Nelson Santos
Faz-se necessária a atuação solidária do verdadeiro espírita, de modo consciencioso, intervindo junto aos menos favorecidos e intentando a justiça social possível, firmando a equidade como instrumento necessário, por meio de políticas ou movimentos sociais.
Há um brado silencioso e inquietante no seio da sociedade, originado na desigualdade social e na ausência da ética e da moral que se perpetuam ancoradas na pequenez humana. Na digressão sobre haver igualdade na desigualdade e, mesmo, se a igualdade seria igualitária de per si ou relativizante, buscamos referencial no pensamento filosófico aristotélico: “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.
A partir daí, podemos definir que a igualdade pode ser dividida em comutativa e distributiva.
Na primeira, a comutativa, encontrada sobretudo nas relações privadas, tratamos igualmente os desiguais. A essa Aristóteles chamou de igualdade aritmética, uma justiça corretiva.
Na segunda, a distributiva, prevalecem as relações para com o todo, em que tratamos desigualmente os desiguais. Ou seja, a igualdade é geométrica, estabelecendo, desta maneira, uma justiça proporcional.
O conceito aristotélico de igualdade tem por fundamento a natureza humana, pois considera o homem como “animal social”, que almeja o bem supremo – no caso, a felicidade. Nessa, o ser social, imbuído de virtudes e de sua própria natureza e razão, propõe mecanismos positivos que concordem com as leis naturais impedindo (ou devendo impedir), assim, as desigualdades. Em tal sentido, cada fator deve ser analisado de maneira particular, considerando todos os elementos que o tornam singular, para conduzir a uma igualdade flexibilizada, fundando o conceito de “equidade”, que vai além da lei escrita, nas não além da lei natural.
Sob a perspectiva da vivência do ser no mundo, os pensadores estoicos quebraram o paradigma da desigualdade natural. Entendiam eles que não haveria algo mais real do que a igualdade entre os seres humanos no estado natural, pois todos possuíam a mesma origem e o mesmo princípio, o logos, princípio divino que permeava o universo.
Concordes com os estoicos, os pensadores cristãos utilizam os ensinos de Jesus de Nazaré onde todos os seres humanos foram criados â imagem e semelhança de Deus, ou seja, todos são iguais em sua origem, o que novamente traz o princípio da igualdade.
O conceito de igualdade perante as desigualdades latentes, foi se ajustando às premissas sociais, tanto de modo filosófico, quanto, por vezes, civilmente. Porém, as lacunas foram se ampliando no seio da sociedade, por inúmeros fatores sociais e evolutivos, como, exemplificativamente, o declínio das monarquias e a revolução industrial.
É principalmente a partir do Iluminismo, muito em face das mudanças legais e sociais dele decorrentes, que a conceituação da nominada igualdade civil além da igualdade natural como baliza para uma justiça social, ainda que incipiente, promove uma série de novas perspectivas filosóficas, culturais e sociais e, por conseguinte, uma nova perspectiva de análise e de conduta ante as tão desiguais igualdades vigentes.
No escopo da Filosofia Espírita, com foco nas relações interexistenciais, os Espíritos Luminares abordam, ao longo de diversos capítulos de “O livro dos Espíritos”, o conceito de igualdade em oportunas questões elaboradas pelo Professor Rivail e, por ele, analisadas sob o crivo da ração e da concordância universal.
Na terceira parte – As Leis Morais – se enfoca, mais especificamente, a Lei da Igualdade, que guarda similitude com o conceito aristotélico, porém exemplificando-o, traz a igualdade ao mundo material na demonstração das causas e dos efeitos. Então, os seres, embora iguais, desiguais são em aptidões e em graus de desenvolvimento, posto que alguns, melhor e mais celeremente, assimilam as experiências e evoluem tanto física quanto intelectualmente, enquanto outros se demoram. Estes, então, hão de serem solidários, mesmo em condições adversas ou mundos diversos, já que na senda do progresso não há retrogradação.
Exemplificam Kardec e os Espíritos Superiores que a desigualdade – essa chaga social, obra do orgulho e egoísmo do ser humano – paulatinamente deixará de existir. No entanto, a desigualdade de mérito ainda permanecerá, porque ela decorre da liberdade (das escolhas e das condutas) e é o concurso evolutivo, observando-se os que avançam e são mais felizes, em relação à própria infelicidade, acaba resultando no crucial fator de desenvolvimento de dada sociedade em dado mundo e, à frente, em termos globais, ao contexto planetário como um todo.
Em uma pontual resposta, sita no item 806a, de “O livro dos Espíritos”, tem-se a diretriz: “[…] Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão somente a desigualdade do mérito. Chegará um dia em que os membros da grande família dos filhos de Deus não mais se olharão como de sangue mais ou menos puro, pois somente o Espírito”.
A desigualdade de mérito, com efeito, merece uma análise à parte no contexto, pois se meritória é a igualdade pela depuração moral e pela progressividade espiritual, as condições reais do ser humano perante a sociedade, não o são. Assim, existem, na vivência material, uma infinidade de variantes sociais cruéis e excludentes, em função das provas ou das expiações, nos quais o elemento de escolha prévia e, também, da liberdade de decisão do ser encarnado devem ser cotejados. Todavia, faz-se necessária a atuação solidária do verdadeiro espírita, de modo consciencioso, intervindo junto aos menos favorecidos e intentando a justiça social possível, firmando a equidade como instrumento necessário, por meio de políticas ou movimentos sociais.
Não é outra senão a diretriz apresentada pelo próprio Kardec, na “Revue Spirite”, de agosto de 1865, quando elenca a principiologia aplicável aos fatos e atos em que se enfrenta a desigualdade: “Pela lei da pluralidade das existências, abre um novo campo à Filosofia; o homem sabe de onde vem, para onde vai, com que objetivo está na Terra. Explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias leis da Natureza como base dos princípios de solidariedade universal, de fraternidade, de igualdade e de liberdade, que se assentavam apenas na teoria. Enfim, lança luz sobre as questões mais árduas da Metafísica, da Psicologia e da Moral” (“O que ensina o Espiritismo”, item 5º).
Ainda que o mesmo progresso moral pareça tardio ou relativo, posto a, ainda, difícil aplicabilidade no mundo físico, para além da limitante visão que há entre igualdade e desigualdade, necessário se torna, reiteramos, abolir a inércia existente no meio espírita, que se materializa no atendimento passivo aos necessitados, para, além disto, trazer ao próximo a verdadeira expressão da caridade que é o amor em ação, transcendental e infinito.