Uma visão mais do que contemporânea das Leis Éticas Universais, por Maria Cristina Rivé e Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 6 minutos

Maria Cristina Rivé e Marcelo Henrique

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As Leis Morais, segundo a dicção espírita não são textos inertes e cristalizados no tempo-espaço. Para terem efetividade, precisam estar em movimento, permanentemente, a partir do exercício e dos proveitos que elas devem conferir a todos os Espíritos encarnados.

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O estudo das Leis Morais, especialmente pela digressão contida em “O livro dos Espíritos” endereça às criaturas, numa primeira leitura, ao seguinte questionamento: aonde tudo isso nos leva?

Afinal, as balizas e premissas da adoração, do trabalho, da reprodução, da conservação, da destruição, da sociedade, do progresso, da igualdade, da liberdade e da justiça, amor e caridade, são evidentes e imprescindíveis. Mas pertencem ao universo rotineiro de poucos, nesta encarnação.

Tem-se a adoração de mitos, religiosos ou não, que “animam” os auditórios da vida com suas frases de efeito e bravatas. O apelo a elementos do “desejo” popular (Deus, Pátria, Família) contrastam com a apologia à violência, o desrespeito aos “diferentes” (em orientação afetiva e sexual, em cor da pele ou etnia, em gênero, em escolaridade, em renda, em ciência e tecnologia, em assistência social, em saúde e educação públicas, em função da atividade escolar em nível superior, etc.). E a divindade real, universal, onipresente figura apenas em seu formato antropomórfico, como o espelho das iniquidades humanas, ao invés de ser a magnanimidade de Pai-Mãe (Origem) que nos suporta em nossas dificuldades e nos infunde o (necessário) ânimo para continuar lutando.

O trabalho – cada vez mais vilipendiado, sucateado, desvalorizado e perseguido, na pessoa da maioria dos brasileiros, leva um infindável número de pessoas ao subemprego ou ao desemprego, porque falecem as medidas associadas de entes públicos e privados para permitir que ele seja o fator de enobrecimento do ser humano, como uma vez te afirmaram nos bancos escolares ou a definição espírita de ser “toda ocupação útil”, a si e aos outros.

A reprodução, longe de ser o universal direito de opção em ter ou não ter filhos, em diversificadas contingências e de poder, com equilíbrio e sentimento, decidir diante de anomalias fetais e riscos, na opção voluntária (mas regrada pela Lei) segue sendo objeto de censura e penalização, senão pela “lei dos homens”, pela vetusta, raivosa e castradora interpretação dada pelos “religiosos”. Alargando o conceito, que permite, também, a filiação por adoção ou a inseminação artificial ou a participação de terceiro, consensualmente para legar a oportunidade da maternidade e da paternidade a casais homoafetivos ou estéreis, segue sendo bloqueada e censurada pelos ideais das igrejas ou seitas cristãs do Século XXI (mas que parecem pertencer à Idade Média, a Era das Trevas).

De fato, respira-se uma atmosfera plena na “conservação” de valores retrógrados e excludentes. Parecem dias de “outrora”, vista a recrudescência dos ideais pelos quais tanto se lutou, creditados historicamente à Revolução Francesa – que também, como o Iluminismo, inspirou a Filosofia Espírita, em meados do Século XIX: liberdade, igualdade, fraternidade.

Quanto à “destruição”, ela se alastra nas queimadas e depredações da Natureza, neste “país cristão”, onde, provavelmente  Yeshua (ou outro avatar da Humanidade) viesse reencarnar, temeria pisar nessas plagas, onde arriscaria – novamente – sua saúde e integridade física, sendo, talvez, confundido com um “agitador” que ensinaria o povo a “descumprir ordens”. Seria o Magrão, novamente, imolado… Ou, para enquadrar a dinâmica da vida “em rede”, ele não teria seu corpo “crucificado”, mas seria alvo de cancelamentos e bullyings nas redes e plataformas sociais. Virtualmente arrasado, desqualificado, ironizado, ridicularizado…

Vamos à sociedade, diante do quadro que está, aí, posto. O que é ser social? É desfrutar da convivência e da harmonia em todos os diversificados ambientes da vida em sociedade. Mas, como? Há lugares que somente o dinheiro franqueia – e não estamos falando apenas de pagar para entrar e permanecer em certos ambientes. É a aparência, a roupa, a conduta simples e humilde que levam a preconceitos vários. E, não raro, a atitudes indignas de rechaço e violência. Que sociedade estamos construindo? Não é, certamente, aquela descrita na obra pioneira do Espiritismo.

E o progresso – se acha presente nas vidas e casas de números limitados de indivíduos – permanece à distância do povo em geral, que não goza dos benefícios que as invenções e descobertas, os medicamentos e os procedimentos clínicos, caríssimos, são destinados “apenas” aos que podem pagar. Também não está disponível para o desfrute de todos, a partir da existência de programas de promoção de renda aos mais necessitados, como regra de solidariedade estatal e civil.

Falemos, então, da igualdade, letra morta na Constituição brasileira, tanto quanto na interpretação dada pelo Espiritismo a esta importante lei universal. Em essência, os Espíritos são, mesmo, iguais, porque criados da mesma forma e endereçados ao progresso, alcançando o último estágio de progressividade espiritual. Mas, e quanto à vida na matéria? Igualdade, por si só, já é injustiça! Como igualar homens e mulheres, heteros e homos, seres de diferentes cores e etnias, pessoas que, desde tenra idade gozam do ambiente familiar sadio e de recursos para estudar, ter saúde, moradia, lazer, etc., enquanto outros, irmãos em Humanidade, nada possuem? Igualdade, por isso, deve ser substituída pelo conceito jurídico-social de equidade, onde se proporciona aos que não têm (ou nada têm) as mínimas condições de dignidade e o acesso integral às mesmas oportunidades, desde a infância. E isto, convenhamos, ainda é “projeto futuro”.

A liberdade, critério identificador do estágio hominal, após os percursos anteriores, de desenvolvimento de instinto, inteligência e sentimento, é uma diretriz que corresponde às possibilidades do Espírito em sua caminhada progressiva. Isto é, a liberdade é compatível com o progresso. Como este último, conforme já tratado é um ideal distante, torna-se necessário valorizar as liberdades humanas, lutando contra qualquer tentativa de retirada ou diminuição do seu espectro, e repudiando sistemas de governo e ideologias que idolatrem ditaduras, restrição da expressão e opção de culto.

Enfim chegamos àquela que representa, segundo as Inteligências Invisíveis, na elevada sistematização dada por Kardec, ao corolário de todas as leis, ao somatório da vivência de cada uma delas e do conjunto que elas formam: justiça, amor e caridade.

Mas, onde? Em geral, não se observa, nem se consegue sentir, no cotidiano de encarnados, a justiça, o amor e a caridade, marcante e efetivamente. A justiça nos parece imperfeita e limitada, assim como condicionada a muitos interesses (parciais), submetida, ainda, ao dinheiro e ao poder. O amor é seletivo, dependente de afinidades e semelhanças de ideias e práticas, desprezando-se aqueles que muito diferem de nós, por extensão do orgulho e do egoísmo.

E a caridade? Nesses tempos rudes e apressados, ela parece estar resumida ao ato de se desfazer de entulhos domésticos ou itens que sobram, em grande maioria os que nos cansam os olhos e entopem nossas casas, em decorrência do desenfreado consumismo. E soa como obrigação moral-religiosa, para demonstrar na aparência que somos solidários à dor alheia, na forma de visibilidade social, muitas vezes, ao invés de adotarmos o “óbolo da viúva” ou o gesto do samaritano como referências.

Será que os que estejam lendo esse artigo entendem realmente o alcance e a profundidade dessas “ironias”?

Mas, em meio a todos esses desencantos e desesperanças, a Doutrina Espírita nos instiga a pensar. Por ser uma filosofia ela infunde transformações e pode resultar em turbilhões revolucionários, primeiramente individuais, depois coletivos. Ao transformar o ser, transforma-se a sociedade, como asseverou Kardec, diante das lucubrações das Inteligências Invisíveis.

É por isso que, com o olhar instigante (de quem não se conforma com “respostas prontas” e “máximas decoradas”) e perseverante (de quem confia em si, confia nos outros e na Humanidade, a partir da sinergia entre os que entendem diversamente a vida e o contexto planetário), mesmo diante de tanto desalento, passando a entender, pouco a pouco e cada vez mais, o significado de determinadas assertivas insertas nos textos kardecianos.

As Leis Morais, portanto, iniciam na Criatura. Partem dela. E a ela retornam, no cotidiano das vidas do Espírito, sejam aquelas na condição de encarnados, seja na de desencarnados, convivendo, pois, neste mesmo ambiente planetário, até que nos tornemos dignos de habitar mundos superiores ao atual.

É, claramente, o nosso mundo ainda um território hostil. Mas o que nos conforta e nos impulsiona é ver atos, vozes, esforços e lutas daqueles seres, mulheres e homens que já se deram conta da caminhada espiritual a ser empreendida. Lá ao final, nos aguarda – senão nessa existência, mas numa futura, o mundo melhor, almejado por todos os indivíduos de boa vontade, não como uma benesse divina ou uma obra “dos Espíritos Iluminados”, mas como realização daqueles que se destinarem a cumprir seus objetivos e responsabilidades.

Neste mundo futuro, ter-se-á a plenitude do Espírito, que não é mulher nem homem. É o princípio inteligente do Universo, conforme a dicção dos Espíritos em resposta aos questionamentos de Kardec. Metaforicamente, podemos dizer que são os braços divinos a trabalhar e a estruturar uma sociedade justa, harmonizada, alegre, amorosa, em que todos teremos a condição de viver como somos, verdadeiramente: seres em busca da perfeição relativa, unidos, fraternos e solidários.

Vamos?

Imagem de Julita  por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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