O Racismo na Humanidade Espiritual Planetária e o seu combate, por Sidnei Batista

Tempo de leitura: 6 minutos

Sidnei Batista

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Marx e Engels estruturam sua tese na relação científico-filosófica do Homem enquanto ser humano, ao passo que Kardec levanta a ação do Espírito nos cometimentos comportamentais do ser humano encarnado/desencarnado, na bela metáfora de “o Espiritismo e a Ciência se completarem um pelo outro”. Ambos se fundem num só corpo dialético de substâncias, o Espiritismo aplica, explica e dá sentido à Ciência da Matéria enquanto a Ciência da Matéria aplica, explica e dá sentido ao Espiritismo.

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Para colocar a perspectiva do racismo numa discussão dialética é importante olhar para a natureza humana e estabelecer uma narrativa do processo de desenvolvimento espiritual nos contextos temporais das sociedades. O instinto de subjugar, de dominar, de submeter tudo ao seu poder de força bruta para abastecer sua sanha egotista, faz parte do modus vivendi e do modus operandi da cultura humana. Este instinto já se fazia atuante no psiquismo do Princípio Inteligente como herança subjetiva, nos períodos precedentes à sua vivência no reino hominal. De certa forma, ele já está presente no comportamento do vegetal, percorrendo longas fases ascendentes na cadeia evolutiva, desde os nanobiológicos mais rudimentares até o derradeiro estágio do reino animal, no limite do gênero humano. O instinto é, portanto, o prelúdio do desenvolvimento da razão. A escala espiritual faz sentido: “Tudo se encadeia, do átomo ao arcanjo”.

O racismo estrutural é ideologizado pela pregação da supremacia de uma suposta raça sobre outras raças inferiores por obra e desígnios de Deus. A maldição do mito bíblico Noé a seu filho Cam, “justifica” e “naturaliza” a inferioridade da raça negra, condenada a servir de escravo, subjugada ao domínio da raça branca. Assim, a maldição divina serve de base ao racismo estrutural, adquire tendências fascistas autoritárias e configura uma forma de racionalidade baseada nos padrões de normalidade daqueles que o cultivam. Negação da democracia, o racismo anula às classes subalternas os direitos civis, institui o estado de exceção no qual prevalece a ação dos que se acham poderosos, criando leis injustas de privilégios a seu favor.

Numa abordagem analítica da questão do racismo, ainda que breve e superficial, Kardec, em “O livro dos Espíritos” faz referência ao “Estado Natural”, também chamado de Estado de Natureza. No espaço de sua vida entre 1804 e 1869, o Professor francês mergulhou no estudo de grandes filósofos, entre eles Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau. Hobbes, examinando o instinto predatório dos homens, cunhou o termo “o homem é o lobo do homem”; Locke, o pai do liberalismo social e econômico do qual derivaria o capitalismo moderno, era favorável à escravidão; e Rousseau, por sua vez, louva a personalidade do “bom selvagem”. Embora difiram em alguns pontos nos seus pensamentos filosóficos, os três concordam que o estado natural dera origem à constituição da sociedade civil da antiguidade, que é base fundamental da sociedade moderna.

O assassinato do jovem negro George Floyd, na cidade norte-americana de Minneápolis, reacendeu gritos de revolta pelos anos de opressão e repressão sofridos pela população negra nos Estados Unidos da América. Séculos de injustiças contra etnias em razão da cor da pele, inferiorizadas por uma cultura de superioridade imposta por ideologias raciais e econômicas pregadas pelo Capitalismo de todas as épocas nas variadas denominações.

No dia 25 de maio de 2020 George Floyd recebera voz de prisão, supostamente acusado de comprar cigarros com uma nota falsa de 20 dólares. Dominado brutalmente pelo joelho do policial branco Derek Chauvin pressionando seu pescoço por mais de oito minutos, Floyd não conseguia respirar. Levado às pressas ao hospital morreu antes de serem-lhe prestados os primeiros socorros.

Durante os breves oito minutos, uma eternidade para Floyd, impressionante foi notar a expressão facial de sádica frieza do policial Derek Chauvin. Era visível o desprezo a um cidadão negro como se, naquele ato covarde, o agente da lei fizesse transbordar um ódio mortal a todos os negros. Interessante observar que o nome Chauvin poderia ser a raiz semântica de chauvinismo, designativo do nacionalismo exacerbado de larga faixa de uma sociedade racista que proclama a supremacia do branco de etnia anglo-saxônica.

Porém, eis que inesperadamente, a morte de Floyd provocou enérgica reação na população de Minneapolis. Dir-se-ia que as vozes de Malcon X, de Martin Luther King e Angela Davis voltaram a ecoar no árido deserto da discriminação racial. Uma onda de revolta se levantou alastrando-se por outras cidades e tomando todo o país em proporções jamais vistas. Como um rastilho de pólvora, multidões em passeatas exigiam justiça e punição dos policiais envolvidos. Em pouco tempo, a onda revoltosa saltou as fronteiras dos Estados Unidos e muitos países se viram contagiados pelas ondas de manifestações contra o racismo.

Colocada em análise a ocorrência histórica do racismo, é necessário olhar que até pouco tempo a segregação racial era legal, legítima e praticada em diversos países, como os Estados Unidos e a África do Sul. Mesmo passado um século e meio da abolição da escravidão, em 1º de janeiro de 1863 e do fim da Guerra Civil, em 1865, praticamente todos os estados do Sul ainda discriminavam os negros. A Guerra Civil, também chamada de Secessão, ocorreu pela luta dos estados do norte contra os estados sulistas. Foi uma guerra entre duas vertentes do Capitalismo, a dos estados escravocratas do Sul norte-americano, cuja riqueza se baseava principalmente na produção do algodão, sustentada pela força de trabalho dos escravizados; e a dos estados do Norte, influenciados pela revolução industrial que havia criado leis trabalhistas e pregava a liberdade dos escravos e a igualdade racial e econômica, pelo estabelecimento do livre mercado de trabalho para todos os cidadãos, brancos e pretos.

Os operários, então, passaram a receber salário pela força de seu trabalho, não obstante neste sistema houvesse praticada a mais valia na produção fabril ou no trabalho liberal. Allan Kardec aborda a questão da mais valia de uma forma, digamos, cautelosa. Mas quem se aprofundou no âmago da questão foi  uma dupla de pensadores alemães, Karl Marx e Friedrich Engels. Ambos, em fevereiro de 1848 publicaram o monumental Manifesto Comunista. Contemporâneos, Kardec e os dois alemães se propuseram a abalar todas as estruturas egoístas do materialismo dialético dominado pelo capitalismo predatório, cultivado radicalmente pela exploração do homem pelo homem, o que não deixa também de ser uma forma de escravidão. Marx e Engels estruturam sua tese na relação científico-filosófica do Homem enquanto ser humano, ao passo que Kardec levanta a ação do Espírito nos cometimentos comportamentais do ser humano encarnado/desencarnado, na bela metáfora de “o Espiritismo e a Ciência se completarem um pelo outro”. Ambos se fundem num só corpo dialético de substâncias, o Espiritismo aplica, explica e dá sentido à Ciência da Matéria enquanto a Ciência da Matéria aplica, explica e dá sentido ao Espiritismo.

Entrementes, nos estados sulinos da nação norte-americana a segregação racial perdurou ainda por quase todo o século 20. Os negros eram violentamente discriminados, não podiam estar em ambientes frequentados por brancos, a menos que fossem serviçais. Os espaços públicos dos brancos lhes eram vedados, havia escolas para brancos e escolas para negros. Nos transportes públicos eram obrigados a viajar na parte traseira dos veículos. E a mais desprezível manifestação racista se deu nos estados do Mississipi, Alabama, Virgínia, Louisiana, Carolina do Sul – exatamente os estados segregacionistas combatidos na guerra civil – com o surgimento da Ku Klux Klan, sociedade secreta hedionda montada nos moldes medievais, cujos membros encapuzados à moda da Inquisição católica, promoviam o linchamento de negros usando métodos monstruosos como enforcamentos, crucificações, inclusive queimando-os nas fogueiras enquanto a população branca confraternizava indiferente aos sofrimentos das pobres vítimas.

Contudo, os Estados Unidos não eram o único país da América a darem expansão à segregação racial. O Brasil também tem a sua cota maldita de racismo estrutural, embora acobertado por uma falsa democracia racial, de evidente hipocrisia. Convém lembrar que nos mais de três séculos de tráfico negreiro, o Brasil foi o país que mais importou escravizados da Africa, cerca de quatro milhões foram arrancados à força de sua terra natal, atravessaram o oceano vindo para o Brasil, enquanto os Estados Unidos receberam menos da metade. Isso explica porque os negros representam 13% da população norte-americana e, no Brasil, respondem por mais de 50%. Diferentemente do escancarado racismo norte-americano, o racismo brasileiro é velado, com a população negra sendo confinada nas periferias das cidades, onde a pobreza e as piores condições de vida são flagrantes. Com a abolição da escravatura, os cativos foram praticamente jogados às ruas, relegados à própria sorte sem que ninguém se preocupasse em dar-lhes uma política de amparo e assistência social, com condições de vida mais humanas.

A mortalidade pela ação repressora do Estado brasileiro contra as pessoas negras, principalmente da juventude, excede em trinta por cento a mortalidade de jovens brancos e a polícia brasileira mata mais negros. Com agressiva truculência a polícia investe nas comunidades, invadindo as baladas, bailes funks e pancadões de periferia, com a justificativa rasa de serem, tais, antros de traficantes, de exploração sexual de menores. Mas, não fazem batidas nas raves frequentadas por jovens de classe média alta, filhos dos “cidadãos de bem”, onde rolam também drogas pesadas e muito sexo. Aliás, o mesmo Estado que promove a perseguição aos jovens das comunidades periféricas faz questão de proteger os ambientes frequentados por jovens brancos, preferencialmente ricos. Este é um exemplo de racismo estrutural.

Nestes breves relatos vemos a comprovação de o racismo ser originário do estado natural, definido em “O livro dos Espíritos” como a “felicidade do bruto”. Comprova a condição moral e intelectual da humanidade, consolidada nos fundamentos da escala espiritual que demonstra ser a imensa maioria da população espiritual do Planeta ainda formada por Espíritos da terceira ordem, e um pouco mais acima, encontram-se os Espíritos abaixo da média da segunda ordem.

É missão permanente, então, dos espíritas sensatos, os que entendem as proposições contidas nas Leis Divinas, sob a tradução espírita, empenharem-se na erradicação definitiva do racismo sobre a Terra, transformando os homens e, com eles, as sociedades, como diretriz contida na vasta obra de Allan Kardec.

Foto de Sushil Nash na Unsplash

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

2 thoughts on “O Racismo na Humanidade Espiritual Planetária e o seu combate, por Sidnei Batista

  1. Sidnei gostei… Você fez um belo levantamento de como as pessoas que defendem sua supremacia, não entendem a finalidade que a vida nos oferece que é o saber conviver para alcançar a felicidade. Kardec, veio trazer as informações dos espíritos desencarnados para nós que somos temporariamente espíritos encarnados sobre a real valia de ambos os lados (“vivos” e “mortos) sobre nossa situação aqui como encarnados. Assim acredito que, quando o homem tiver a consciência que minha situação é circunstancial porque hora eu sou branco e hora eu sou negro e que se eu ajudei a criar leis que denigrem os negros, fatalmente amanhã eu serie penalizado com a minha própria criação porque através das vidas sucessivas estarei disponível para passar por todos os dissabores da vida. Como você disse “o Espiritismo aplica, explica e dá sentido à Ciência da Matéria enquanto a Ciência da Matéria aplica, explica e dá sentido ao Espiritismo.”

  2. Mais um apontamento de alguém que admiro pela sua capacidade de síntese e de ensinamentos de variados temas e não só, de como o Espiritismo pode mudar as nossas vidas, e a dos que estão à nossa volta, transformando a sociedade em um lugar melhor. Gratidão.

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