Adulterações e os frutos da ignorância e do beatismo, por Manoel Fernandes Neto e Claudia Jerônimo

Tempo de leitura: 4 minutos

Manoel Fernandes Neto e Claudia Jerônimo

Manter viva uma descoberta é obrigação de pesquisadores e historiadores. Nos tempos atuais, desprezar práticas de estudo, saberes e conquistas da história, empurram verdades inconvenientes para o abismo do esquecimento. Algo tentador para mentes insanas que habitam o movimento espírita, mesmo que contraproducentes em relação à essência da doutrina.

As adulterações realizadas em “A Gênese”, e também em “O Céu e o Inferno”, são esses exemplos basilares que clamam a necessidade de serem revisitados e esmiuçados temas e contextos, assim como efeitos, incessantemente.

Os abutres da negação sobrevoam as sólidas comprovações sobre algo que incomoda o status quo, o poder constituído.

Fato: ainda encontramos quem negue a existência de adulterações nas obras da Codificação Espírita, mesmo com montanhas de evidências e provas. Modificar narrativas ad nauseam transformou-se em especialidade de alguns grupos que insistem no caráter religioso e messiânico do Espiritismo.

Mais uma vez, a revista Harmonia se debruça sobre o assunto, acompanhe:

Para abrir a edição, Marcelo Henrique, em seu elucidativo texto “Como os adulteradores aproveitaram a revisão inacabada de ‘A Gênese’ e ‘O Céu e o Inferno’” – AG e OCEOI, em abreviaturas para a compreensão de nossos textos –, reflete que falar de adulterações perpassa compreender os meandros jurídicos do Direito Autoral, desde os primórdios de Kardec até os dias de hoje. O pesquisador e editor da Revista Harmonia revela truques e trapaças dos adulteradores; traz documento que – até aqui – sepultam a estapafúrdia ideia de que Allan Kardec teria feito a quinta edição, de modo completo, como ela se apresenta (e foi difundida entre os espíritas pelo mundo inteiro). Em um material com imagens digitalizadas de documentos verdadeiros, Marcelo demonstra que o mestre de Lion declarou abandonar os projetos de revisão de AG e OCEOI por causa de seu estado grave de saúde, ficando apenas concentrado na Revista Espírita. E agora, senhoras e senhores?

Paulo Henrique de Figueiredo, no texto “Entre o legítimo e o ilegítimo”, refaz toda a origem e o trajeto da pesquisa de Simoni Privato Goidanich, que resultou no livro “O legado de Allan Kardec”. Na obra, Privato demonstra a adulteração de “A Gênese”, quando buscou e encontrou provas jurídicas, documentos registrados na Biblioteca Nacional da França, que comprovaram a adulteração na quinta edição, mostrando que “são legítimas apenas as quatro primeiras, idênticas, publicadas exatamente como o autor as concebeu”. Basta, então, de livros e teses ilegítimas, é o que dizemos e conclamamos a todos a dizerem.

Em “Novos Ares para o Espiritismo”, Lucas Sampaio fala das ameaças que sofreu (e sofre) a doutrina após a desencarnação de Kardec. Classifica como “um grave desvio de rota levou à desfiguração e no desvirtuamento da Doutrina e do movimento espírita”. Chama de “grande impulso” a denúncia da adulteração, no trabalho dos pesquisadores. Conclama, ainda, a “atual geração de espíritas a integrar esse irresistível movimento progressivo para revisitar e ressignificar antigos conceitos e levantar ainda mais alto a bandeira do Espiritismo, para que todos possam avistá-la e seguir sua mensagem libertadora!”. Que a levantemos, pois!

Marco Milani, no texto “Inconsistências doutrinárias no Capítulo XVIII de ‘A Gênese’” mostra ponto a ponto as adulterações de “A Gênese”, apontando a diferença clara do texto “mexido”, em relação à obra original de Kardec. Milani, magistralmente, destaca a incongruência das modificações. Ele diz: “Justamente por ser a obra que, segundo Kardec, necessitava ser lançada somente após o devido desenvolvimento dos princípios apresentados nas obras anteriores, em momento de maturidade dos próprios espíritas, não se poderia admitir contradição com esses princípios”. Então, quem está maduro para perceber tais inconsistências, sem pestanejar?

Nesta edição, também, abrimos espaço para um artigo histórico: a indignação de Gélio Lacerda da Silva (in memoriam). O texto “O traidor da Doutrina Espírita” foi enviado por carta e publicado em alguns periódicos espíritas, no final da década de 1990, inclusive na edição impressa da Revista Espírita Harmonia. Vale perceber o quanto esperamos para termos conhecimento de conteúdo tão esclarecedor sobre Roustaing e o prejuízo de suas ideias ao Espiritismo. Mas ainda é atual o alerta de Gélio: “se o plano espiritual se preocupou com a preservação dos documentos de Kardec, incluídas as referidas cartas, não foi para que elas permanecessem desconhecidas do público espírita”. Nisto, cabe a solene e necessária pergunta: além de conhecer o conteúdo das cartas, é preciso, de forma isenta e desapaixonada, compreender-lhes o conteúdo, sem falsidades!

Para encerrar a edição, no texto “Serão os documentos novos sobre Kardec lançados no jarro de barro, como os evangelhos apócrifos?”, Wilson Garcia compara de forma provocativa os evangelhos apócrifos de Nag Hammadi, escondidos por mais de 1500 anos, às Cartas de Kardec, as quais, hoje divulgadas, trazem verdades inconvenientes para alguns, como no caso da adulteração da “A Gênese”. Ambos os escritos, para Wilson, “viajaram por caminhos tortuosos e passaram por situações de perigo, chegando ao ponto de estarem ameaçados de ir para o fundo do cofre, impedidas para sempre de serem tornadas públicas, como deveria ocorrer”. Uma analogia primorosa que vale a leitura.

Para encerrar, lembramos de Herculano Pires, no livro na Hora do Testemunho, que também empresta o título para este Editorial:

“A maioria dos espíritas não estuda a sua doutrina e se entrega a um beatismo igrejeiro. Os cursos doutrinários ministrados pela Federação e outras instituições são orientados por obras escritas por pessoas que pretendem superar Kardec e misturam ideias pessoais de elementos de variadas correntes espiritualistas. O beatismo, elemento residual de nossa formação religiosa nacional, não é combatido, mas estimulado por esses cursos sincréticos. A incompreensão da natureza especificamente científica e cultural do Espiritismo é alarmante. O religiosismo popular, o interesse pelo sobrenatural, o apelo à emoção ao invés do estímulo à razão nas palestras e pregações asfixiam os elementos culturais no meio espírita. A pretensão a mestres e orientadores estufa a vaidade daqueles que pretendem assumir posições de liderança. A vaidade dos líderes afasta-os do estudo sério e humilde da Doutrina”.

A Revista Harmonia, então, mais uma vez, cumpre o seu papel: não passarão!

Boa leitura.

Imagem de Cdd20 do Pixabay

Artigos da edição

Como os adulteradores aproveitaram a revisão inacabada de “A Gênese” e “O Céu e o Inferno”, por Marcelo Henrique

Entre o legítimo e o ilegítimo, por Paulo Henrique de Figueiredo

Novos Ares para o Espiritismo, por Lucas Sampaio

Inconsistências doutrinárias no Capítulo XVIII de “A Gênese”, por Marco Milani

O traidor da Doutrina Espírita, por Gélio Lacerda da Silva (in memoriam)

Serão os documentos novos sobre Kardec lançados no jarro de barro, como os evangelhos apócrifos?, por Wilson Garcia

 

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