesma contra tentativas de alteração, de má utilização ou de supressão no nome do autor, mesmo quando em domínio público.

No artigo “A obra original, atual e contemporânea”, por Marcelo Henrique, temos exposto o modelo educativo de Kardec, seus criteriosos senso e acuidade no tratamento e no desenvolvimento do pensamento espírita, que se contrapõe às alterações presentes na 5ª edição, as quais, de certa maneira, consignam um contrassenso ao trabalho do insigne Professor.

Marco Milani, em Devotos escandalizados”, aponta que, para além da polêmica edição, o sincretismo religioso que inundou o Espiritismo é o real responsável pelas deturpações em relação à doutrina, consideráveis pelo excesso de sacralização em torno de livros ou seus autores (encarnados ou desencarnados), tornando-a um corpo místico onde o critério e a lógica kardeciana não encontram porto seguro.

Em “Impressões sobre o lançamento da obra original”, Beto Souza conclama a urgência em estudar as diferenças entre as edições da obra “A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo”, e registra em detalhes, no seu texto, o momento histórico do resgate do legado kardeciano.

Por fim, Antonio Cesar Perri de Carvalho, em “150 anos de “A Gênese”: importância e fidedignidade” relata as discrepâncias no tratamento do legado kardeciano por seus continuadores, apesar dos alertas ofertados no decorrer dos anos e discorre sobre o impacto e a relevância dos debates acerca das diferenças apuradas entre as edições.

Convidamos o leitor, assim, a também exercer a sua opinião, pois o debate livre pensador é o que enriquece o Espiritismo.

Imagem de Walkerssk por Pixabay

Conteúdos da Edição:

Editorial: “A Gênese” de todas as polêmicas, por Nelson Santos e Marcus Braga

O derradeiro e conclusivo livro de Allan Kardec, por Paulo Henrique de Figueiredo

Os fatos e as provas irrefutáveis, por Simoni Privato Goidanich

O direito moral e a garantia da integridade da obra, por Júlio Nogueira

A obra original, atual e contemporânea, por Marcelo Henrique

Devotos escandalizados, por Marco Milani

Impressões sobre o lançamento da obra original, por Beto Souza

150 anos de “A Gênese”: importância e fidedignidade [A], por Antonio Cesar Perri de Carvalho

Administrador site ECK

Written by 

Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.