O verdadeiro significado de religião para Kardec, por Brasil Fernandes de Barros

Tempo de leitura: 3 minutos

Brasil Fernandes de Barros

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Mais de 150 anos depois da codificação da doutrina espírita, ainda são frequentes os debates entre os seus fiéis a respeito do aspecto religioso do Espiritismo. A doutrina, codificada por Allan Kardec no século XIX, surgiu em meio a uma profusão de novas teorias e concepções científicas e filosóficas, tendo sido fortemente marcada pelo legado iluminista e pelos pensadores de sua época. Entender o porquê de Kardec ter afirmado que o Espiritismo não era uma religião e posicionar o Espiritismo em termos do que seja Religião é essencial.

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INTRODUÇÃO

Denisard Hypolite Leon Rivail (1804-1869), eminente pedagogo francês, discípulo de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), se tornou muito conhecido por seu pseudônimo de Allan Kardec, nome que adotou quando publicou “O livro dos Espíritos”, a obra basilar do Espiritismo. Esse livro traz, logo na contracapa, a declaração de que o mesmo se trata de filosofia espiritualista (KARDEC, 2004, p. 3), algo sobre o qual os seus adeptos não têm dúvidas. Apesar disso, porém, a terceira maior religião brasileira (IBGE, 2010), com 3,8 milhões de seguidores, se debate com uma questão de identidade no que tange ao seu aspecto religioso. Um grande número de adeptos tem questionado se o Espiritismo é ou não uma religião, a ponto de existirem movimentos não reconhecidos pelos órgãos unificadores do Espiritismo [A], como o chamado espiritismo-científico ou filosófico-científico (CHAVES, 2013). Um dos pontos centrais dessa discussão é decorrente da afirmação de Kardec, que diz que o Espiritismo não é religião:

O Espiritismo é uma doutrina filosófica que tem consequências religiosas, como qualquer filosofia espiritualista; por isso mesmo, vai ter forçosamente as bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura. Mas não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos, nenhum tomou, nem recebeu, o título de sacerdote ou de sumo sacerdote. (KARDEC, 2016, p. 232).

Não obstante Kardec tenha dito que a doutrina espírita não fosse uma religião, ele acreditava que a mesma deveria servir como elemento aglutinante às diversas religiões. Mas disse também, anos depois da publicação de “O livro dos Espíritos”, em seu discurso em reunião pública, na noite de 1° de novembro de 1868, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que “O Espiritismo é uma religião, e nós nos vangloriamos por isto” (KARDEC, [1868] (2001)).

Quando iniciamos as nossas pesquisas sobre o Espiritismo, havia um desejo particular de identificar um “conceito de religião” que pudesse harmonizar-se de forma clara com o Espiritismo e, assim, oferecer um possível “alento” a essa discussão, que por tanto tempo tem se desenvolvido no meio espírita em relação ao seu aspecto religioso. Porém, essa busca confrontou-se logo em seus primeiros passos, a partir da afirmação de Benson Saler:

Como indica a literatura acadêmica sobre religião, não há critérios seguros, bem definidos e universalmente aceitos para diferenciar a religião da não-religião. (Alguns acadêmicos, de fato, propuseram rótulos como “quase-religiões” ou “semi-religiões” para indicar que vários fenômenos complexos se assemelham às religiões de alguma forma, mas não o suficiente em seus aspectos para justificar o rótulo indefinido de “religião”.) Além disso, algumas religiões apresentam um volume maior de características típicas às quais associamos no nosso modelo geral de religião do que outras, e talvez uma maior elaboração dessas características do que é o caso em outros lugares. Algumas religiões, por assim dizer, são “mais religiosas” do que outras. (SALER, 2000, p. xiv, tradução nossa).

As afirmações de Saler nos levaram a constatações com significados inquietantes; primeiro, não há uma definição clara e universalmente aceita sobre o conceito de religião; segundo, há margens de discussão importantes para o assunto, as quais vislumbram a necessidade de compreender melhor o conceito de religião. Ao afirmar que possam existir religiões que são mais ou menos religiosas do que outras, Saler abre um leque para incluir o Espiritismo como uma religião, e de fato tem sido tratada como tal, conforme já afirmamos anteriormente, devido à maioria dos Espíritas, como demonstra o censo do IBGE de 2010. Apesar disso, existem discussões teológicas entre os seus seguidores que têm dificuldades de assumir essa postura de religião constituída, a partir das definições de Kardec, que não deixam clara a questão.

Com vistas a colaborar com essa discussão, este artigo tem a intenção de oferecer um referencial teórico, metodologicamente distanciado das paixões que envolvem aqueles que se dedicam à discussão do aspecto “religioso” do Espiritismo, de forma a fornecer reflexões a respeito do ambiente histórico em que essa doutrina foi cunhada. Para tentar compreender a questão, pretendemos, portanto, estabelecer um breve diálogo com os pensamentos de Kardec acerca do conceito de religião. É importante frisar, porém, que este diálogo será estabelecido em relação à época e também levando-se em consideração como a cultura7 influenciou o seu pensamento e o de seus contemporâneos. Falamos aqui de cultura, porque foi a partir de um modismo extremamente popular, denominado “as mesas girantes”, que surgiu o Espiritismo (KARDEC, 1998).

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Verdadeiro Significado Religiao

Resumo de trabalho apresentado pelo autor, sob o título de “Fé inabalável e razão: o significado de religião para Allan Kardec”, no Dossiê “Pentecostalismo e Política”. Belo Horizonte: PUC-MG, 2019.

 

 

Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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