A evolução da Mediunidade através dos tempos, por Sérgio Biagi Gregório

Tempo de leitura: 9 minutos

Sobre a Comunicabilidade entre os Espíritos


1. INTRODUÇÃO

A faculdade mediúnica, tanto natural como de prova, acompanha a vida humana, pois desde que o homem existe, os Espíritos estão prontos a se comunicar com ele. Um estudo da mediunidade através dos tempos exige uma ampla pesquisa no sentido de RESGATAR as contribuições dadas pelo homem da caverna, pelas pitonisas, pelas bruxas e pelos médiuns em cada etapa do desenvolvimento da sociedade.

2. DEFININDO OS TERMOS DO TÍTULO
Evolução – etimologicamente, o termo evolução, significa desenvolvimento, volver para fora o que já está contido em algo. Nesse sentido, evolução seria o desenvolvimento pela atualização das possibilidades, das potências já inclusas virtualmente em algo. Assim, o germe evolui até alcançar o indivíduo acabado (Santos, 1965).

A essência do significado do termo evolução é a de desenvolver, desenrolar, ou desdobrar, designando assim movimento de natureza metódica que gera novas espécies de mudanças. Mais especificamente designa o processo de mudança através do qual algo novo é produzido de tal modo contínuo, que a identidade ou individualidade do objeto original não seja violada (FGV, 1986).

Evolução – é impositivo da Lei de Deus, incessante, inquestionável. Nessa Lei não existe o repouso, o letargo de forças, a inércia. Por toda parte e sempre o impositivo da evolução, o imperativo do progresso (FEB, 1995).

Mediunidade é a faculdade humana, natural, pela qual se estabelecem as relações entre homens e Espíritos (PIRES, 1984).

Mediunidade é sintonia e filtragem. Cada Espírito vive entre as forças com as quais combina, transmitindo-as segundo as concepções que lhe caracterizam o modo de ser (FEB, 1995).

Tempo – é a sucessão das coisas transitórias. Está ligado à eternidade, do mesmo modo que as coisas estão ligadas ao infinito (FEB, 1995).

3. HISTÓRICO
O Espírito André Luiz, em “Evolução em Dois Mundos”(1), diz-nos que quando a criatura humana se iniciou na produção do pensamento contínuo, o sonho foi a mola propulsora da mediunidade, porque durante os momentos de desprendimento do corpo físico, ela entrava em contato com entidades espirituais, cujos ensinamentos lhe serviam para ampliar a sua visão de mundo.

Tomando como base os registros históricos, podemos anotar:

1º) A Bíblia está repleta de manifestações mediúnicas, tanto no Velho quanto no Novo Testamento.
Velho Testamento
Samuel, no livro I, cap. 9, v. 9, escreve: “Dantes, quando se ia consultar a Deus, dizia-se vamos ao vidente; porque os que hoje se chamam profetas chamavam-se videntes”.
É já de rigor citativo a consulta feita por Saul ao Espírito Samuel, na gruta do Endor.
O próprio Moisés proíbe a evocação dos mortos.

Novo Testamento
Maria de Nazaré não viu o Espírito anunciador? Jesus não foi gerado com a intervenção do Espírito Santo? E os milagres de Jesus e dos seus apóstolos?
Que foi o dia do Pentecostes senão a outorga de faculdades mediúnicas aos apóstolos e discípulos?
São João falava: “Caríssimos, não creiais em todos os Espíritos, mas provai que os Espíritos são de Deus”.

2º) os horizontes culturais, retratados por J. H. Pires em O Espírito e o Tempo.
Situando a mediunidade em termos dos horizontes alcançados pela humanidade – em cada etapa de seu desenvolvimento – Herculano Pires, valendo-se das pesquisas científicas de Bozzano, John Murphy e outros, oferece-nos valiosas informações que são úteis de serem lembradas. Assim:

No horizonte tribal imperava o mediunismo primitivo. O mediunismo, na expressão de Emmanuel, designa a mediunidade em sua expressão natural. São as relações naturais entre o clã e o Totem dentro do Totemismo. Falam de uma força misteriosa que impregna ou imanta objetos e coisas, podendo atuar sobre as criaturas humanas. São as forças conhecidas pelos nomes polinésicos de “mana” e “orenda”. “Essa força primitiva corresponde ao ectoplasma de Richet, a força ou substância mediúnica das experiências metapsíquicas, cuja ação foi estudada cientificamente por Crawford, professor de mecânica da Universidade Real de Belfast, na Irlanda”. (Pires, 1979, p. 19)

No horizonte agrícola, o animismo e culto aos ancestrais. Nessas primeiras formas sedentárias de vida social, o animismo tribal desenvolve-se no nível da racionalização, principalmente através da concepção fetichista da Terra-mãe e Céu-Pai, que mais tarde dá origem à mitologia egípcia: Osíris, Deus pai, que fecunda Ísis, deusa terra, gerando o filho Hórus.

No horizonte civilizado, o mediunismo oracular. O oráculo é às vezes a própria divindade, outras vezes a resposta dada às consultas, o santuário ou templo, o médium que atende aos consulentes, ou o local de consultas. Embora haja o médium, o oráculo, ou pitonisa, as mensagens são dadas de forma impessoal.

No horizonte profético, o mediunismo bíblico. Esse horizonte caracteriza-se pelo mundo da individualização. O profeta apresenta-se como indivíduo social, mediúnico e espiritual. Assim, dado o avanço de sua liberdade, surgem também os excessos e abusos que caracterizam o indivíduo greco-romano e o profeta hebraico.

No horizonte espiritual, a mediunidade positiva. É nessa fase que se observa uma transcendência humana. A mediunidade torna-se um fato de observação e de estudo de todos os que se interessarem pelo problema. Observe que na Idade Média, o fenômeno mediúnico de possessão é sempre tomado como manifestação demoníaca ou sagrada. O homem, não tendo atingido o horizonte espiritual, não pode conceber que o Espírito comunicante seja da sua mesma natureza.

Kardec explica, em “A Gênese”, capítulo primeiro, porque o Espiritismo só poderia surgir em meados do século dezenove, depois de longa fermentação dos princípios cristãos da Idade Média e do desenvolvimento das ciências na Renascença. Escreveu:
“O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do Universo, toca forçosamente na maioria das ciências. Só poderia, pois, aparecer, depois da elaboração delas. Nasceu pela força mesma das coisas, pela impossibilidade de tudo explicar-se apenas pelas leis da matéria.”

3º) a invasão organizada, descrita por Arthur Conan Doyle.
Em “História do Espiritismo”, Conan Doyle documenta boa parte da evolução da mediunidade, lembrando que embora se considere a data de 31/03/1848 como o marco inicial, os fatos espíritas existiram desde todos os tempos. A sua narrativa começa, assim, por volta de 1740, quando Swedenborg tornou-se famoso pela vidência a distância.

A seguir, escreve sobre Edward Irving, Andrew Jackson Davis (o profeta da nova revelação), o episódio de Hydesville, a carreira das Irmãs Fox, as primeiras manifestações na América, a aurora na Inglaterra, as pesquisas de Sir William Crookes etc.

4. DOIS GRANDES MARCOS DO ESPIRITISMO

4.1. Episódio de Hydesville (31/03/1848).
Em termos de destaque, no cenário público internacional, este fenômeno (raps) foi o que mais chamou a atenção. Observe que uma família metodista havia se mudado para uma casa, onde se falava muito de acontecimentos sobrenaturais. Realmente, por algum tempo eles presenciavam muito barulho, sem causa aparente. Tudo caminhava nesse ritmo quando, num certo dia, as filhas do casal, Kate e Margaret Fox, resolveram responder às pancadas.

Sua mãe relata o ocorrido nestes termos:
“Minha filha menor, Kate, disse, batendo palmas: “Sr. Pé-Rachado, faça o que eu faço”. Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou. Então Margaret disse brincando: “Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro” e bateu palmas. Então os ruídos se produziram como antes. Ela teve medo de repetir o ensaio. Então Kate disse, na sua simplicidade infantil: “Oh! Mamãe! eu já seio o que é. Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma mentira”.

Então pensei em fazer um teste de que ninguém seria capaz de responder. Pedi que fossem indicadas as idades de meus filhos, sucessivamente. Instantaneamente foi dada a idade exata de cada um, fazendo pausa de um para o outro, a fim de os separar até o sétimo, depois do que fez uma pausa maior e três batidas mais foram dadas, correspondendo à idade do menor, que havia morrido”. (Doyle, s.d.p., p. 77 e 78)

Depois disso, continuou o diálogo até descobrir que o Espírito comunicante era Charles B. Rosma, um caixeiro viajante morto e enterrado na adega.

4.2. Lançamento de “O livro dos Espíritos” (18/04/1857).
O fato mediúnico marcante, após o episódio de Hydesville, é o fenômeno das mesas girantes, que assolou os Estados Unidos e a Europa, servindo de brincadeiras de salão, quando as mesas dançavam, escreviam, batiam o pé e até falavam. É dentro desse contexto que surge a Doutrina Espírita.

Das brincadeiras de salão, surge Hypollyte Leon Denizard Rivail – Allan Kardec-, um estudioso do magnetismo e do método teórico experimental em ciência. O magnetismo já vinha sendo estudado há algum tempo. Historicamente, Mesmer descobre, em 1779, o magnetismo animal, Puysegur, em 1787, o sonambulismo e Braid, em 1841, o hipnotismo.

Havendo uma disseminação muito grande dos fenômenos das mesas girantes, Kardec, ainda Hipollyte, foi convidado para assistir a uma dessas sessões, pois o seu amigo Fortier, magnetizador, dissera que além da mesa mover-se ela também falava. É aí que entra o gênio inquiridor do pesquisador teórico experimental. Assim, retruca: só se a mesa tiver cérebro para pensar e nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. A partir daí, começa a frequentar essas sessões, culminando, mais tarde, com a publicação de O Livro dos Espíritos, em 18/04/1857

Por que a mediunidade se positivou com Allan Kardec?

A palavra positivo advém da ciência, que se baseia em fatos. Kardec sendo um cientista, deu-lhe um caráter científico, formulando hipóteses tal qual a ciência o fazia, tomando o cuidado apenas de testá-las com a ferramenta da mediunidade, ou seja, utilizando-se da percepção extra-sensorial.

5. QUESTÃO DE TERMINOLOGIA
A evolução da mediunidade através dos tempos deve alcançar uma melhor compreensão não só da mediunidade, mas também dos vários conceitos a ela ligados.

Assim, convém distinguir:

a) Fenômeno anímico e fenômeno mediúnico
O fenômeno anímico é aquele que diz respeito à comunicação – exclusiva ao âmbito do Espírito encarnado (alma) -, por isso anímico. Não há interferência de Espíritos desencarnados. A telepatia, por exemplo, é um fenômeno anímico, porque as transmissões de pensamentos são feitas de alma para alma, ou seja, de encarnado para encarnado. O fenômeno mediúnico é aquele que diz respeito às comunicações entre os Espíritos desencarnados e os Espíritos encarnados, em que os Espíritos encarnados são intermediários (médiuns) dos desencarnados.

Fenômeno anímico e animismo
No fenômeno anímico não há influência do Espírito desencarnado. No animismo, que é a influência do médium na comunicação mediúnica, procura-se medir o grau dessa influência. Se, numa comunicação mediúnica, a influência do médium é de 100%, ela se transforma em fenômeno anímico; o oposto, 0% de influência, não é possível, pois, nos dizeres de Allan Kardec, o médium nunca é totalmente passivo. Assim, podemos afirmar que sempre que houver mediunidade, haverá animismo.

Fenômeno Mediúnico e Mediunidade
O fenômeno mediúnico pode ser comparado ao mediunismo, definido como a mediunidade na sua expressão natural, ou seja, sem estudo. A Mediunidade, por outro lado, exige estudo e pesquisas sobre os fatos mediúnicos.

Mediunidade e Espiritismo
A Mediunidade, como dissemos anteriormente, é a relação entre os Espíritos desencarnados e os Espíritos encarnados, acrescidos da comprovação científica dos fatos observados. É apenas uma relação entre homens e Espíritos. Ela existe entre os vários segmentos das diversas religiões, podendo-se dizer que há médiuns católicos, médiuns protestantes, médiuns budistas e, também, médiuns espíritas. O Espiritismo, por outro lado, vale-se da mediunidade, mas é um corpo doutrinário que se fundamenta na ciência, na filosofia e na religião.

Mediunidade Natural e Mediunidade de Prova.
Além da divisão fenomênica (fenômenos físicos e fenômenos inteligentes), a Doutrina Espírita oferece-nos a divisão funcional, ou seja, possuímos duas áreas de função mediúnica, designadas como mediunidade generalizada (natural) e mediunato (tarefa). A primeira corresponde à mediunidade que todos os seres humanos possuem, e a segunda corresponde à mediunidade de compromisso, ou seja, de médiuns investidos espiritualmente de poderes mediúnicos para finalidades específicas na encarnação.

6. O MÉDIUM ESPÍRITA
De acordo com o Espírito Emmanuel, “Os médiuns, em sua generalidade, não são missionários na acepção comum do termo; são almas que fracassaram desastradamente, que contrariaram, sobremaneira, o curso das leis divinas, e que resgatam, sob o peso de severos compromissos e ilimitadas responsabilidades, o passado obscuro e delituoso. O seu pretérito, muitas vezes, se encontra enodoado de graves deslizes e de erros clamorosos. Quase sempre são Espíritos que tombaram dos cumes sociais, pelos abusos do poder, da autoridade, da fortuna e da inteligência, e que regressam ao orbe terráqueo para se sacrificarem em favor do grande número de almas que desviaram das sendas luminosas da fé, da caridade e da virtude. São almas arrependidas que procuram arrebanhar todas as felicidades que perderam, reorganizando, com sacrifícios, tudo quanto esfacelaram nos seus instantes de criminosas arbitrariedades e de condenável insânia”. (Xavier, 1981, p. 66 e 67).

É por essa razão que todo o médium deve exercitar a humildade e o desprendimento, pois sendo intermediário do mundo espiritual, não pode conceber-se como um grande missionário porque, se lhe foi dada essa ferramenta de trabalho, é para que use em favor do próximo e não para o seu próprio benefício.

7. CONCLUSÃO
A mediunidade é promissora para o futuro. Contudo, deve o médium esforçar-se para ser o fiel interprete das mensagens espirituais, aprendendo a renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e servir, isento de qualquer tipo de pagamento, moral ou material.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Dicionário de Ciências Sociais Rio de Janeiro, FGV, 1986.
DOYLE, A. C. História do Espiritismo. São Paulo, Pensamento, s.d.p.
EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro, FEB, 1995.
PIRES, J. H. Mediunidade (Vida e Comunicação) – Conceituação, da Mediunidade e Análise Geral dos seus Problemas Atuais . 5. ed., São Paulo, Edicel, 1984.
PIRES, J. H. O Espírito e o Tempo – Introdução Antropológica do Espiritismo. 3. Ed., São Paulo, Edicel, 1979.
SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.
XAVIER, F. C. Emmanuel (Dissertações Mediúnicas) , pelo Espírito Emmanuel. 9. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1981.

Nota do Autor:

(1) A citação do texto, extraído do capítulo XVII (“Mediunidade e Corpo Espiritual”), do livro “Evolução em Dois Mundos”, tem por objetivo realçar os primórdios da mediunidade.

Devemos levar em conta o contexto elaborado pelo Espírito André Luiz, pois está tratando da evolução do princípio inteligente nos vários reinos da natureza.

Somente quando atinge a fase humana, o ser adquire o pensamento contínuo. Nesse estado de evolução, o sono e o sonho tiveram a sua importância.

Depois da positivação da mediunidade, como bem acentuou o professor José Herculano Pires, talvez não tenham a importância original.

* Texto originalmente publicado no Portal do Espírito.

Administrador site ECK

Written by 

Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.