Como seguimos o Cristo?, por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Tempo de leitura: 3 minutos

Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

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Ao ouvir que o Espiritismo é cristão, faz-se mais do que necessário identificar a que Cristianismo a afirmação está se referindo. O binômio Espiritismo-Cristianismo precisa ser coerente, fazer sentido.

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Antes de mais nada, é preciso contextualizar de que Cristo estamos falando. Não se trata do “mito cristão”, com todos os contornos das igrejas que foram idealizadas pelos homens em torno do seu nome ou de seus feitos, atribuindo-lhes explicações sobrenaturais e místicas. Trata-se de Yeshua, o homem, espírito encarnado que renasceu (reencarnou) como nós, para uma existência de provas, expiações e missões. Somente neste sentido podemos entender a adoção do nome “Cristo” por Allan Kardec.

Allan Kardec, em “O evangelho segundo o Espiritismo”, procura trazer uma obra que faça o diálogo das máximas morais do Cristo com o novo paradigma trazido pelo Espiritismo, mostrando a relação desse novo mundo com o que se tinha no Cristianismo em relação aos seus aspectos mais universalizantes.

Ao ouvir dizer por aí que o Espiritismo é cristão, uma sentença coerente, respeitada a premissa inicial, cabe a pergunta decorrente: a que viés se refere o uso da expressão Cristianismo? Kardec, na obra citada, tem muito cuidado em relacionar o Espiritismo a um “Cristianismo-raiz”, na sua essência, resumido sem reducionismos à ideia de amor ao próximo.

Cabe recordar que a Idade Média presenciou as cruzadas, uma guerra sangrenta em nome do Cristo, utilizando-se da religião como subterfúgio para a ocupação de terras, na busca de interesses econômicos e geopolíticos. A fé no Cristo impulsionou muitos a sair de suas casas para combater o inimigo muçulmano.

Também mais à frente na história, nos tribunais da inquisição, na busca de combater inimigos, mais uma vez o nome do Cristo foi utilizado para torturar, destruindo famílias e vidas, em uma sanha persecutória que se expandiu não só pela Europa, mas também pelas américas colonizadas, destruindo tudo que não fosse coerente com o padrão imposto.

O fenômeno da escravidão também recebeu a bênção dos seguidores do Cristo que, com malabarismos filosóficos, de afirmações de seres sem alma ou que não fossem filhos de Deus, legitimaram a dominação do homem pelo homem, repetindo as crueldades da tortura e da opressão.

Outros eventos lamentáveis da História se fizeram com a bênção e a participação de indivíduos que ostentavam símbolos e palavras que remetiam a figura de Jesus. Hoje, ainda desfilam cenas inimagináveis nas quais as ideias do Cristo, a sua essência, são deturpadas ao limite, na busca de acomodar toda ordem de interesse político e econômico.

Ao ouvir que o Espiritismo é cristão, faz-se mais do que necessário identificar a que Cristianismo a afirmação está se referindo. O binômio Espiritismo-Cristianismo precisa ser coerente, fazer sentido. Não pode, portanto, o sentido atribuído por muitos à mensagem do Cristo, de legitimação de ódio e violência, ser o que se encaixa no Espiritismo. Não por outra razão Kardec escreveu uma obra que fazia esse diálogo, para que não se use retalho de pano novo em roupa velha.

O Espiritismo traz em si ideias revolucionárias, de múltiplas existências, da possibilidade de se comunicar com o mundo espiritual. Visões que mudam a forma de interpretar a realidade, inclusive em relação às questões trazidas pela mensagem do Cristo, fazendo luz sobre esses fatos e palavras. O Espiritismo é, por isso, a lupa para ressignificar alguns aspectos do Cristianismo.

Mas, se o caminho é o inverso, e as vicissitudes interpretativas do Cristianismo ao longo dos séculos contaminam o Espiritismo, mexendo na sua essência, a coerência se perde, sendo apenas a repetição de modelos que não cabem mais no mundo atual, distantes da essência da mensagem do meigo nazareno.

O Espiritismo não é cristão por que pretende se agregar a maioria, mas por que, como indica Kardec em “O evangelho segundo o Espiritismo”, existem ideais convergentes, e o Espiritismo vem reforçar aspectos essenciais trazidos pelo conhecimento evangélico e, assim, a pergunta-título deste artigo se dirige a nós, tanto como ao “como” quanto ao “quem”.

Uma lição complexa, e que em muitos casos ainda temos dificuldades de captar. Mas, chegaremos lá!

 

Imagem de Pexels por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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