A lei que educa e consola, por Eliana Ferrer Haddad

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Eliana Ferrer Haddad

Ao considerarmos mais de perto a explicação espiritual sobre essas leis, é preciso prestar maior atenção a alguns detalhes. São pontos imprescindíveis para melhor conhecê-las e cumpri-las. Muitas vezes são justamente os pormenores esquecidos que vão fazer toda a diferença na nossa evolução.

Umas das mais importantes revelações e contribuições do Espiritismo para a ética e a compreensão lógica das dificuldades humanas é o esclarecimento que realiza sobre a existência e o funcionamento das leis divinas. Descritas e analisadas detalhadamente através de perguntas e respostas em “O livro dos Espíritos”, essas regras morais acenam para a verdadeira felicidade, atendendo às grandes questões da Humanidade, discutidas incansavelmente por escolas filosóficas de todos os tempos.

Assim como disse Mahatma Gandhi que, se fossem perdidos todos os livros sacros e só restasse o Sermão da Montanha, a humanidade estaria salva, numa analogia simplória, também se pode dizer que a finalidade da doutrina espírita estaria para sempre preservada se apenas restasse a explicação espiritual que traz sobre as leis divinas.

Lembrando que o Espiritismo tem como objetivo maior combater o materialismo e promover a transformação moral da Humanidade, ensinam os Espíritos que não basta que apenas se fale sobre as leis divinas, Além de conhecê-las, é preciso praticá-las, mas para que isso ocorra é preciso que se perceba através delas, racionalmente, que a vida não acaba com a morte do corpo, que as oportunidades da reencarnação são misericordiosas e que sempre haverá tempo para o refazimento das nossas más escolhas.

É o estudo e a análise das leis divinas que nos permitem sentir o alvorecer da felicidade, uma felicidade que não nos é ofertada graciosamente, mas que nos coloca como donos e senhores dos nossos caminhos. Se é rápida ou tardia, somos nós os seus protagonistas.

Parece fácil, mas não é. Afinal, apesar de se repetir invariavelmente que a lei divina está “gravada” na nossa consciência, como atestar em nós, com tantas derrapadas, algo tão perfeito como prova da presença de Deus a nos estabelecer o caminho?

Somos desatentos. E, ainda que tenhamos possíveis condições evolutivas para compreender essa verdadeira bússola instalada em nós, quantas vezes nos pegamos a nos questionar sobre as nossas atabalhoadas escolhas, que nem sempre retratam a opção acertada e nos provocam tantos sofrimentos. Por que seríamos tão resistentes à verdadeira felicidade?

Certamente, uma das nossas maiores dificuldades existenciais é a compreensão verdadeira das leis naturais, tendo em vista o nível de progresso espiritual em que nos encontramos também com relação ao conhecimento. E, aqui, é bom lembrar que não basta o consentimento intelectual desse enorme aprendizado, mas a nossa condição espiritual para aceitar que nossas dores carregam o carimbo da nossa responsabilidade.

Sem culpa, vale destacar, entretanto, que a lei divina não perdoa e nem castiga. Simplesmente educa, estabelecendo parâmetros perfeitos a favor do nosso progresso, que deve ser feito por nós, aos trancos e barrancos, com acertos e desacertos, até que possamos transformar em ato todas essas potencialidades para o Bem que já fazem parte da nossa essência. O pensamento aristotélico de potência e ato para explicar o devir, a mudança, se aplica muito bem para elucidar também acerca do conhecimento das leis morais. Afinal, elas estão potencialmente em nós como impulso natural, como finalidade para a perfeição, indicando que a cada realização (ato) um novo desafio (potência) se apresenta, cada vez mais aprimorado. E assim vamos nós caminhando na perfectibilidade.

A parte de “O livro dos Espíritos” que aborda as leis morais, sabiamente, é desenvolvida na obra após a exposição de conceitos básicos sobre a vida do Espírito, sem os quais dificilmente seria possível a unidade dessa compreensão e se correria o risco de se utilizar trechos de suas didáticas divisões como se fossem encaixes, justificativas e silogismos para interpretações materialistas. Sem se admitir a existência do Espírito e seus atributos, não há como se compreender as leis morais. Por isso, tantas vezes torcemos o nariz, ficamos mesmo chocados por analisá-las com base nas leis humanas, que consideram apenas o lado material da vida, com sua finitude e prazeres passageiros. Assim, por exemplo, a lei de adoração pode ser interpretada como uma questão de submissão e idolatria, a lei do trabalho como exploração, a da conservação como avareza, a da destruição como castigo, a da igualdade como sonho e a da liberdade, uma utopia fora do pensamento filosófico vigente.

Para se compreender as leis divinas é preciso que se entenda também sobre o papel das virtudes, dos vícios e das paixões. Aliás, paixão é impulso que nos faz sair da acomodação, sendo o seu exagero o que nos prejudica. Enfim, quando consideramos a espiral evolutiva do ser espiritual, na qual nada se perde, mas apenas se soma e se aprimora, conseguimos então perceber que o cumprimento dessas leis deve ser o nosso ideal, o nosso maior propósito.

Também fiquemos atentos ao fato de que não podemos medir os conteúdos das leis morais pela nossa régua. Elas são divinas, não humanas. Para essa crítica, para não perdermos tempo em divagações, temos ainda um modelo e guia a seguir, como nos fala questão 625 de “O livro dos Espíritos”: “Vede Jesus”. Irmão e mestre maior na Terra, ele não somente ensinou, como exemplificou tudo isso, como relatos do Evangelho, também mal interpretados, tomados pelas partes para justificar atitudes particulares que invariavelmente sequer temos condições de avaliar.

As leis divinas podem ser comparadas à historinha popular do bordado, visto pelo alcance da criança em seu avesso como um emaranhado sem graça e sem sentido, cheio de nós e linhas desorganizadas, e que só uma visão de cima pode-lhe fornecer o conhecimento de seu belo desenho.

Ora, se a lei de Deus é a única necessária à felicidade do homem é porque ela indica o que ele deve ou não fazer. Assim, se encontramos a infelicidade, é porque não a desenvolvemos ainda em nós, muitas vezes – é verdade – por preguiça ou negligência. Não podemos deixar de salientar que isso ocorre como fruto de nossa situação evolutiva, retratada por falta de preparo e desconhecimento, que dependem do nosso esforço e experiência. “Deus não se engana”, adverte-nos a resposta 616 da obra em comento, motivo pelo qual todas as leis da natureza (e o espírito é uma das suas forças) são perfeitas. “O sábio estuda as leis da matéria, o homem de bem as da alma, e as segue”, complementam a seguir.

É por isso que até podemos conhecer a lei divina (intelectualmente), mas nem todos a compreendemos (moralmente), o que aliás não deve nos desanimar. Ao contrário, aí está a beleza do nosso desafio, pois nos asseguram os Espíritos Superiores que um dia todos a compreenderemos por que é necessário que o progresso se realize.

Outro ponto importante é o fato de que, se a lei divina está na consciência e ainda a esquecemos ou desprezamos, não há como fugir dela para sempre, pois ela nos será de qualquer forma lembrada, já que Deus outorga a alguns homens (ou mulheres) a missão de revelá-la para que a finalidade da Criação não seja perdida.

Ao considerarmos mais de perto a explicação espiritual sobre essas leis, é preciso prestar maior atenção a alguns detalhes. São pontos imprescindíveis para melhor conhecê-las e cumpri-las. Muitas vezes são justamente os pormenores esquecidos que vão fazer toda a diferença na nossa evolução. Vale então relembrá-los:

Adoração – a elevação do pensamento a Deus é um sentimento inato, por isso é que nunca houve povos ateus. Ela pode, sim, ser exterior, desde que seja de coração. A intenção é a regra e, como não conhecemos as intenções, devemos respeitar as crenças alheias, até mesmo para não faltar com a caridade. O essencial não é orar muito, mas orar bem. A prece nos aproxima de Deus, mas não oculta as nossas faltas, que apenas podem ser eliminadas, corrigidas, com boas ações e a mudança da nossa conduta.

Trabalho – o trabalho é uma necessidade e é imposto ao homem devido à sua natureza corpórea. É uma expiação para aperfeiçoar nossa inteligência e dele deve depender nossa alimentação, segurança e bem-estar. Tudo trabalha na Natureza. Diferentemente dos animais, para nós, o trabalho tem duplo objetivo: conservação do corpo e desenvolvimento do pensamento. Por isso, o trabalho humano não precisa ser apenas material e, caso não se necessite dele para viver, há a obrigação de ser útil aos outros: “O forte deve trabalhar para o fraco e, na falta da família, a sociedade deve ampará-lo. Há um elemento sem o qual a ciência econômica não passa de teoria: a educação moral que cria hábitos”.

Reprodução – É necessária para que o mundo corpóreo não se acabe. A população não se tornará excessiva na Terra, pois Deus a mantém sempre em equilíbrio. Os homens de hoje são descendentes dos homens primitivos. São os mesmos espíritos que voltaram para se aperfeiçoarem em novos corpos e ainda estão longe da perfeição. O próprio homem é um instrumento que Deus se serve para atingir seus fins. A perfeição é o alvo para o qual tende a Natureza. O homem pode regular a reprodução segundo às necessidades, mas não pode entravá-la. Deter a reprodução para satisfação da sensualidade prova a predominância do corpo sobre a alma. O casamento é um progresso na marcha da humanidade, um dos primeiros atos de progresso na sociedade.

Conservação – O instinto de conservação está em todos os seres vivos, contra os perigos e sofrimentos. Para que sejam atingidos seus os desígnios, Deus dá a necessidade de viver e os meios de prover a vida, fazendo a terra produzir de modo a fornecer o necessário a todos. O homem é que não sabe administrar e não se contenta com o necessário. Não é a natureza que é imprevidente. O solo é a primeira fonte de recursos. Faltam meios de subsistência pelo egoísmo dos homens. É permitido ao homem se alimentar de tudo que não lhe traga prejuízo à saúde. Na nossa constituição física, a carne nutre a carne para a conservação da energia e saúde para o trabalho. Para todos, também, há um lugar ao sol, com a condição de que cada um tome o que é seu e não o dos outros.

Destruição – Tudo se destrói para renascer e se regenerar. A destruição natural é uma transformação para a renovação e o melhoramento dos seres vivos. O homem, porém, deve procurar prolongar a sua vida para cumprir a sua tarefa. Daí o instinto, quando ultrapassa os limites das necessidades e da segurança, indica a predominância da “bestialidade sobre a natureza espiritual”. A necessidade da destruição diminui entre os homens à medida que supera a matéria. Nos mundos mais avançados, ela não é necessária. Os flagelos destruidores têm como objetivo fazer a humanidade avançar mais depressa. Muitos, porém, são as consequências da própria imprevidência humana. A guerra, quando necessária, tem o objetivo providente de liberdade e progresso: “Escravização momentânea para sovar os povos, a fim de fazê-los andar mais depressa”.

Sociedade – Deus fez o homem para viver em sociedade. O isolamento absoluto é contrário à lei natural. O homem não consegue progredir sozinho. Os animais vivem a vida material e não a moral. Para o homem, há a necessidade do progresso. Daí a necessidade dos laços sociais, que podem ser resumidos na família para que os homens aprendessem a se amar como irmãos. O relaxamento dos laços de família seria uma “recrudescência do egoísmo”. Os homens que vivem em reclusão absoluta para fugirem ao contato pernicioso do mundo apresentam um duplo egoísmo.

Progresso – Como a lei natural contribui para o progresso da humanidade, o estado natural é a infância da humanidade e ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral. O homem, sendo perfectível, não foi criado para viver perpetuamente no estado natural, que é transitório, deixado pelo homem pelo progresso e a civilização. O homem deve progredir sem cessar e, pelo contato social, ajudar os outros também a progredir. O aperfeiçoamento da humanidade segue sempre uma marcha progressiva e lenta, mas quando um povo não avança bastante rápido, Deus lhe provoca, de tempos em tempos, um abalo físico ou moral que o transforma. É um engano pensar que a perversidade do homem não está recuando e só avança. “Observa bem o conjunto e verás que ele avança, pois vai compreendendo melhor o mal, e dia a dia corrige seus abusos”, disseram os Luminares Espirituais.

Igualdade – Todos os homens são iguais perante Deus e tendem para o mesmo fim, submetidos às mesmas leis. Foram criados iguais, mas cada um viveu mais ou menos tempo, realizando mais ou menos aquisições. Diferenciam-se no aperfeiçoamento apenas pelo grau de experiencia e vontade, o livre-arbítrio. A desigualdade social não é lei divina, mas obra dos homens. Infelizes são os que abusam de sua superioridade hoje, pois serão oprimidos e renascerão numa existência em que sofrerão tudo o que fizeram sofrer. Não é possível a igualdade absoluta das riquezas. Deus concedeu a uns a riqueza e o poder, e a outros a miséria, para provar a cada um de maneira diferente: ao pobre, a prova é pela resignação, e ao rico, pelo uso que faz de seus bens e poder. Há equilíbrio em tudo e os homens se entenderão quando praticarem a lei da justiça. O homem e a mulher são iguais perante Deus e têm os mesmos direitos e funções particulares: “Que o homem se ocupe de fora e a mulher do lar, cada um segundo sua aptidão”.

Liberdade – Por viver em sociedade, o homem não goza de liberdade absoluta, pois todos necessitamos uns dos outros. Só se conseguir viver como um eremita no deserto. Á direitos individuais e sociais a serem respeitados e toda sujeição absoluta de um homem a outro é contrária a leis de Deus. Assim, a escravidão é contra a lei natural e, como abuso da força, desaparecerá com a lei do progresso, juntamente com os demais abusos. Não importa os costumes. O mal é sempre mal, mas a responsabilidade sobre ele é relativa, conforme os meios que se tenha para compreendê-lo. É pelo pensamento que O homem goza de sua liberdade sem limites, sendo responsável pelo que pensa. O homem não tem direito de colocar entraves à liberdade de consciência. Pode-se reprimir os atos, mas a crença intima será sempre inacessível. Reconheceremos uma boa doutrina por sua produção de mais homens de bem e menos hipócritas. O homem tem a liberdade de pensar e de agir. Sem o livre-arbítrio seria uma máquina. A liberdade se desenvolve e muda de objeto com as faculdades morais e intelectuais. A embriaguez não é desculpa pelas faltas cometidas, ao contrário, em lugar de uma falta, cometem-se duas. A fatalidade existe no mundo corpóreo e está retratada no destino que traçamos para reencarnar. Como escolhemos? De acordo com a posição em que nos encontramos.

Justiça, amor e caridade – O sentimento de justiça está naturalmente em nós. As diferenças em relação ao que é justo ou não estão atreladas às nossas paixões, que se misturam ao julgamento. A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um, determinados pela lei humana (provisória, mutável, sujeita ao progresso) e pela lei natural (divina e eterna). A base da justiça está no que disse Jesus: “Não querer para os outros o que não quereis para vós mesmos”. A prática da justiça em toda a sua pureza se resume no amor ao próximo e na caridade, – benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições alheias e perdão as ofensas. O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados, e a atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.

Imagem de Lussie G por Pixabay

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