Entrevista com Nelson Santos

Tempo de leitura: 5 minutos

*Carlos Barros *

Que essa maravilhosa Doutrina que nos alberga tenha a imensidão que merece, que extrapole sua filosofia, ciência e moral para além dos círculos que orbitamos, que seja efetivamente universalista e plural, levando o conhecimento espírita e a justiça social a todos os povos, tornando esse mundo que ora habitamos mais solidário e equitativo.

GENTE ESPÍRITA (GE) – Há quanto tempo você está vinculado ao Portal ECK, a ponto do seu idealizador, Marcelo Henrique, tratá-lo como “decano”?

NELSON SANTOS – Atraído pela qualidade das exposições e dos debates, tive a grata oportunidade de vincular-me ao grupo ECK no ano de 2019. Quanto ao tratamento de “decano” por Marcelo Henrique é mais uma gostosa brincadeira, um modo carinhoso de tratamento, pois sou um dos membros com maior idade.

GE – O que seria, em sua opinião, o Movimento e o Espiritismo “COM Kardec”?

NELSON SANTOS – O Espiritismo tem por basilar o caráter filosófico como está no frontispício de “O livro dos Espíritos”, sendo, como asseverou Kardec, uma ciência de observação e consiste nas relações que se podem estabelecer com os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações. Assim, a compreensão do Ensino dos Espíritos aliado ao pensamento kardeciano, o qual está exposto e disposto ao longo de suas trinta e duas obras, permite, efetivamente, a análise das questões espírito/matéria, propicia o estudo e o debate construtivo, crítico e analítico. Nessa linha mestra, o Espiritismo tem que ser fundamentado “Com Kardec” pois, fornece-nos os subsídios necessários para evoluirmos nos conceitos do Espiritismo. O grupo Espiritismo Com Kardec – ECK firma seu compromisso com o legado do mestre lionês, e presa o pensamento laico, livre pensador, progressivo, progressista, humanista e genuinamente kardeciano, em um ambiente educador e múltiplo, debatendo com coerência os fundamentos e temáticas sob a égide espírita.

**GE – **Quando Kardec deixou de ser referência filosófica para os espíritas religiosos?

**NELSON SANTOS – **Podemos afirmar que desde o princípio Kardec deixou de ser referência. Ao analisarmos a implantação do Espiritismo no Brasil, um país de forte influência da dogmática católica, o movimento espírita brasileiro não sentia-se confortável com a lógica de seu pensamento pois não respondia plenamente aos anseios religiosos e nem lhe fornecia as respostas, nesse diapasão encontraram em “Os Quatro Evangelhos”, de Jean Baptiste Roustaing, as explicações que entendiam necessárias, repleta de místicas e mítica, amalgamaram, assim, os conceitos roustainguistas que resultaram em interpretações equivocadas do Ensino dos Espíritos além de abandonarem por completo o conceito do Controle Universal dos Estudos dos Espíritos (CUEE) na análise criteriosa das mensagens e obras mediúnicas, devido a isso criou-se um cisma no Espiritismo em Brasil, tendo de um lado o grupo dos religiosos capitaneados pelo chamado Grupo de Sayão e Bezerra de Menezes e de outro os científicos representado por Tortoreli que com sua derrocada perante os primeiros permitiu sua hegemonia.

GE – Esse movimento progressista e plural que está despontando pelo Brasil afora vai ajudar na recuperação dos equívocos doutrinários, constatados em obras kardequianas tidas como adulteradas?

NELSON SANTOS – Já na década de 40 as federativas dos Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, principalmente, aventavam a necessidade de uma melhor formatação para o ensino e prática espíritas, concretizada pelo I Congresso Espírita promovido pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE), no mesmo período temos I Congresso Espírita Pan-Americano que defende uma doutrina calcada na filosofia moral de Jesus, mas sem caráter religioso, promovendo um espiritismo humanista, laico, livre-pensador, progressista e universalista, originando a criação da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA). Mediante essas iniciativas que contrariavam frontalmente o Espiritismo-religião da FEB que, incomodada, gerou o um “acordo” de cavalheiros nomeado como (im)Pacto Áureo que ressaltava o estudo do malfadado Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, obra controversa política e historicamente e de cunho religioso contra o qual insurgiram vários pensadores como Deolindo Amorim, Herculano Pires, inclusive este nomeando-o de bula papalina. Mediante a todos esses eventos, o movimento espirita norteado por grandes pensadores que passou a conhecer mais profundamente como Quintín López Gómez, Antonio Freire, Oliver Lodge, Cosme Mariño, Manuel Porteiro, Humberto Mariotti, Soto Paz Basulto, Rosendo Matienzo Cintrón, Luis Zea Uribe, Ernesto Moog, Pedro Alvarez y Gasca, David Grossvater, Manuel Matos Romero, Jon Aispúrua entre outros, que compreendem o Espiritismo também é uma Doutrina Social, progressista e plural, só vem ganhando corpo, despertando o espírita para o aprofundamento e compreensão do conteúdo das obras doutrinárias, que enaltecem o livre pensar.

Com o advento da internet na década de 90, através do IRC e Paltalk, por exemplo, surgiram grupos que iniciaram os primeiros questionamentos sobre as traduções, especificamente, na obra A Gênese, onde Carlos Imbassahy notou que a edição original em seu poder – 3ª Edição – era diferente das demais traduzidas a partir da 5ª edição. Controvérsias que ganharam corpo, na década passada, com o trabalho investigativo de Simoni Privato que resultou em “O Legado de Kardec”. Toda essa profusão de fontes de pesquisas aliadas às redes sociais que permitem ao meio espírita somar conhecimentos nos estudos de equiparação das obras fundamentais realizadas por diversos grupos de estudos, despertando, paulatinamente, os espíritas para a coerência doutrinária em pontos conflitantes em edições posteriores a morte de Kardec.

**GE – **O Espiritismo meio laico, meio espírita – tudo misturado, seria o ideal para o entendimento do povo leigo que só vai à casa espírita para fazer consulta e tomar passe?

**NELSON SANTOS – **Notemos bem, as adjetivações, como laico, ainda necessárias pois o espírita está impregnado do aspecto religioso e o Espiritismo não o é, está explicito ao longo das obras e do imenso laboratório que é a Revista Espírita. Quanto à pergunta, atendo-me estritamente ao contexto, não seria o ideal, a ambiência das casas espíritas não comportam esse entendimento, pois os mínimos aspectos não são levados a apreciação trabalhadores e muito menos dos leigos, que desconhecem quase a totalidade do pensamento kardeciano, praticam apenas o aspecto caritativo e supostamente consolador, esquecendo-se da face educadora e esclarecedora, amparando-se em obras mediúnicas não analisadas criteriosamente, tratam o atendimento fraterno como um divã de autoajuda e fazem do passe uma mística aeróbica, quando não de práticas e conceitos estranhos à Doutrina.

**GE – **Nos últimos cinco anos, o movimento espírita tomou um rumo mais politizado, com bandeiras ideológicas de esquerda e direita empunhadas por grupos e coletivos progressistas. Esse seria o Espiritismo “feito pelos homens” – segundo asseverou León Denis no século 19 – sem o aval filosófico de Kardec?

NELSON SANTOS – Vejamos, a Doutrina Espírita é imanentemente Social, Kardec, filosoficamente, defende ao longo de suas obras a liberdade, a igualdade e a fraternidade, atualmente considerada como equidade, ou seja, conceitos sociais, mas os espíritas, quase que unanimemente, apegam-se as questões irritantes que Kardec cita e que seriam impróprias em uma reunião, que quando o homem tornar-se melhor as reformas sociais úteis seriam uma consequência natural, porém, o homem, o ser social no mundo, não evolui igualmente, portanto, são necessárias as práticas de políticas sociais. Como implantar melhoras sociais sem uma política social voltada ao menos favorecidos? Se os espíritas não discutirem isso em uma ambiência espírita, discutirão aonde? O Espiritismo é o que faremos dele, justa a assertiva de Léon Denis e certamente com o aval de Kardec. Se defender a equidade social é ideologia de esquerda, sejamos, portanto, socialistas!

**GE – **Qual a sua perspectiva para o movimento espírita brasileiros pós-pandemia?

NELSON SANTOS – Com o advento da pandemia os espíritas tiveram que se reinventar, praticando novas formas de comunicação, de ensino, de estudos, tudo muito dinâmico, ao gosto da juventude que não participava do modelo tradicional, aperceberam-se que o mundo espírita é muito maior do que a casa espírita, pois tiveram acesso a informações que desconheciam, a conceitos que ignoravam, mediante esse universo o que se apresenta e é o que Kardec sempre salientou: grupos de estudos e grupos familiares, pequenos mas dedicados. Essa é a atual tendência para o meio espírita.

**GE – **Suas considerações finais, com nosso agradecimento por sua especial colaboração nesta pauta de bate papo para a CEI Paraíba.

NELSON SANTOS – Que essa maravilhosa Doutrina que nos alberga tenha a imensidão que merece, que extrapole sua filosofia, ciência e moral para além dos círculos que orbitamos, que seja efetivamente universalista e plural, levando o conhecimento espírita e a justiça social a todos os povos, tornando esse mundo que ora habitamos mais solidário e equitativo. Agradeço o carinhoso convite do coordenador do CEI Paraíba, Carlos Barros, desejando-lhe paz, saúde e prosperidade espiritual.

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