O conceito de Religião, por Carlos de Brito Imbassahy

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Carlos de Brito Imbassahy

O que não se pode é encantar-se com determinada ideia e adotá-la como verdade, porque alguém confundiu conceitos e resolveu dar a eles a versão que mais lhe agrade.

No meio espírita há teimosos que insistem em cair na tese de que o termo religião procede do conceito latino de religar e insistem com veemência nessa ideia, afirmando que o próprio Kardec teria admitido tal hipótese.

Às vezes, evito entrar em maiores considerações, para não parecer pernóstico, mas, infelizmente, quando a insistência é grande, somos obrigados a recorrer àquilo que sabemos para que a teimosia cesse.

O que ocorre é que, por volta dos anos 260 a 325 (ou por aí) viveu um sujeito chamado Lucius Caccilius Firmianus, que foi um dos escolhidos pela Igreja como referência aos estudos relativos às pregações de Pedro, nas catacumbas de Roma. Este sujeito assinava-se como Lactantius.

Ele escreveu duas obras importantes: “De Mortibus Persecutorum” onde narra a História do Império Romano da sua época e a famosa obra usada pela Igreja que é “Divinae Institutiones” e que é considerada a base da fé cristã.

Nesta obra ele fala que a instituição da religião cristã (pregada por Pedro) se prende ao fato da necessidade de o homem se ligar com Deus, todavia, jamais cometeria o absurdo de dizer que o termo religião provém do verbo latino religo, as, avi, atum, are. Ele queria expressar a ideia de que o Cristianismo teria trazido ao povo romano o reatamento dos conceitos reais da existência de um Deus único, tal como houvera pregado Nefertiti, instituindo o culto a Ton em substituição ao politeísmo egípcio predominante com a doutrina de Amon.

Este verbo religar, na forma latina, não possui, em nenhum dos seus tempos, como se pode ver, o “i” depois do “g” que pudesse sugerir a ideia de que, desse tempo teria advindo o termo religião. Como tal, portanto, é inteiramente impossível admitir-se tal sentido.

Ainda como Lucius Caccilius há, vertido para o francês, o livro intitulado “De la Formation de l’homme”, em edição de 1857 (J.-P. Aillaud – Quai Voltaire II – Paris) que também está ligado aos conceitos religiosos.

E ainda se pode observar que três grandes autores latinos são unânimes em seus conceitos: Virgílio, por exemplo, ressalta que Ciência – sciens, entia – é o estudo do conhecimento humano enquanto que a Religião – religio, onis – é o estudo do conhecimento dos deuses, suas obras, incluindo o culto a eles. Cícero repete o mesmo conceito, citando-a como sendo o culto e as cerimônias dedicadas aos deuses (Religio mihi non est) e ainda se refere à profanação de um templo em Crípere (religionem a domo sacra). Justinius usa o mesmo conceito como superstição e assim por diante, não deixando qualquer dúvida de que o termo latino existe e sempre existiu para definir as coisas ligadas aos deuses, lembrando-nos sempre, de que o velho Lácio era politeísta e, como tal, admitia a existência de uma corte celestial muito semelhante à mitologia grega descrita por Homero.

O que não se pode é encantar-se com determinada ideia e adotá-la como verdade, porque alguém confundiu conceitos e resolveu dar a eles a versão que mais lhe agrade.

Com a transformação do império romano em um domínio monoteísta, a religião em si passou a ser o estudo referente ao Deus único adotado pelo Cristianismo, todavia, não podemos olvidar que, além desses autores, vários outros escreveram obras religiosas dedicadas às observações que eram feitas através dos oráculos, o que, ainda, leva à ideia de que a religião envolvia conceitos transcendentais a ponto de, Justinus ter escrito um trabalho conceituando religião como sendo “superstição” provavelmente porque analisara a fé e a crença nos trabalhos desses ditos oráculos.

Portanto, o termo em si, na sua ortoépia, nada tem que ver com o vernáculo religar e nem Kardec diria tal coisa porque, em francês, o verbo ligar é lier sem “g”, o que jamais admitiria qualquer ideia correlata com o termo religião. E, além disso, o verbo relier (religar) em francês é usado mais no sentido de reatar até mesmo o de encadernar, nunca, como querem certos companheiros nossos que insistem na ideia de que o Codificador teria usado esse falso conceito.

Acesse cada texto da edição:

E D I T O R I A L: Religião? Entre a fé e a razão

O conceito de Religião, por Carlos de Brito Imbassahy

A diferença entre Religião e Religiosidade, por Magali Bischoff

Uma Religião Espírita?, por Sergio Maurício

Espiritismo Laico ou Religioso?, por Eliseu F. Mota Jr.

O Espiritismo no contexto das “novas” Religiões, por Paulo R. Santos (in memoriam)

Espiritismo e Misticismo na Religião Espírita Brasileira, por Marcelo Henrique

O Espiritismo e a Religião dos Espíritos, por Wilson Garcia

O Espiritismo e a Religião, Milton Medran Moreira

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