Existe no Homem um Princípio Espiritual?: Uma Reflexão à Luz da Obra “A Loucura sob Novo Prisma”, de Bezerra de Menezes, por Leonardo Paixão

Tempo de leitura: 5 minutos

Leonardo Paixão

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A existência de um princípio espiritual no homem não é apenas uma crença religiosa: é uma hipótese ontológica, filosófica e clínica com grande poder explicativo. Negar o espírito é amputar a complexidade humana, reduzindo a consciência a um epifenômeno material.

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Introdução

A questão acerca da existência de um princípio espiritual no ser humano perpassa toda a história do pensamento ocidental. Entre o logos filosófico grego, as tradições religiosas e os avanços da ciência moderna, essa indagação se revela central para compreender a natureza humana, suas enfermidades e seu destino. Em “A Loucura sob Novo Prisma”, Adolfo Bezerra de Menezes oferece uma leitura ousada e profunda, que propõe uma reinterpretação da loucura sob a ótica espírita, ao mesmo tempo em que denuncia os limites do reducionismo materialista na medicina mental.

Neste artigo, com base no Capítulo I da obra, analisamos os fundamentos espirituais da consciência humana, explorando dimensões ontológicas, clínicas e doutrinárias do ser, à luz do pensamento espírita e da filosofia da mente.

  1. A Ontologia do Espírito: Entre a Filosofia e a Revelação

A pergunta “existe no homem um princípio espiritual?” é, antes de tudo, uma indagação ontológica. O que é o ser humano em sua essência? Para os antigos filósofos gregos, como Platão, o corpo era apenas uma prisão temporária da alma, cuja origem transcendia o mundo sensível. Aristóteles, embora mais imanentista, reconhecia uma alma como princípio de vida e intelecção.

No pensamento moderno, René Descartes divide substancialmente o ser em duas naturezas: a res extensa (corpo) e a “res cogitans” (mente ou alma). A subjetividade consciente é, assim, irredutível à matéria. Ainda que tal dualismo cartesiano tenha sido criticado ao longo do tempo, a experiência direta do pensamento e da consciência aponta para algo que não se reduz à estrutura cerebral.

O Espiritismo, por sua vez, sintetiza essas tradições ao afirmar que o espírito é o princípio inteligente do ser humano, anterior e superior ao corpo físico. 

Bezerra de Menezes apoia-se nessa concepção ao afirmar que a inteligência humana não pode emergir espontaneamente da matéria. O espírito é a sede da razão, da moral e da identidade pessoal.

  1. Ciência, Espiritualismo e Evidências Empíricas

Ao apresentar sua tese, Bezerra dialoga com importantes pesquisadores espiritualistas do século XIX. William Crookes, respeitado físico britânico, conduziu experimentos com médiuns sob rigorosas condições, concluindo que a inteligência manifestada nos fenômenos era de origem extrafísica. Cesare Lombroso, inicialmente cético, rendeu-se às evidências após observar manifestações mediúnicas com a médium Eusápia Paladino.

Esses relatos – longe de serem apenas anedóticos – foram documentados em periódicos científicos e constituíram um movimento real de interseção entre ciência e espiritualidade. Embora a ciência atual muitas vezes descarte tais experiências por não se adequarem aos seus paradigmas naturalistas, elas continuam a ser uma provocação epistemológica diante da complexidade da consciência.

O Espiritismo não nega a ciência, mas a amplia. Como observa Kardec, “o Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos e de suas relações com o mundo corporal”.

III. Loucura, Psiquiatria e o Reducionismo Materialista

Bezerra denuncia o erro metodológico de confundir o cérebro com a mente. Embora o cérebro seja o órgão de manifestação da consciência, ele não a produz. Quando os médicos da época diagnosticavam a loucura exclusivamente como lesão cerebral, desconsideravam a possibilidade de que distúrbios psíquicos pudessem ter origem espiritual, moral ou mesmo obsessiva.

Essa crítica permanece atual. A psiquiatria contemporânea, em muitos casos, continua a tratar os transtornos mentais com base quase exclusiva em fármacos e modelos neuroquímicos, ignorando a subjetividade do paciente e sua dimensão espiritual. Isso gera, muitas vezes, um tratamento sintomático e não transformador.

A loucura, segundo Bezerra, pode advir tanto de lesões orgânicas quanto de causas espirituais. Ele distingue entre loucura por perturbação cerebral e loucura moral — esta última relacionada a paixões desenfreadas, desequilíbrios do caráter e, sobretudo, influências espirituais obsessivas.

  1. A Obsessão como Etiologia Espiritual do Sofrimento Psíquico

No contexto espírita, a obsessão é uma das causas principais de perturbações mentais. Trata-se da influência persistente de um espírito desencarnado sobre um encarnado, podendo gerar desde ideias fixas até desorganizações mais graves da consciência. Kardec define obsessão como:

“O domínio que alguns Espíritos podem adquirir sobre certas pessoas. Jamais se dá sem o concurso da vontade, seja por fraqueza moral, seja por desejo do mal” (“O livro dos Médiuns”, Cap. XXIII – Da Obsessão).

Bezerra compreende que muitos pacientes considerados “loucos” pela medicina materialista, na verdade, estão sob ação obsessiva. Essa influência não se trata de alucinação endógena, mas de um intercâmbio real e patológico entre o desencarnado e o encarnado, estabelecido por sintonia fluídica e moral.

  1. Perispírito e Terapêutica Integral

O perispírito – corpo semimaterial que liga o espírito ao corpo físico – desempenha papel central nesse processo. As lesões e impressões perispirituais podem repercutir no corpo físico ou gerar distúrbios funcionais sem causa anatômica visível. Por isso, tratar o corpo sem tratar o espírito e seu envoltório intermediário é tratar apenas metade da doença.

Bezerra defende uma terapêutica integral, que inclui:

– Preces e passes magnéticos;

– Transformação moral;

– Desobsessão;

– Acompanhamento médico, quando necessário;

– Apoio fraterno e escuta compassiva.

Esse modelo biopsicoespiritual é o que se poderia chamar de uma medicina da alma, capaz de restaurar não apenas o equilíbrio neuroquímico, mas o sentido da existência.

Conclusão

A existência de um princípio espiritual no homem não é apenas uma crença religiosa: é uma hipótese ontológica, filosófica e clínica com grande poder explicativo. Negar o espírito é amputar a complexidade humana, reduzindo a consciência a um epifenômeno material. Bezerra de Menezes, com lucidez e coragem, nos mostra que é possível articular ciência e espiritualidade sem dogmatismos.

Ao resgatar a dimensão espiritual do ser humano, especialmente no campo da saúde mental, abrimos caminho para um cuidado mais profundo, humano e libertador. Que essa visão mais ampla do homem – corpo, mente e Espírito – inspire não apenas médicos, mas todos aqueles comprometidos com o bem-estar integral do ser.

Fontes:

Crookes, W. (1990). “Fatos Espíritas”. São Paulo: LAKE.

Delanne, G. (2009). “O Espiritismo Perante a Ciência”. Rio de Janeiro: Editora do Conhecimento.

Descartes, R. (2016). “Meditações Metafísicas”. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 

Kardec, A. (1998). “O livro dos Médiuns”: Guia dos médiuns e dos evocadores. Trad. José  Herculano Pires. 20. ed. São Paulo: LAKE.

Kardec, A. (2004). “O livro dos Espíritos”. Trad. José Herculano Pires. 64. ed. São Paulo: LAKE.

Lombroso, C. (1999). “Hipnotismo e Espiritismo”. São Paulo: LAKE.

Menezes, A. B. (2009) “A Loucura sob Novo Prisma”. 14. ed. Rio de Janeiro: FEB.

Moreira-Almeida, A.; Stroppa, A. L. P. (2012). Espiritualidade e saúde mental: o que as evidências mostram?. “Debates em Psiquiatria”, 6(2): 34-41.

Foto Wikipedia Bezerra de Menezes, em torno 50 anos

 

 


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5 thoughts on “Existe no Homem um Princípio Espiritual?: Uma Reflexão à Luz da Obra “A Loucura sob Novo Prisma”, de Bezerra de Menezes, por Leonardo Paixão

  1. Thank you very much!
    There is no certainty in the scientific field regarding the Spirit, however, research is ongoing and spirituality is already a common topic at universities and in the voices of doctors and psychologists, for example.
    Leonardo Paixão

  2. Parabéns pelo artigo, negar o espírito é reduzir o ser humano a uma caricatura de si mesmo. Quanto ao reducionismo materialista, penso ser evidente que tratar apenas o cérebro e ignorar a alma é como tentar salvar uma árvore cuidando das folhas, sem jamais tocar nas raízes.