Para pensar em reencarnação, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 8 minutos

Marcelo Henrique

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Falar de Mozart e de Mercury, como, talvez, duas máscaras, dois enredos, duas vestes de uma mesma alma é, como se lembrássemos de uma das canções mais populares do Queen, “it’s a kind of magic”!
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Na ancestralidade figuram os primeiros sinais da ideia de reencarnação, no seio de alguns povos que habitaram este Planeta. Afinal, muito mais razoável e lógico supor que a renovação de oportunidades de aprendizado e progresso seria mais justa do que a unicidade existencial. De outra sorte, as crenças dos povos em tempos seqüenciais também foram moldadas pelos poderes das religiões dominantes, assim como por suas culturas, para sancionar um poder divino que absolveria ou condenaria os seres, a seu talante.

A Palingênese, assim, está presente em muitas ideologias de nossa História e foi objeto de apreciação, há dois mil anos, no célebre colóquio de Yeshua com Nicodemo, fazendo este último lembrar que seria imprescindível “nascer de novo” para conhecer mais a fundo as sábias Leis Universais. Da água e do espírito, renovando-se contínua e sucessivamente.
A pluralidade das existências, tida como princípio fundamental da Doutrina dos Espíritos, mais do que isso é norma espiritual aplicável a todos os Espíritos, criados pela Divindade, com o objetivo de alcançarem a perfeição possível. A pluralidade existencial, nas muitas idas e vindas, destarte, permite a introdução de outro conceito espiritual importante, o da Unicidade da Vida – a Espiritual –, posto que somos seres eternos, com um instante mágico e pontual onde se processou a nossa criação, mas viveremos sem perecer, espiritualmente falando. Finitos, com começo, mas sem fim.

Obviamente, os traços de nossas sucessivas experiências na carne vão compondo o nosso quadrante psico-emocional-espiritual, e as marcas do passado não são necessariamente físicas – mas podem sê-las, na expressão de sinais de nascença, cicatrizes dos aprendizados que tivemos, entre erros e acertos. Nosso corpo, assim, traduz a essência íntima, onde os caracteres espirituais são demonstrados nas tendências, aptidões, capacidades, habilidades, gostos e especialidades. E o mesmo Espírito é quem se pronuncia, antes, agora e adiante, em cada uma das encarnações.

Um virtuose da música contemporânea, assim, não será, em regra, alguém que esteja, pela vez primeira, dedilhando acordes em um determinado instrumento de cordas, ou compondo solfejos em equipamento de sopro ou de percussão. Ainda que possa ter um mestre (na acepção da palavra) como professor em tenra idade e nas que se lhe sucedam, vê-se claramente no ambiente artístico, elementos que nos permitem apreciar e constatar: – sim, aquele ou aquela parece ser alguém que já esteve associado à música em andanças anteriores.
A recíproca é verdadeira para outros nichos de especialização profissional, podendo nos indicar que advogados, engenheiros, físicos, biólogos, médicos, administradores, economistas, arquitetos e todos mais, para não ficarmos indefinida e infinitamente citando profissões, devem ter tido envolvimento com esta ou aquela ciência (ofício ou arte), em pregressa vida, ou outras.

Debruço-me sobre a excelência musical e artística de Farrokh Bulsara (1946-1991), ainda sob os efeitos de ter assistido, no cinema, sua biografia, “Bohemian Rhapsody”. O vocalista e expressão maior da Banda Britânica Queen, Freddie Mercury, conforme ele mesmo se rebatizou, figura certamente entre os dez maiores músicos de todos os tempos. Completo, foi compositor e intérprete, letrista e arranjador, pianista de mão cheia, mas também hábil nos teclados, no violão e na guitarra. Dotado de um poderoso timbre vocal e sonoro, aclamado por público e crítica (mas nem sempre por esta), era dotado de um “desempenho energético” que envolvia a platéia, razão maior de seu carisma e prestígio. Transitou facilmente entre estilos e tipos musicais – incluindo-se a arte lírica e a ópera, sobretudo por compor um disco operística, junto à soprano Montserrat Caballé, e músicas da trilha sonora das Olimpíadas de Barcelona (Espanha, 1992). Neste particular, como Mercury havia falecido alguns meses antes, foi possível exibir a gravação que ambos fizeram na cerimônia de abertura, mas não há, para mim, dúvidas de que ele, espiritualmente, deva ter assistido aquele magno e grandioso evento.

Sobre a extensão do talento de Mercury, Caballé assim se pronunciou: “sua técnica era impressionante. Sem problemas de sincronia, ele cantava com um grande senso de ritmo, capaz de mudar facilmente de uma escala para outra. Sua pronúncia era sutil, doce e também poderosa, ele era capaz de encontrar o tom certo para cada palavra”. E, para David Brett, conceituado crítico musical, a voz de Freddie, que soava no dia-a-dia como um barítono, mas, ao cantar, transitava entre o tenor, do mais baixo ao alto, atingindo, quase a escala de soprano, afirmou que a extensão da tessitura vocal ia “de um típico grunhido gutural de rock para um vibrante som tenor, logo atingindo um tom alto, perfeito e cristalino no ápice”.
Em sua discografia temos o jazz rock (de Led Zeppelin), o rock clássico (de Elvis), o canto gospel (forte presença de piano e coros de fundo, com vocais agudos), a ópera da Idade Moderna e o psicodelismo típico dos anos setenta.

Quem poderia ter sido Freddie, em existência anterior?

Fique bem claro para o leitor que não estamos afirmando categoricamente que uma determinada personalidade (no caso, da música) é a reencarnação de outra. Mas, permitimo-nos, neste ensaio, cogitar, inferir, trabalhar com hipóteses. Valendo-nos de expressão cunhada no meio científico, de todas as áreas, a Ciência trabalha com evidências, e não as chama, jamais, de provas. Isto porque, mutatis mutandis, a Ciência está sempre em progressividade, em mutação, e, portanto, aquilo que é referência para uma época ou uma geração, ou mesmo para um pequeno intervalo de tempo, é superado, modificado, aperfeiçoado, em função de novas “descobertas”, novos experimentos e novas teses que são apresentadas.
De outra sorte, diferentemente de outras pesquisas a respeito, escudadas em documentos históricos ou em procedimentos de verificação de dados, vestígios, registros – inclusive os de regressão de memória, como fez, por exemplo, o professor e cientista espírita Hermínio Corrêa de Miranda, para algumas situações, ou outros pesquisadores de renome como Banerjee, Weiss e outros – estamos cogitando e provocando a percepção para que ela se aguce e busque alguma condição de validade.

Mercury foi boêmio. Sua ascensão meteórica à fama e ao prestígio, aliada à vida desregrada em relação aos hábitos de alimentação, repouso, cuidados físicos e outros, além de sua atividade sexual intensa, abreviaram sua carreira e sua existência. Assumidamente bissexual, muitos entendem que a homossexualidade foi sua maior marca. Oficialmente, Freddie faleceu em 24 de novembro de 1991, vítima de broncopneumonia, um dia após ter assumido publicamente que seria portador do vírus da AIDS.

O maior vocalista de rock de todos os tempos (revista Classic Rock, 2009) e um dos 100 maiores cantores de todos os tempos (revista Rolling Stone, 2008) – duas das mais conceituadas “bíblias” da música rock – assim como a maior celebridade africana de todos os tempos (nascido em Zanzibar) e o maior líder de banda da história (MTV, 2006), Freddie realmente é uma personalidade ímpar para a Era Contemporânea e deve ter um similar na história musical deste planeta.

Aclamado pelo público e reconhecido por parte da crítica especializada, nunca foi poupado em relação a seus “arroubos” musicais, em face de abusar dos trinados e vocalizes, demonstrando vaidosamente suas múltiplas habilidades da garganta. Críticas ácidas recebeu, por isso, e por mesclar gêneros musicais até então considerados inconciliáveis, tal qual água e azeite, mas que, sob o piano de Mercury se tornaram obras-primas. Ao todo, duzentas e trinta e cinco músicas saíram de suas mãos e alma. Às críticas e aos que se lhe opuseram na realização de seus projetos musicais, respondeu com suas mais notórias e peculiares armas: a jocosidade e o cinismo de seu sarcasmo e o talento expresso em músicas que venderam mais de 150 milhões de cópias, e que alcançam, com os números post-morten do vocalista, mais de 300 milhões.

Ele sempre declarou que lhe interessava produzir canções que alegrassem as pessoas, de todos os públicos, nacionalidades e culturas e que, ao contrário de Lennon, suas letras não expressavam o talento do ex-Beatle em escrever mensagens profundas. Se considerava, portanto, um homem romântico, com a maior parte de seu vasto trabalho lírico voltado ao amor. O romantismo, assim, figurava em toda a parte pelas composições Mercurianas. Singularmente, não era pródigo em poesia, mas em arranjos e composições melódicas. Esse romantismo também refletia a solidão íntima do homem e sua personalidade reservada e tímida, que desaparecia nos palcos e gravações. Era, pois, na sua inquietude, um ser muito solitário, vulnerável e extremamente desconfiado das demais pessoas.

Há outro artista – senão de ritmos populares, porque à sua época, e durante muito tempo, a música lírica é que era a vanguarda e estava em evidência – que nos lembra Bulsara, pela irreverência, impulsividade e improvisação, ao lado de esmerada técnica de composição e execução de peças musicais: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791).

Mozart também possuía uma prodigiosa habilidade musical, com destacada competência no teclado e violino. A diferença entre os dois, até pela questão de época, foi o seu talento precoce de compositor, já aos cinco anos de idade. Compôs mais de seiscentas músicas, muitas das quais referências para os estilos sinfônico, concertante, operístico, coral e pianístico. Produção esta considerada complexa e difícil, que influenciou diversos outros compositores entre os séculos XIX e XX.

Até hoje, Mozart é considerado um dos maiores compositores do Ocidente, verdadeiro ícone de popularidade, e sua obra perpassa e abrange todos os gêneros musicais de sua época. Tinha como características de sua personalidade a vivacidade e espontaneidade, desenvolvendo um orgulho, por vezes desmedido, em relação ao seu virtuosismo musical e, até, demasiadamente confiante. Daí, decorria sua vaidade, que não se limitava às habilidades musicais, mas se expressava, também, em relação à sua proeminente cabeleira clara. Tinha, outrossim, um conhecidamente grosseiro senso de humor, calcado em chacotas e histórias jocosas. Esse tipo de humor, inclusive, extravasava para a música que compunha – ou executava, de outros autores. Tinha variações constantes de humor, alternadas da euforia à depressão, dos gracejos a sentimentos sombrios. Sua risada era contagiante, conforme diversas cartas escritas sobre o compositor austríaco.

Teve, pois, muitos amores e relacionamentos, desde a adolescência, tendo cortejado diversas mulheres, cantoras líricas e alunas suas, uma das quais ele supostamente teria engravidado. Diz-se que era um autêntico “Don Juan”, cortejador e conquistador. Também são presentes em sua curta trajetória de vida, vários mecenas, muitos dos quais historicamente bissexuais – incentivadores e patrocinadores de sua arte – e não se sabe ao certo se, alguns deles também possam ter tido relacionamentos mais íntimos com o compositor, hábil em seduzir para alcançar seus objetivos.

Há todo um fulgor, uma virilidade, uma alta voltagem em Wolfgang, calcada num desejo de totalidade e permanência. E porque não dizer, em suas letras e nos arranjos de suas melodias, todo um amor pleno e, em alguns momentos, carregado de erotismo. Música como luxo e prazer. Tanto que são evidentes as construções melódicas que caracterizam verdadeira luxúria, com piruetas vocais, em uma elasticidade que só o gênio criativo de Mozart permitia, espalhando-se por todos os naipes do coro e pelas distintas tonalidades dos sons de cordas e metais. Uma explosão de sentimentos e paixões!

O amor de Mozart é universal e transcendente, porque ele amava a vida, dedicando-lhe as melhores árias de suas composições imortais. Amava e desfrutava, porque sempre tinha um chiste para dizer a quem estivesse próximo e adorava as diversões vulgares de seu tempo. Sua obra tem uma ebulição, todo um mundo de expressões que simbolizam os múltiplos sentimentos presentes em sua alma (viajora), inclusive os de agressividade e desespero.

Adorava jogos e bailes e sua vida igualmente desregrada quanto aos bons hábitos o levou à morte, provavelmente por tuberculose e cirrose, mas, supostamente, também por questões relativas a doenças sexualmente transmissíveis.

Em sua trajetória, encarna e encara as duas fases de uma carreira musical, aclamado por vezes em face de sua genialidade e esquecido mediante as expressões conservadoras, em estética e moral, em sua época.

Voltemos a Freddie…

Todas as biografias consultadas a respeito do artista, as autorizadas e as não-autorizadas, informam que Bulsara-Mercury tinha um apreço realmente grande pela música erudita e ópera e que Coward, Chopin e Mozart eram inspiração permanente.

Com Bohemiam Rhapsody é considerada, pela crítica especializada, uma das maiores gravações musicais da história e fundiu ópera e rock’n roll e com a épica apresentação do Queen no festival beneficente britânico Live Aid (com renda revertida para combater os efeitos da fome no continente africano), considerada a maior apresentação de um grupo de rock já feita, temos ingredientes capazes de provocar o raciocínio espírita para que Mercury seja Mozart, fundidos em um mesmo espírito, que semeia alegria, entusiasmo, romance e vitalidade.
Falar de Mozart e de Mercury, como, talvez, duas máscaras, dois enredos, duas vestes de uma mesma alma é, como se lembrássemos de uma das canções mais populares do Queen, “it’s a kind of magic”!

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

One thought on “Para pensar em reencarnação, por Marcelo Henrique

  1. Realmente duas histórias de vida bastante semelhantes, cuja singularidade em tudo parecidas no que se refere á genialidade e criatividade, assim como no seu percurso de vida. Dois génios em tempos diferentes um espírito na eternidade. Saúdo o autor pelo excelente texto.

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