Vivendo sem viver: as tragédias e suas lições!, por Maria Cristina Rivé e Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 5 minutos

Maria Cristina Rivé e Marcelo Henrique

Na imagem, Rio de Janeiro (RJ), 09/05/2024 – Doações para serem enviadas ao Rio Grande do Sul chegam na Base Aérea do Galeão, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

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Não queremos ver, apenas nas tragédias, a solidariedade, pelo fato de não desejarmos as tragédias. A solidariedade é bem-vinda, sim, sobretudo aos “mais pequeninos”, que perderam tudo, materialmente falando… Queremos, pois, outra solidariedade: a que possa libertar os indivíduos, não outra como caminho para a continuidade das escravidões contemporâneas.

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O Rio Grande do Sul é uma terra de guerreiros e revolucionários contra as injustiças sociais, as ditaduras e os desrespeitos pelos direitos humanos (desde uma época em que, ainda, não havia este conceito). Povo “aguerrido e forte”, repleto de “prendas” faceiras e “peões” destemidos. Essa terra é linda!

Berço de um dos maiores ambientalistas brasileiros, com influência mundial, José Lutzenberger, nascido na capital gaúcha, quando o planeta ganhou um grande personagem, uma criatura ímpar. Nos (ainda) incipientes estudos acerca da ecologia – estudo da Terra – ele se destacou. Ao prever a necessidade do cuidado com o meio ambiente, ele não o faz como se tivesse uma “bola de cristal”, ou recebesse informes de “entidades sobrenaturais” sobre o que viria a acontecer. Não! Lutzenberger estudou e, ao cursar Agronomia, observou o mundo e levantou bandeiras.

Em um tempo onde não havia preocupação nem com a fauna nem com a flora o ecologista levantou a voz e explicou a necessidade de entender o lugar onde vivemos. Generosidade era a sua palavra de ordem! Tudo o que conhecia e sabia ele compartilhava; como uma flor ele desabrochou na forma de olhar para o local onde vivemos, com o cuidado da Terra pois, como nós, ele também faz parte da Criação. O ambientalista alertou, pois, e sucessivamente… Como um comunicador por excelência, ele nos ofertou os primeiros passos para o cuidado com o meio ambiente, em sua percepção acurada.

O Rio Grande do Sul já teve uma Grande Enchente. Foi em 1941. Não há quem ao frequentar as salas de aula nos Pampas, não tenha estudado. Tudo ficou na história e, inclusive, o aprendizado governamental, social, coletivo. Não aprendemos a lição! O Planeta segue em um momento decisivo, pois precisamos escolher qual o futuro que desejamos e teremos; para isso é preciso somar esforços e construir uma sociedade sustentável. Nela, é preciso dar importância aos povos originários, aos pequenos agricultores, aos pequenos pecuaristas, às cooperativas, à integração entre os habitantes das cidades, num esforço e num consenso mútuo de preservação. A nossa energia a ser utilizada, necessária e essencial, precisa ser limpa, aproveitando os inúmeros recursos que a Natureza nos legou. A nossa alimentação precisa ser repensada, em termos do respeito à natureza e aos direitos humanos.

Para tanto, faz-se necessário a ambiência da justiça social, da cultura da paz, da solidariedade, em especial, da fraternidade, aquela definida por Kardec (“Obras Póstumas”) como devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência… Ou seja, uma renovação: a Mudança de Mentalidade bem explicitada pelo Professor francês, mas nada entendida pelos Espíritas, os de ontem e os de hoje, com raras exceções.

É imperioso mudar a forma de viver, limitando muitas de nossas necessidades desnecessárias. Ao invés do fictício lugar das obras mediúnicas, o “Nosso Lar” é esse Planeta Azul que, como nós, progride… Nele, tudo cresce e tudo vibra! A capacidade de recuperação do nosso mundo, sabemos, é imensurável, pois vemos a Natureza, os animais, os vegetais, todos os dias lutando, se adaptando, procurando sobreviver. Todavia, infelizmente, nós, os “seres inteligentes da Criação”, não lhe damos na maioria das vezes esse tempo de recuperação, porque não preservamos sua biosfera. Destaque-se que não é apenas a produção agropastoril, a industrial e a de serviços, como também o consumo devastam o meio ambiente. E, como se não bastasse, os dilemas econômicos seguem como sérias ameaças à vida plena, pois há os poucos que se beneficiam dessa riqueza, gerando pobreza extrema, sofrimento e exclusão da maioria da população, reproduzindo a ignorância.

O que vemos, então, no Rio Grande do Sul neste maio de 2024? A consequência do afrouxamento das Normas Ambientais, como da fiscalização governamental. Tudo fruto de um negacionismo climático – que acompanha outros negacionismos, como o da saúde (vacinas), vivido há não muito tempo. Este pensamento esdrúxulo e tacanho, além de hediondo e injustificável, apregoa não haver aquecimento global nem os problemas dele decorrentes, como o degelo dos polos, o aumento do nível das mares, as ocorrências atmosféricas e climáticas que provocam desastres ambientais, ano a ano. Reflexo direto do negacionismo neoliberal, que visa o lucro desenfreado, que patrocina políticos (governantes e legisladores) para a mudança de leis e condutas de rechaço aos que poluem e destroem nossas reservas ambientais. E, ainda, as grandes empresas, dotadas de megaestruturas e inalcançáveis finanças, igualmente não contribuem em nada para o investimento seja em medidas preventivas, seja em ações de recuperação ambiental e proteção do que nos resta, enquanto humanidade planetária. Políticas, públicas e privadas, capazes de amenizar os efeitos de séculos de tanta devastação.

O bioma gaúcho foi destruído por uma política semelhante ao “plantation”, aquele sistema de produção agrícola implantado pelas grandes nações europeias (entre os Séculos XV e XIX) nas colônias que possuíam na América, na África e na Ásia. Grandes latifúndios de monoculturas, com trabalhadores escravizados (ou em condições similares à exploração escravagista, já que a estrutura social de dominação ficava centrada no proprietário do latifúndio, o “senhor”, que exercia total controle sobre os humanos sob sua alçada), voltado exclusivamente ao atendimento de interesses do mercado exportador.

Vivemos hoje, um quantitativo de mortes e um cenário destruições, dores, sofrimentos e fome, muita fome, que decorre diretamente não só do modelo vigente na época sublinhada, como nas suas releituras da atualidade, com famílias dependendo dos “senhores” empresários para meramente sobreviverem. E o que se escuta, diariamente, daqueles que se arvoram no direito de julgamento é:  “Não se deve politizar” a população…

Ora, senhoras e senhores! Devemos POLITIZAR, SIM! É tudo fruto da política, das decisões governamentais, do poder do dinheiro! Não somente dos atuais governantes gaúchos que, de forma medíocre, privatizaram uma então grande estatal por míseros cem mil reais e outra por quase nada!

Nestas tragédias anunciadas a tempo, há os que desejam responsabilizar apenas os que estão em outras frentes político-partidárias, em oposição aos poderes locais, especialmente o Governo Federal. Num cenário real – e não o de fakenews e matérias compradas nas mídias, a estrutura federal está disponibilizando recursos e forças para o atendimento dos desabrigados e a futura reconstrução do Estado. Mas há os que aproveitam o “momento” para fazer demagogia e propaganda política para si e seus futuros candidatos na eleição federal de 2026.

Não queremos ver apenas nas tragédias, a solidariedade, pelo fato de não desejarmos as tragédias. A solidariedade é bem-vinda, sim, sobretudo aos “mais pequeninos”, que perderam tudo, materialmente falando, e estão expostas à própria sorte – e aos perigosos efeitos na saúde e no saneamento público, quando as águas baixarem. Doenças, epidemias, novas mortes… Queremos, pois, outra solidariedade: a que possa libertar os indivíduos, não outra como caminho para a continuidade das escravidões contemporâneas.

Então, novamente, lembremos Kardec, na obra já citada: a liberdade, a fraternidade e a solidariedade são solidárias entre si. É preciso que as três estejam presentes para o verdadeiro florescimento humano. Sem as três continuaremos amarrados e vendados. Vivendo sem viver!

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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