Convivência

Tempo de leitura: 5 minutos

Os Quatro Atores da Convivência Grupal (virtual ou presencial)

Vivemos, definitivamente, tempos difíceis.

Insatisfações, protestos, desabafos, intransigências, personalismos, deseducação e ausência de mínimos padrões de ética e elegância nos relacionamentos interpessoais.

Se, no campo presencial, as pessoas têm embates que vão às vias de fato e importam em agressões verbais, psicológicas e até físicas, as redes sociais também alimentam uma epidemia de ódio generalizado.

Tanto que uma simples manifestação de opinião, que caracteriza o percurso da Humanidade até chegar a este terceiro milênio de nossa era e identifica não só os progressos culturais, tecnológicos e das ciências em geral, como é a marca do desenvolvimento intelectual e espiritual dos homens que se encontram encarnados – assim como a comunidade dos desencarnados que nos rodeia e que participa da vida neste orbe, por meio das relações que travam com os humanos – é motivo para apedrejamentos, linchamentos e atos de visível barbárie.

Ainda que, vez por outra, se vislumbrasse a paixão na defesa de dados pontos de vista, nos diálogos em ambientes sociais característicos como escolas, universidades, centros de cultura e associações – incluindo-se, aí, as chamadas agremiações religiosas ou filosóficas – o que poderia desembocar em posicionamentos mais ácidos ou ríspidos de parte a parte, o que se vê, hoje, muito mais virtualmente, é verdade, do que presencialmente, mas sem afastar a problemática nos “ambientes reais”, é a animosidade explícita e a incapacidade de aprender com o outro, suas vivências, experiências, exemplos e, é claro, a manifestação (expressa) do seu pensamento.

Não que este que vos escreve esteja em posição equidistante das “partes” envolvidas nos diálogos, debates e embates.

Longe disso.

Também nos encontramos inseridos em mídias sociais, em redes e sistemas virtuais, além das situações da vida convivial fora do espaço cibernético.

Não somos nenhum sociólogo ou cientista social, nem jornalista observador de eventos ou fatos, para tecer diagnoses e conclusões, ou construir teses.

No dia a dia, igualmente nos vemos diante da expressão do pensamento (próprio ou alheio), e da ambiência do contraditório, quando o outro também, pelo mesmo princípio de liberdade de expressão, manifesta seus sentimentos e ideologias.

E, assim, podemos ser bombeiros ou incendiários, afetos ou desafetos, equilibrados ou violentos, compreensivos ou despóticos, em diversas situações do cotidiano da virtualidade, ou, como também ocorre, dos cenários dos ambientes existenciais, sem recursos da tecnologia.

Como é que você, usualmente, se comporta?

Na defensiva ou na ofensiva?

Expressa-se pelo prazer da dialógica, da maiêutica e da simbiose proativa e produtiva?

Ou prefere a simples contestação e a demonstração de (discutível) sabedoria sobre este ou aquele tema?

Adota o posicionamento conciliatório, para desfrutar da oportunidade de inter-relação, onde outros prismas diferentes do seu serão conjugados, ou prefere a intransigente declaração do ponto final de uma discussão, usando das armas e ferramentas que sejam de sua especialidade: a verve fácil, a ironia pronunciada, o sarcasmo que impõe o vexatório, a dúvida de argumentos-satélites, ou, até, o descredenciamento ou desqualificação seja do interlocutor seja das ideias ou argumentos por ele apresentados?

É instante de reflexão, de introspecção e de autoconhecimento, convenhamos.

Oportunidade de rever trajetos, comportamentos, atitudes e crenças (por que não?), ainda que estas nada tenham a ver com dogmas religiosos.

Agostinho de Hipona, reconhecido um dos maiores pensadores da Idade Antiga, na Grécia Socrática, expoente filosófico, além das lições que deixou enquanto personagem vivo, pôde se manifestar na obra primeva de Allan Kardec, recomendando a (profunda) reflexão, ao final de cada dia, no travesseiro da própria consciência, para projetar o(s) dia(s) vindouro(s), seja pelo investimento pessoal e dedicação ao cultivo de virtudes (existentes ou novas, hauridas pela experiência do somatório dos dias), assim como na superação de vícios (não os que hodiernamente são “combatidos”, porquanto ligados à saúde e à expressão física exterior, também deletérios, em grande parte, mas aos íntimos, os de postura comportamental e de aplicabilidade aos relacionamentos humanos).

Há pessoas que são belicosas por natureza.

Adoram provocar e ficam à espreita da polêmica para extravasar certos sentimentos ainda inferiores.

Tais acabam sendo “perigosas” para a convivência coletiva, porquanto provocam a animosidade ou a cultuam, mesmo já asserenados os ânimos da discussão vencida (mas sem vencedores, porquanto o aprendizado deva ser compartilhado por todos os partícipes).

Em relação a essas, o recomendável é ter serenidade para explicitar as ocorrências e balizar-lhes as atitudes, para que, no adágio popular, não se perca o cesto de laranjas pela ascendência de um exemplar que amplifique problemas (insolúveis).

Em paralelo, há os que não se distanciam dos embates, por natureza íntima e repetida, os que gostam das situações de oposição de ideias, em elegia à busca da verdade (ainda que essa seja, como em todas as coisas da caminhada, efêmera e fugidia, posto que possa ser, já à frente, superada ou suplantada, perdendo a relevância e o caráter de definitividade), e que, de outra sorte, procuram o ambiente dialogal para exercitar o seu poder individual de convencimento do(s) outro(s).

Há, ainda, os que são pacificadores, que têm poesia na fala e música no trato com os demais, e estes não precisam estar sempre em visível manifestação, já que é comum que eles atuem, também, nos “bastidores”, procurando particularmente conversar, de forma amistosa, e pedir que sejam observadas regras e que seja possível observar outros pontos de vista, diferentes do seu.

Ademais, existem os expectadores, que raramente (ou nunca) se pronunciam, e que parecem – ainda que a definição não se aplique a todos – estar aguardando o “circo pegar fogo” para observar, de longe, mas atentamente, as agruras e os percalços do ambiente, podendo, inclusive, comentar em particular com outros, do sistema ou não, acerca do que julgam em relação a atitudes alheias.

Em qual dos grupos você, costumeiramente, está inserido? Em que posição você atua? Que conforto ou satisfação experimenta sendo expoente de um desses subsistemas? Dependendo da temática e da existência ou não de conflitos, você percebe sua migração de um para outro grupo? Como é a constância das situações em que você está inserido e se é possível verificar mutações qualitativas e aprendizados em suas atitudes e participações?

Tudo isto merece alguns minutos de sua concentração – ou minha – e esta deve ser buscada e repetida inúmeras vezes.

Há os que preferem, ao primeiro sinal de fumaça, abandonarem a convivência, a rede, a instituição, o trabalho, a associação, em face da manutenção do seu conforto. Há os que diminuem a constância, para não serem “contaminados” com algumas posturas mais incisivas e, por vezes, violentas. E há os que entendem possível contribuir para a melhora das ambiências, aproveitando situações para trazer exemplos reais, suscitar orientações e conselhos úteis, ou promover a concórdia e o ajuste entre os que estiveram em ocorrências mais agudas de desentendimento.

Lembrando o Sublime Carpinteiro que exortou acerca da utilidade do sal nos alimentos e preconizou a impertinência da água parada e doentia, assim como da temperatura morna, quando deveria ser quente ou fria, conforme a pertinência de seu proveito, é necessário que sejamos artífices, personagens e atores dos contextos onde somos. E não coadjuvantes mudos e amorfos ou partes do cenário.

As convivências (presenciais e virtuais) precisam de pessoas que se disponham a construir, propondo alternativas, discutindo teses e antíteses em busca de sínteses proveitosas, ainda que estas possam dar lugar, adiante, à confrontação pacífica entre novas teses e antíteses, em claro processo de renovação das ideias.

Será que você pode ser considerado, então, um construtor?

Ou sua opção é, apenas, pela destruição, sem o compromisso de reconstrução, subsequente?

O momento transformador de nossa existência pressupõe compromisso, vontade e atitude. E eu tenho certeza que você pode atuar, ao invés de ser um mero expectador ou alguém que simplesmente resolveu desistir. Não é?

Avatar

Written by 

Natural do Rio de Janeiro (RJ) e radicado há muitos anos em Florianópolis (SC), Marcelo Henrique se tornou espírita em 1981, vindo do catolicismo. É Secretário Executivo da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE) e presidente da Associação dos Divulgadores do Espiritismo de Santa Catarina (ADE-SC), assim como do Centro Cultural Espírita Herculano Pires, em São José (SC). Também é delegado da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA), associado da Associação Brasileira de Amigos e Delegados da CEPA (CEPA-Brasil), do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CP-Doc) e da Associação de Estudos e Pesquisas Espíritas da Paraíba (ASSEPE). Atua, ainda, como representante da ABRADE, no Fórum das Entidades Especializadas de Âmbito Nacional, junto à Federação Espírita Brasileira. É Editor-Chefe da Revista Espírita HARMONIA, um periódico eletrônico e, como escritor e articulista, tem artigos e pesquisas em diversos sites, assim como é autor de "Túnel de Relacionamentos" (Ed. EME) e "Alteridade: a diferença que soma" (Ed. INEDE).

One thought on “Convivência

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.