O futuro do Espiritismo já chegou!?, por Marcelo Henrique

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Marcelo Henrique

A proposta de unir Laicismo, Democracia e Kardec é desafiadora!

“Se a Doutrina Espírita se houvera formado em conjunto, como toda concepção pessoal, teria sido completada desde o primeiro dia e, então, nada mais simples do que constitui-la. Mas, tendo ela surgido gradualmente, em consequência de aquisições sucessivas, a sua constituição teria congregado todos os amantes de novidades; em breve, porém, estaria abandonada pelos que não lhe aceitassem todas as consequências”, Allan Kardec. [1]

INTRODUÇÃO
O Espiritismo, enquanto doutrina, possui um marco temporal claro e preciso: o lançamento de “O livro dos Espíritos” (1857). Abrindo a “Introdução” desta obra, logo no item “I”, Kardec assim pontua [2]: “Para as coisas novas necessitamos de palavras novas”. Logo “de cara”, ele delimita a nova configuração para algo que já era de “domínio público”, qual seja a mediunidade, presente na Terra – sem falar, é claro, dos outros mundos habitados – desde o princípio da existência humana no orbe.

Na continuidade, o Professor francês, epistemologicamente delimita o âmbito de atuação do Espiritismo [2]: “[…] a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se o quiserem, os espiritistas” (marcações do autor).

A partir desta premissa fundamental, para entender as correlações entre Laicismo, Democracia e Kardec, importa conhecer o conceito e o alcance dos dois primeiros termos, para, ao fim, apresentar a correlação entre ambos e Kardec, o idealizador (físico) do Espiritismo.

O LAICISMO
Laicismo, deriva de Laico (do latim “laicus” e do grego “laikós”), compreendendo o que se opõe ao religioso. Daí, a expressão primeira ser Laicidade, que é restritiva, porque se distancia de tudo aquilo que for religioso, em termos interpretativos. E, por consequência, tem-se o Laicismo que simboliza o antagonismo ao que seja religioso.

Portanto, em caráter geral, voltando à origem dos termos, a Laicidade é a base fundamental que inspira as Constituições dos Estados Democráticos, impedindo que Estado e Igreja estejam juntos na administração dos povos e países – medida que se demonstrou acertada, na História e na evolução de sistemas e forma de governo, da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. O Laicismo, neste cenário original, era uma acepção excessiva, correlacionada à intolerância para com qualquer filosofia religiosa, culto ou igreja.

Como os termos e as ideias progridem, à medida que também progridem homens e coletividades, o termo Laicismo precisa de uma ressignificação, tanto em termos de conjuntura pública, estatal-social, quanto no seu uso por parte dos espíritas, como veremos adiante.

A DEMOCRACIA
No curso do tempo e dos povos, historicamente falando, a inteligência humana foi concebendo diferentes formas de exercício do poder político. Debruçando-nos sobre os povos antigos, é possível perceber os esforços no sentido do aprimoramento da gestão (pública e política), com a melhor delimitação do exercício dos direitos (em especial, os políticos, hoje definidos como de cidadania). E, alcançando o cenário vigente no Século XXI, é a Democracia o regime político, dentre os conhecidos e experimentados pela Humanidade, desde os tempos primitivos até os presentes, como o de melhor exprime a governança com a participação dos indivíduos.

Entre a democracia grega e a mundial atual, no entanto, há algumas diferenças, que são explicitadas pelos estudiosos de Direito e Política, não sendo objeto deste ensaio tratar delas. O que é importante mensurar e apresentar é que, dentre todos os sistemas existentes, ele é o que confere maior liberdade de participação para os cidadãos, na escolha de seus representantes políticos (para cargos no Executivo e no Legislativo), além da perspectiva sempre presente da renovação temporária dos seus ocupantes (mandatos).

Há que se enquadrar, conforme a teoria espírita, a questão do “nível” (estágio) em que se encontra a Terra – conceituada, espiriticamente, como “Mundo de Expiações e Provas”, o segundo na classificação progressiva dos mundos habitados. Para tal conjuntura, entendemos que a Democracia seja o sistema possível para a vida harmônica em sociedade, isto sem deixar de lado que a progressividade espiritual irá conduzir os encarnados para a construção de modelos futuros mais aperfeiçoados, em termos de política e justiça sociais.

Em assim cogitando, o próprio Kardec, em um texto recuperado, apresenta o que ele entenderia como o regime político para a Terra do futuro, talvez já no estágio subsequente ao que nos encontramos, o Mundo de Regeneração, ou até mais à frente (Mundo Feliz ou Ditoso): a aristocracia intelecto-moral [1].

O Professor francês, assim, otimista, aponta para uma organização social preocupada e zelosa pela manutenção do reino do bem, na Terra, que decorreria, para ele, da quantidade de “homens de bem” – vide, a propósito, a delimitação deste conceito, não só em “O evangelho segundo o Espiritismo”, no capítulo XVII [3], como, também, em “O livro dos Espíritos”, Parte Terceira, Capítulo IV [2].

Estudando as matérias afetas ao poder político e seu exercício, perpassando noções de juridicidade, legalidade, igualdade e participação popular, arriscamos dizer que, neste cenário, a prática do poder pela aristocracia intelecto-moral, no futuro, se inspirará em vários conceitos e práticas da Democracia.

2023 E PARA A FRENTE: E KARDEC?
Tem-se, no presente, a conhecida dualidade entre o formato religioso das instituições espíritas e a apresentação alternativa de um modelo não-religioso, mas filosófico-ético de constituição e organização de atividades, trabalhos e instituições. Que desafios este último, então, possui, diante das premissas estabelecidas por este projeto do ECK (Laicismo, Democracia e Kardec)?

O primeiro deles, entendemos, seja estrutural. Que se aperfeiçoem os discursos, assim como os documentos e textos, para que se projete um estágio de maturação de ideias e conciliação entre espíritas religiosos e laicos. Este estágio pressupõe, necessariamente, a ampliação das noções relativas ao respeito às formas de entendimento sobre o Espiritismo que ainda gravitam em torno do religioso. Sobretudo em relação aos frequentadores de instituições e grupos, que procuram no Espiritismo uma outra religião para “chamar de sua”. Mas alcança, também, aquele segmento que, de frequentador e simpatizante, foi guindado às posições de trabalhadores de atividades espíritas e, ainda mais, de divulgadores do Espiritismo.

Porque, remontando à introdução das ideias espíritas no Brasil (final do século XIX) e seu curso até os tempos atuais, há toda uma construção e constância de discursos e práticas em torno da “religião espírita”, majoritária e predominante. Então, para se apresentar um paradigma distinto, implica retomar as proposições originárias de Kardec. Em especial, a “profecia” do próprio Professor francês, na dissertação “Período de Luta”, inserta na “Revue Spirite” [4], em que ele descreve os períodos sequenciais, já vividos e os futuros : curiosidade, filosófico, de luta, religioso, intermediário e de regeneração social.

Marcantemente, assim, como o “meio espírita”, nacional e internacional, ainda está vivendo os seus momentos de “período religioso”, nos compete propor e fazer o Espiritismo avançar para o citado “período intermediário” e, dele, para os subsequentes.

Se, para o segmento espírita laico a significação principal (ponto de partida) é a não-configuração do Espiritismo como religião (culto, igreja), isto não deve significar que o aprimoramento do entendimento dos espíritas sobre a Filosofia Espírita represente anatemizar ou repreender os que desejem ter uma religião (ainda que sem os formatos usuais das igrejas ou templos, nem a acepção de culto, mas no sentido de religiosidade ou espiritualidade).

O Espiritismo laico, assim, por não estar vinculado a nenhuma simbologia religiosa (nem cristã, nem outra), patrocina o entendimento da importância dos valores ético-morais presentes nos feitos e ensinos de Jesus de Nazaré, mas com o necessário distanciamento daquilo que se entende por Cristianismo (onde a figura não é o homem, mas o mito, Jesus Cristo).

A priori, o Espiritismo laico está, hoje ainda, situado em porção antagônica ao Espiritismo Religioso, que é praticado majoritariamente no Brasil e nos demais países onde há organizações espíritas. Havendo núcleos laicos que estudam a Doutrina dos Espíritos, estes são em pequeno número, sendo possível divisar as principais diferenças entre suas práticas, textos e explanações.

Por isso, se entendermos que a religião espírita só possa (deva) ser a de sentido filosófico, como exposto pelo próprio Professor francês, na “Revue Spirite” [5], estaremos “retornando” a Kardec e isso não significa repudiar aqueles signatários de visões ou interpretações peculiares acerca do Espiritismo, como os que o vivenciam como uma religião, ou que conferem maior ênfase ao componente “religioso”, derivado da ênfase que se dá aos “ensinos morais do Cristo” – como, aliás, consta, do subtítulo de “O evangelho segundo o Espiritismo” [3].

Em última palavra – mas não derradeira, enquanto “única verdade” – que os espíritas, entre si, possam ser reconhecidos por muito se amarem (uma releitura da frase atribuída a Jesus de Nazaré), adotando a recomendação do Espírito Verdade: “Espíritas: amai-vos, eis o primeiro ensinamento; instrui-vos, eis o segundo” (Capítulo VI, Item 5, também do Evangelho [3].

Se assim conseguirmos atuar, promoveremos uma mudança qualitativa no modus operandi e no relacionamento entre os espíritas, consistindo na redução, até a erradicação, de quaisquer barreiras ou obstáculos, entre religiosos, laicos (ou outros que existirem), investindo, de fato, naquilo que é essencial e que representa a própria natureza intrínseca do Espiritismo: melhorar o homem e, consequentemente, as sociedades humanas.

E, em assim agindo, construiremos o Espiritismo do Futuro, conciliando Laicismo, Democracia e Kardec, proposta aliás, deste especial que o ECK protagoniza e que temos a honra de contribuir com estes escritos.

Vamos juntos?

Notas:
[1] Kardec, Allan. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. 20. Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984.
[2] Kardec, Allan. O livro dos Espíritos. Conclusão. Item VII. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.
[3] Kardec, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo. Trad. J. Herculano Pires. 59. Ed. São Paulo: LAKE, 2003.
[4] Kardec, Allan. Revue Spirite. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos. Dezembro. 1863. Trad. Salvador Gentile. São Paulo: IDE, 1999.
[5] Kardec, Allan. Revue Spirite. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos. Dezembro. 1868. Trad. Salvador Gentile. São Paulo: IDE, 1999.

 

Foto pixabay

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