O Dezoito de muitos dezoitos, por Paulo Henrique de Figueiredo e Marcelo Henrique

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[…] uma revolução nas ideias não pode deixar de produzir outra na ordem das coisas. É esta revolução que o Espiritismo prepara”, Allan Kardec, “O livro dos espíritos”, item 210.

Allan Kardec publicou seu primeiro livro sobre Espiritismo em 18 de abril de 1857, apenas dois anos depois de iniciar suas pesquisas. Nele, considerada a edição definitiva, com 1019 perguntas e respostas, mais introdução, comentários, notas e conclusão, encontramos a grandiosidade dos temas e a coordenação precisa, lógica e racional das hipóteses apresentadas em “O livro dos espíritos”, formando uma teoria metafísica sólida, coerente e com um encadeamento filosófico exato, abrangendo todas as principais questões da ciência, da moral e da psicologia, muitas delas palpitantes na segunda metade do século XIX e antecipando muitas outras. Convenhamos que a estrutura completa do livro não seria algo a se conquistar naquele curto espaço de tempo, de pesquisas e observações.

Havia um algo a mais.

Embora Kardec jamais tivesse afirmado ser o autor da teoria espírita, ele tinha plena consciência de que lidava com um fato novo, totalmente inédito, na história da humanidade e que ele muito haveria de estudar para compreender a sua totalidade ou integralidade. Disse ele: “Se esse livro tem algum mérito, seria presunção dele me glorificar, porque a Doutrina que ele encerra não é minha criação; toda a honra do bem que ele faz redunda aos espíritos sábios que o ditaram e que consentiram se servirem de mim” (Revista Espírita, Outubro, 1860).

Assim, embora os livros de Allan Kardec não tivessem saído, todos, prontos e acabados, de sua própria mente, muito da estrutura doutrinária tem a assinatura marcante do professor francês. Como um esgrimista de talento, usou da maiêutica para insistir na confirmação das respostas e na estruturação das teses espíritas. Além disso, estudos preliminares, comentários precisos e conclusões remissivas, além de vinculações cruzadas entre textos de uma mesma obra ou de uma para outra, possibilitando conexões importantes na chamada teoria espírita.

Kardec verdadeiramente enxergou a dimensão extraordinária do Espiritismo, que poderia estar circunscrita ao período em que a atividade espírita originária foi realizada (1857-1869), mas que também se dirigia às “futuras gerações”. O que havia começado em 1857, com a publicação do primeiro livro, significou a abertura do processo comunicativo com os Espíritos, e, a partir deste pioneirismo estruturador, o diálogo permaneceu aberto aos nossos interesses, para sempre.

Voltando à época inaugural, se colocássemos, lado a lado, distintos manuais de filosofia do século 19, desde o índice ao conteúdo temático, torna-se evidente como a ordem e a natureza dos assuntos equivalem à estrutura temática apresentada em “O livro dos Espíritos”. Primeiramente Kardec qualifica o livro como “filosofia espiritualista”. E, na tábua de matérias, vamos encontrar: o Livro Primeiro trata das causas primárias (tema da metafísica geral ou ontologia). Os capítulos abordam a teodiceia, cosmologia e psicologia racional, considerando as divisões entre as faculdades da alma (razão e senso moral) e os de origem orgânica (instintos e paixões), segundo o ensino dos espíritos superiores.

O Livro Segundo será um desenvolvimento próprio da doutrina espírita, tratando-se do mundo espiritual propriamente dito, conhecido e explorado pela ciência dos espíritos; é aqui que o diálogo com os espíritos descreve em detalhes o que desde a Antiguidade se conhecia apenas por fragmentos misturados como fantasias ou dogmas.

O Terceiro e o Quarto Livros tratam da Moral, no sentido de suas leis naturais, com a diferença de que nos manuais de filosofia, seu desenvolvimento é racional, enquanto, em “O livro dos espíritos” elas ganham uma análise experimental, apoiada nos ensinamentos dos espíritos.

Estabelecidas estas premissas, chegamos aos leitores contemporâneos de Kardec. Caso nos dediquemos a observar, estudar e conhecer os parâmetros da Filosofia oficialmente aceita naqueles dias, ao consultarmos “O livro dos Espíritos” facilmente reconheceremos a familiaridade da estrutura de apresentação dos temas e problemas. Ou seja, o Espiritismo, proposto por Kardec como sendo uma nova ciência filosófica, respeita, em sua obra fundadora, a estrutura temática e os desafios a serem vencidos nas demais ciências filosóficas de seu tempo. Mas, considerando a amplitude da abordagem, com lições que suplantam o conhecimento humano, tanto do período em que Kardec o escreveu, quanto, para muitas temáticas, o da contemporaneidade, encontramos, no esclarecimento dos espíritos, respostas que ultrapassaram o alcance teórico dos autores humanos (encarnados), pela profundidade e unidade sistêmica do ensino dos espíritos superiores. E, por isso, a obra precisa ser revisitada e entendida em sua completude, sem o caminho fácil da seleção de trechos ou itens, para fundamentar opiniões – quase sempre – limitadas.

Debruçar-se sobre o livro fundamental espírita para entender-lhe a proposta e o conteúdo filosófico nos direciona, ainda, para uma outra tarefa, capaz de ser um acréscimo importante ao valoroso (e quase solitário) trabalho do professor lionês: o de continuar inquirindo, via evocação, os Espíritos Superiores, seja para ampliar as noções inaugurais que a ambiência planetária daqueles dias, cingida à Lei do Progresso, possibilitou descortinar, sobretudo para perceber, comparativamente, eventuais pontos em que as informações espirituais foram superadas pelo conhecimento científico, seja para obter informações adicionais, de fonte espiritual, para elucidar a respeito dos novos temas, instruindo-nos e nos levando a compreensão do amor espiritual, como, aliás, expresso na rogativa: “Espíritas, amai-vos, eis o primeiro mandamento; instruí-vos, eis o segundo”.

Paulo Henrique de Figueiredo e Marcelo Henrique

EDITORIAL: Especial O Livro dos Espíritos

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