Luiz Dantas (in memoriam)
O verdadeiro socialismo é aquele que pregou o Cristo, consubstanciado nas suas palavras, repassadas de uma doçura infinita. E o Espiritismo é o seu intermediário, o seu mediador, o que polariza para os nossos fracos sentidos a grande luz do seu Verbo.
Muita gente pensa que praticar Espiritismo consiste apenas em invocar Espíritos, em indagar de umas tantas coisas do Além.
Quanta gente por aí há que se diz espírita, somente porque não perde as reuniões de um Centro qualquer.
Quantos! O Espiritismo, para essa gente, é uma distração, um divertimento interessante e que não custa nada.
É uma espécie de cinema, ou de futebol. E quem quiser que diga alguma coisa. É um Deus nos acuda.
São espiritas legítimos e abnegados seguidores dos preceitos do mestre Kardec, tanto assim que não perdem uma sessão do Centro local.
Não compreendem que a doutrina codificada pelo grande Kardec não é, apenas, uma seita para certo número de iniciados. Não sabem do valor social do Espiritismo, do seu profundo sentido de humanidade.
Inovações inúteis, dirão.
Fazer Espiritismo, para esses, é coisa que não requer esforços. Pelo contrário: simples ocupação para as horas vadias.
E, depois, saem falando em pureza da doutrina e não sei o que mais. São os tabus da doutrina. Só eles sabem, porque vivem em intimidade com os Espíritos.
Fale-se, porém, numa obra de caridade, de assistência a crianças e velhos desamparados. Para que? O governo que o faça.
O papel deles se resume em mostrar como são as coisas, para aclarar os segredos do Além.
O resto, institutos de beneficência, escolas, são para a gente que governa.
Não. Para que o Espiritismo avance, para que tome um impulso mais forte, é preciso que os seus profitentes compreendam, antes de tudo, o sentido social da doutrina. Ser espírita não consiste apenas em evocar Espíritos.
Para ser-se espírita, é preciso que se lute muito, que se trabalhe muito. Vale transcrever, aqui, a frase celebre de um grande abolicionista: “Não temer, não recuar, não parar. Por serem ásperas, não devemos temer as urzes do caminho; não paremos para medir a distância percorrida; não recuemos diante dos empecilhos maiores”.
Para a frente! Este deve ser, sempre, o nosso brado de entusiasmo vibrante, de esperança numa vitória infalível, que nos acena de longe.
O Espiritismo não sairia do que era há 50 anos passados, se os seus adeptos se contentassem com a evocação dos Espíritos e com mensagens muita vez de duvidosa autenticidade.
O Espiritismo veio, sobretudo, para amparar, para erguer da lama os seres sem consciência dos seus altos destinos. Sei que sem provas, sem os fatos, sem os trabalhos experimentais, fora impossível o desenvolvimento em segurança da doutrina.
Mas, devo confessar que, fora do ambiente íntimo das sessões, há um campo mais vasto, e em abandono, à espera de quem o domine, de quem o cultive.
Abramos escolas, ensinemos às crianças a amar aos seus semelhantes, incutamos-lhe no Espírito o horror à guerra, o gosto pelo trabalho honesto, pelos deveres de humanidade. Façamos de cada uma das que surgem para a vida de tribulações, um justo, um bom, um forte. Escolas. Muitas escolas. Que todos os espiritas tomem a si o dever de ensinar a um seu semelhante. Vamos trabalhar.
Que todos os braços se ergam, num acordo mútuo. Deixemos de parte as lutas, os ódios, as pequenas rixas, que só acarretam embaraços na obra. de levantamento dos Espíritos. Há tanta criança por aí ao desamparo, sem alfabeto, impregnando-se de vícios. Quantos velhinhos à toa, esmolando da gente abastada um taco de pão.
Eles precisam de quem os ampare, são velhos e doentes. Abramos, pois, asilos. Somos, ainda, poucos. Poucos e fracos. Unamo-nos, porém, e a nossa força duplicará.
O mundo todo se agita, os homens lutam e se entredevoram. Façamos que isto cesse. Que as novas gerações não sintam as angústias que hoje experimentamos. Ensinemos-lhes como devem viver, com dignidade, com trabalho, com honra. O nosso mal é apenas o de incompreensão.
Capacitemo-nos dos nossos altos destinos. Porque gastar numa obra muitos dias, quando poderemos realizá-la num só? É preciso que todas as vozes se levantem, uníssonas, vibrantes, contra os horrores da guerra.
Já que os pretensos representantes de Deus na terra se esquecem das palavras do Cristo, impregnadas de doçura e de amor, elevemos nós, os humildes, os párias, a voz, gritemos para o mundo convulsionado a estupidez e a covardia dos maquinadores das chacinas, juntando o nosso protesto aos lamentos das crianças sem pais, das mulheres sem maridos, das velhas mães ao desamparo.
Ao Espiritismo cabe, sobretudo, o papel de educar as massas, de livrá-las do jugo da escravidão, da ignorância e do erro.
Abramos, pois, uma cruzada pela reeducação dos sentimentos humanitários entre os homens.
Ensinemos às crianças a amar ao trabalho e a odiar a guerra. Herói não é o que mata; herói é aquele que se sacrifica por um ideal de justiça, são os que amparam, os que educam, os que guiam.
É preciso que os espiritas compreendam o profundo sentido social do Espiritismo. Ele é o Consolador que veio para apaziguar os ânimos agitados, a luz rutilante em meio das trevas da ignorância humana, a nos advertir dos perigos do mar encapelado.
O verdadeiro socialismo é aquele que pregou o Cristo, consubstanciado nas suas palavras, repassadas de uma doçura infinita.
E o Espiritismo é o seu intermediário, o seu mediador, o que polariza para os nossos fracos sentidos a grande luz do seu Verbo.
Escutemo-lo. Ele fala com doçura aos humildes, aos mendigos de riquezas materiais.
Unamo-nos, pois, sob a bandeira do socialismo espírita, ou, por melhor dizer, do Cristianismo do Cristo.
* Artigo originalmente publicado na revista “Reformador”, da Federação Espírita Brasileira, em setembro de 1936. Por sua atualidade, é reproduzido, oitenta e seis anos depois.
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