Camille Flammarion: Um rapaz de 27 anos, por Aristides Coelho Neto

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Aristides Coelho Neto

O corpo cai, a alma permanece e retorna ao espaço. […] A imortalidade é a luz da vida, como esse brilhante Sol é a luz da Natureza – Camille Flammarion (em seu discurso sobre o túmulo de Allan Kardec).

Um ser só tem consciência de sua ignorância quando contempla as estrelas – Regina Gonçalves.

O astrônomo Camille Flammarion foi designado para proferir as palavras de despedida a Kardec por ocasião de seu desenlace. Era o ano de 1869. O “bom senso reencarnado”, como Flammarion se referiu ao mestre Rivail, desencarnava antes de completar 65 anos. Camille tinha completado 27 anos no mês anterior. Um rapaz ainda. Cheio de méritos, no entanto, de excelente bagagem cultural, o que denota a escolha de seu nome para um evento de tal importância – a despedida do Codificador da Doutrina Espírita, que mudaria certamente os rumos do pensamento de então.

É bem provável que Flammarion possa ter tomado contato com O Livro dos Espíritos aos quinze anos de idade, em 1857. Esse livro vinha para se estabelecer como um marco na história da humanidade, trazendo ao mundo pela primeira vez o nome Allan Kardec e a palavra Espiritismo. Como se sabe, Allan Kardec era, no princípio, apenas um pseudônimo obscuro do mestre Rivail (1), este, sim, nome consagrado como cientista e pedagogo. No entanto, o cognome suplantaria o famoso nome francês muito rapidamente.

Poder-se-ia perguntar por que Flammarion, tão jovem, se interessaria por aquela obra. Sem dúvida pelo impacto que tal publicação gerou nos meios culturais da França e de tantos outros países – Paris era como que a “capital do mundo”. E muito provavelmente porque aquele que viria a se tornar um astrônomo de renome era um intelectual que começara cedo… Esse envolvimento com ciência, com cultura e acontecimentos da época faziam parte da sua índole perquiridora. Aprendeu a ler aos quatro anos de idade. Aos cinco, além de escrever, já dominava os princípios da gramática e aritmética. E foi aos cinco que contemplou um eclipse do Sol, o primeiro da sua vida.

Flammarion nasceu aos 26 de fevereiro de 1842 em Montigny-Le-Roy, na França. A casa que o recebeu era velha, modesta, de gente humilde. Era filho de agricultores. Desde o momento que passou a frequentar a escola municipal foi sempre o primeiro aluno. Sua formação foi católica e desde pequeno ajudava na missa. Na sua formação alguns padres marcaram presença, dentre eles o vigário Lassalle, que lhe passou as primeiras noções de latim, o padre Mirbel, que lhe falou da beleza da ciência e da grandeza da Astronomia. Já não mais em sua aldeia, prosseguiu seus estudos no pequeno seminário de Langres, onde frequentava as aulas de Nicolau Conturier.

Sua infância foi permeada de episódios alegres e gratificantes, mas também de experiências dolorosas. O ano de 1854 marcou indelevelmente a sua vida simples. A cólera iria exterminar 20% da população de Montigny. E Flammarion, aos doze anos, perde seus avós paternos. E seu pai cai doente. A mãe, cansada ao extremo, mal tem forças para tratar do marido. E sua família ainda perde todos os bens materiais, a propriedade rural, a casa, os móveis, os animais. Quando, em maio de 1854, fazia a primeira comunhão, seus pais partem para Paris, na tentativa de um recomeço naquela cidade, uma metrópole, com uma população de mais de 1,5 milhão de habitantes.

Por lá ficaram, tentando sobreviver, porém sem condições de sustentar o filho Flammarion em Montigny. Este sobrevivia de favores de parentes e do Cura de Montigny. Em agosto de 1856, Flammarion segue para Paris.
Sempre trabalhou muito. Nem sempre com as coisas das quais gostava. E sempre leu muito e estudou muito! Começou a escrever suas obras muito cedo. Era comum aproveitar a luz do luar para tal, pois em muitas ocasiões nem vela possuía. Flammarion dormia pouco.

Em meio às necessidades por que passava, a contemplação da natureza sempre o comoveu significativamente. Admirava-se com a grandeza do Universo. Certa feita, de forma poética diria das suas andanças e sonhos já em Paris: “Longe da rua ensurdecedora, vejo-me agora perto do Sena, ao pé das torres de Notre-Dame; o crepúsculo adianta-se sobre o rio deserto, e o espelho movediço das águas reenvia-me, em palhetas de prata, a claridade da lua, e eu sonho com o astro suspenso no Infinito que, mais alto que as torres das catedrais, parece olhar, indiferente, a agonia humana”.

Flammarion, no seu afã de conhecer mais sobre os astros do céu, improvisava sempre. “Uma pequena lente e tubos de papelão, eis um microscópio com que observo os insetos capturados. Atraído pelo espetáculo do céu, eis-me apontando a metade de um binóculo para a Lua, examinando-lhe as manchas. Minutos infinitesimais, em que nos perguntamos a nós mesmos se não somos vítimas de certas ilusões, se é mesmo o que parece ser. Estrelas ou átomos, macrocosmos ou microcosmos, uma sinfonia imensa nos arrebata e domina”.

Aos quinze anos, ei-lo envolto nas dificuldades com subsistência, morando e se alimentando mal. Considerava o trabalho atual de gravador como “muito comércio, pouca arte, nenhum ideal.” Mas sua perseverança e seus sonhos nunca arrefeceram. Assistia todas as noites aos cursos gratuitos da Associação Politécnica. E continuava elaborando seus escritos.

Tantas privações podem tê-lo levado a Rivail à época. O insigne professor, desprendido quanto a questões de dinheiro e pelas coisas materiais, revelava verdadeira paixão pelo ensino. Aliado a isso, seu amor ao bem levou-o a dar aulas gratuitas. Se Rivail, durante seis anos, ministrou aulas de Química, Física, Anatomia, Astronomia e outras matérias, por que não teria sido esse o motivo do encontro entre o futuro Allan Kardec e o futuro astrônomo Camille Flammarion? O jovem que mais tarde se converteria também num baluarte do Espiritismo? Segundo Gabriel Delanne, “sempre coerente com suas convicções inabaláveis, um verdadeiro idealista e inovador”.

Se até Astronomia o professor Rivail dominava, imaginem quantas conversas fraternas não devem ter acontecido entre Camille e Rivail em torno dessa área, acrescidas de uma abordagem nova, em que se configurava a visão clara e racional de humanidades outras povoando de vida aqueles astros que pontilhavam de luz os céus de Paris e do planeta Terra. Rivail também dormia pouco, como Flammarion. Isso é próprio de homens que julgam que seus planos e projetos não cabem no espaço regulamentar de um dia. Vinte e quatro horas é muito pouco para eles.

Com dezesseis anos, Flammarion era presidente da Academia da Juventude, um grupo de estudos que reunia cinquenta jovens. Nessa época os manuscritos de seu primeiro livro estavam prontos. A partir de então começam a abrir-se as portas para o rapaz sedento de saber. Sempre contando com a ajuda de incansáveis e abnegados amigos, ingressa no bacharelado em ciências e letras e começa a dirigir de fato suas atenções para Astronomia. Ao deixar, aos vinte anos de idade, o Observatório de Paris, passa a dedicar-se com mais afinco ainda a seus estudos, seguindo-se então muitos sucessos, naquela tarefa de “legar à humanidade os mais belos ensinamentos sobre as regiões silenciosas do Infinito”. Sua jornada foi um suceder de prêmios e de reconhecimento por parte do mundo estudioso e intelectual da época.

No decorrer de sua existência na Terra produziu mais de cinquenta obras (A morte e o seu mistério”, em três volumes, foi a quinquagésima), a maioria delas impregnada dos conceitos que a doutrina codificada por Kardec lhe proporcionou. (1)
Seria Camille Flammarion jovem demais para, em meio a tantas realizações e privações, ter-se tornado ainda espírita convicto – amigo pessoal e dedicado de Kardec –, escritor renomado, reconhecido no meio científico, por seu arrojo e capacidade de inovação? Ora, meus amigos, os grandes espíritos não podem perder tempo…

NOTAS:
(1) Denisard Hypollite Leon Rivail.
(2) Títulos espíritas de Cammile Flammarion: A morte e o seu mistério, Estela, Narrações do Infinito, Urânia, O desconhecido e os problemas psíquicos, As casas mal-assombradas, Deus na natureza, O fim do mundo.

* Texto escrito em janeiro de 2007.

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