Bituca, 80!, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 4 minutos

Marcelo Henrique

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Ao homenagearmos o Bituca, homenageamos todos os demais brasileiros.
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Foto: Wikipedia, Arquivo Nacional, 1972

Não! Não iremos deixar passar em branco… O Bituca faz, hoje, 26 de outubro, 80 anos… Lúcido, produtivo, criativo, feliz. Um exemplo.

A brasilidade explícita deste carioca da gema (Tijuca), com sua capacidade – única – de traduzir todos os sentimentos da “raça brasilis” em composições inesquecíveis, sua condição ímpar de musicar vários momentos importantes da nação, ao mesmo tempo em que poetizou os “flashes” da vida simples dos interiores de Minas Gerais e do Brasil e as circunstâncias da vida comum de todos nós, brasileiros, é o seu maior legado.

Desde “Travessia” (1967), com “eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver”, até “Pietá” (2002), “vem me trazer a voz que pode me socorrer”, todo o sentimento de Milton traduz a luta e a dor individual (e coletiva) de nossa brasilidade. E ele diz que há, para a doença, o antídoto, em “Cais” (1972), porque como qualquer um de nós, ele diz: “eu queria ser feliz, Invento o mar, Invento em mim o sonhador”.

Como esquecer “Fé cega, Faca amolada” (1975), em que ele exorta o trabalho e a força interior de todo aquele que consegue “deixar a sua luz brilhar no pão de cada dia” e “o seu amor crescer na luz de cada dia”. E de “Raça” (1976), em que sussurra “um lamento, um canto mais puro que me ilumina a casa escura” que se traduz em força, a “nossa energia, que vem de longe pra nos fazer companhia”.

Nascimento sempre enxergou a valentia e a amorosidade do ser-mulher, mapeando-as em suas letras, com colorido, sangue e alma. A mais representativa delas é “Maria, Maria” (1978), fazendo com que milhões delas se identificassem como “uma gente que ri quando deve chorar, e não vive, apenas aguenta”, exortando-as (e a nós, homens, também) para termos força, coragem, gana, SEMPRE!

Mulheres ou homens, todos estamos representados em “Certas Canções” (1982), bastando, apenas e vigorosamente, que observemos em nossos íntimos o combustível intocável e permanente, o “calor [e o amor] que invade, arde, queima, encoraja” cada um de nós nas lutas cotidianas.

Um homem político e social, Milton sempre esteve na vanguarda dos movimentos de cidadania e seus cantos firmes foram entoados nas manifestações e nas assembleias, de Norte a Sul. Em “Coração Civil” (1981), ele deseja a alegria de nossa gente feliz e “que a justiça reine em meu país”. Em “Coração de Estudante” (1983), ele insiste que tenhamos renovada a nossa esperança, mas com uma única recomendação: “há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor e fruto”. Isto, sem esquecer de “Menestrel das Alagoas” (1983), homenageando os Teonônios que existiram, existem e irão existir, cada um que “espalha esperança e transforma sal em mel”.

Sua “Carta à República” (1987), parece ter sido escrita neste 2022. Pois, “ao ver que o sonho anda pra trás e a mentira voltou”, ele – e nós, também – saiu pra sonhar seu (nosso) país, e “por ter(mos) posto a mão no futuro”, é preciso, no presente, sermos duros, e não nos acomodarmos: “quero (queremos) um país melhor”.

Sim, somos “da América do Sul”, como está em “Para Lennon e McCartney” (1970). Então, “todo dia é dia de viver” e de lutar. A luta brasileira, então, se espelha e identifica nas nações-irmãs, vizinhas, deste continente que luta para ter seu lugar ao sol, e os gemidos, os cânticos, os lamentos, os gritos e as comemorações diante da superação das tiranias (e seus ridículos tiranos, como destacou Caetano) estão em “Canção da América” (1979), para que guardemos os amigos “dentro do coração”, “debaixo de sete chaves”. Não é “assim falava a canção que na América” ouvimos?

O Brasil da primavera de 2022 vive o seu “O Cio da Terra” (1977), sendo absolutamente inafastável “conhecer os desejos da terra”, para, nesta que é a “propícia estação”, estejamos aptos e definitivamente interessados a “fecundar o chão”. O sêmen é o voto de esperança neste 30 de outubro!

E as respostas? Ah, as “Respostas virão do tempo”, do suceder das horas, da qualidade dos gestos, da coragem das atitudes, da certeza dos desejos, do sabor dos encantos, legitimando a conquista que está próxima, conforme “Ao que vai nascer” (1972).

Porque de uns anos pra cá, o “Coração Brasileiro” (1982), veio assim cambaleante e tristonho, e ainda “anda de lado, manca, inclinado”. Mas se recupera, se regenera, se livra da desesperança, ao enxergar-se, cada um, em outros, espelhando-se na afinidade da luta e na vontade de deixar no passado tanta iniquidade e sofrimento.

Mas há que se lembrar de um Bituca romântico inveterado, que transplanta o amor que une um ser ao outro, desejada cara-metade, para ampliar o sentimento de amor fraternal, em que é fundamental “pensar além do bem e do mal”, para, assim, “encontrar aonde nasce a fonte do ser”. Eis a liturgia de “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” (2003).

E como um navegante experiente, que ajusta as velas em função da direção dos ventos, não podemos ficar lamentando a tempestade – pela qual ainda estamos passando – destacando proativamente: “quem somos nós pra decidir a direção dos temporais”, em “Balé da Utopia” (2006). A tempestade irá (logo) passar, e nós continuamos navegando…

Mas é em seu último trabalho, “O tambor” (2020), que ele prega a revolução pacífica – ainda que não silente – tal qual Gandhi ou Yeshua – em que é preciso ter voz, é preciso entoar cânticos, é preciso “tocar o instrumento” (“Nos bailes da vida”, 1981): “Hoje o tambor vai se rebelar”.

Estão, aí, para mim, as vinte melhores canções gravadas – algumas de sua lavra junto a diferentes parceiros – por Milton da Silva Campos Nascimento (1942). Seja escrevendo, seja arranjando, seja tocando ou cantando, um poeta revolucionário brasileiro.

E, ao homenagearmos o Bituca, homenageamos todos os demais brasileiros. Pois neste solo há muitos poetas que ninguém pode calar, e que redescobrem, a cada dia, o Brasil…

Salve, Milton! Sua marca está em (todos) nós! Nós te amamos!

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