Leis Morais: a síntese do pensamento espírita e social, por Nelson Santos

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Nelson Santos

“A filosofia é a ciência da relação de todo o conhecimento aos fins essenciais da razão humana e o filósofo não é um artista da razão, mas o legislador da razão humana”, Immanuel Kant.

Considerada a principiologia das Leis Morais – ou Naturais –, elencadas na parte terceira de “O livro dos Espíritos” (questões 614 a 892), devemos entender a sua concepção ética-moral e filosófica e as suas implicações existenciais para o ser no mundo, principalmente no contexto do presente século. Na resposta à questão 621 da obra em tela, temos que a Lei de Deus está escrita na consciência do ser; portanto, ela é tão antiga quanto a Humanidade. Na Grécia, Platão e Sócrates já versavam sobre as Leis Naturais em seus discursos e, posteriormente, outros tantos pensadores, principalmente na chamada Era Moderna, como Hobbes, Locke, Mill, Kant e Smith, imprimiram valorosos elementos para a interpretação do conjunto das normas espirituais, cada qual em seu tempo e cenário.

Kardec, na questão 648 do livro primeiro, indaga sobre a divisão da lei natural em dez partes – como previu a lei mosaica – mas apresentando-a sob nova roupagem, ampliada, para compreender a adoração, o trabalho, a reprodução, a conservação, a destruição, a sociedade, o progresso, a igualdade, a liberdade e a justiça, amor e caridade. No seu diálogo com diversos expoentes da chamada Espiritualidade Superior, tem-se um conjunto de magistrais afirmações que encampam todas as circunstâncias da vida, o que é essencial para a Humanidade. Mas, do exame em questão, devemos concluir que a separação entre os conteúdos das Leis nada têm de absoluto, como não o têm os demais sistemas de classificação de temas e matérias, inclusive as transcendentes ou espirituais, que dependem sempre do ponto de vista sob o qual se considera dado assunto. Ou seja, fica a critério do ser, de seu livre pensamento e arbítrio, a análise da aplicação e da contextualização de tais leis. Ainda assim, deve-se considerar, dentre as listadas, a última como sendo a mais importante, pois é por ela que o homem pode avançar mais celeremente na vida espiritual, já que ela, como disseram os Espíritos a Kardec, resume todas as demais, considerada como a aplicação racional da justiça social, libertária, equitativa e fraternal.

Os caminhos de aplicabilidade da Lei de Adoração enfocam o resgate do pensamento kardeciano, progressivo e progressista, através dos textos que ressaltam a necessidade de reavaliar a relação Criador-Criatura, sobretudo diante dos muitos equívocos interpretativos das religiões em geral (e seus adeptos), bem como do próprio meio espírita, ainda fortemente atrelado à concepção antropomorfizada do Criador e, também, quanto à dependência humana de deus(es). Em consequência, tem-se na ambiência espírita uma postura de relevar e não contestar a repetição dos dogmas cristãos, das crendices e das superstições, assim como a retrógrada visão patriarcal em relação a Deus, em várias expressões religiosas e espíritas.

Na abordagem crítica da Lei do Trabalho quanto aos contextos, sonhos e desafios do homem em relação ao labor (material e espiritual), faz-se necessária a reavaliação do contexto das explorações de todos os matizes, existentes nas sociedades, a partir do trabalho e da relação entre superiores e inferiores, na hierarquia laboral, para entender-lhes a significância na visão do Espiritismo. Neste sentido, tem-se o elemento da responsabilidade governamental e, também, da sociedade, no sentido de proporcionar ferramentas necessárias ao alcance da justiça social, bem como para exaltar os valores humanos decorrentes da criatividade, do aprendizado e da transcendência do trabalho do Espírito imortal em sua caminhada evolutiva, que vai assimilando conceitos e experiências, progredindo e vencendo desafios.

Na Lei de Reprodução, torna-se viável percorrer os diversos e distintos caminhos possíveis acerca de uma interpretação mais adequada sobre a sexualidade. Temas como o controle da natalidade, a engenharia genética, a clonagem humana e a bioética, naturalmente ausentes no “tempo” de Kardec, precisam ser abordados e entendidos a partir das premissas espíritas contidas em “O livro dos Espíritos”, ampliando-se a análise da aplicabilidade desta importante lei, a partir dos estudos dos encarnados – com a multidisciplinaridade possível em razão da utilização de conceitos das Ciências Humanas, que têm avançado – assim como de novas contribuições dos desencarnados, a partir da recomendada evocação (prática usual de Kardec). Neste contexto, também é preciso exercer a crítica espiritista, para a abordagem de temas “polêmicos”, como a eugenia, os métodos contraceptivos, a homo e a bissexualidade, a transexualidade e muitos outros temas correlatos. Neste escopo, as balizas são e serão sempre os princípios da Doutrina dos Espíritos, examinando-se as situações sem qualquer intenção de censura ou julgamento, procurando pavimentar no seio da sociedade moderna a responsabilidade ético-moral.

No contexto da Lei da Conservação, para além dos discursos padrões sobre os cuidados (pessoais) com o corpo e a preservação dos ecossistemas, é preciso encampar, também, as inúmeras interpretações equivocadas na ambiência espírita sobre o conservadorismo exacerbado. Em geral, em face de interpretações ortodoxas, com recortes equivocados do pensamento kardeciano, tem-se o “mantra” da justificativa da vida como “dom divino” diante das questões afetas ao progresso social, humano, individual e coletivo, e material-planetário. Ignoram-se solenemente, assim, as questões que circundam a sociedade contemporânea como as responsabilidades socioambientais, sociais, éticas e morais, reprimindo assim a justa ação dos encarnados, em cada circunstância como fator preponderante, para atribuir uma responsabilidade (hipotética, surreal e religiosista) do Criador como “conservador” ou “fiador” da continuidade da vida humana nos mundos habitados.

Uma dicotomia que se faz necessária entre os conceitos de criação e destruição deve ser o mote principal para a discussão da aplicabilidade e da incidência da Lei de Destruição. Caso contrário, estaremos interessados, apenas, no enfoque filosófico, dentro de premissas ético-morais equivocadas. Isto é, a destruição só ocorreria por “concessão” divina e tudo o que for destruído por ação humana seria agressão à Lei Espiritual. É preciso, portanto, entender que há destruições consideradas naturais, porque estão afetas à natureza, ordem universal e progresso (físico) dos planetas e demais astros, como outras, em paralelo, que derivam das ações humanas, nem sempre dolosas, mas que resultam da própria condição de limitação espiritual dos seres humanos. Então, a pergunta que se faz, na interpretação das situações fáticas e na idealização (e execução) de possíveis soluções para contextos destrutivos é: como evitar a destruição precoce, excessiva ou comprometedora da vida humana em nosso planeta? E, por conseguinte, qual a responsabilidade do “homem de bem” neste cenário?

A humanidade vive em sociedade e por viver e vivenciar sua existência em “polis”, cada um dos indivíduos é um ser político. Assim, pela política, traçamos o desenvolvimento coletivo e a adequação das desigualdades sociais existentes, visando tornar o mundo mais equitativo, desde a célula familiar à aldeia global. Nesse diapasão, a Lei de Sociedade nos permite compreender os anseios interexistenciais dos membros das sociedades pela ótica da filosofia espiritista, enaltecendo, como traduz o lúcido pensamento kardeciano, a ação social espírita, que é o papel principal e essencial dos indivíduos no tecido social, para afastar as cortinas das iniquidades, permitindo-se ver e admirar um fantástico mundo novo, então embasado na justiça social.

Para a aplicabilidade da Lei do Progresso em face dos desafios da vida planetária, é essencial discutir a importância ímpar da educação como motor da evolução socioeconômica, política e cultural para, paulatinamente, poder se qualificar a coletividade, despertando-a, assim, para o fim social buscado em face da convivência existencial: a fraternidade.

Se há desigualdade na igualdade ou igualdade na desigualdade, este é o mote para desenvolvermos o conceito e a aplicabilidade da Lei de Igualdade, começando por apontar os paradoxos existentes na aplicabilidade da igualdade, ou melhor dizendo, da equidade entre os indivíduos. Portanto, é preciso prescrutar acerca das diversas ocorrências de exclusão social, marcadamente nas diferenças socioeconômicas, culturais e educacionais que fomentam as diferenças sociais existentes. E, a partir daí, estudar, propor e se engajar, como espíritas conscientes, na materialização de soluções possíveis, considerada a importante contribuição do pensamento espírita em prol de dirimir toda a sorte de equívocos sociais excludentes.

A aplicabilidade da Lei da Liberdade é controversa, a par de ser importante, é essencial para a discussão acerca do raciocínio, das posturas e das ações que ainda estão presas ao dogmatismo – que aprisiona o pensamento – enaltecendo o livre pensar (espírita) como o elemento essencial para alcançar novas fronteiras do pensamento, excluindo-se a condicionalidade da liberdade que tanto turva o livre arbítrio. Ou seja, é essencial que o pensamento espírita continue se desenvolvendo, deixando de se atrelar ao conteúdo exclusivo da Codificação – temporalmente vinculada ao contexto social e planetário do século XIX – para permitir, no estudo da ciência e da filosofia espírita, novas e consequentes digressões, ampliando-se o escopo de avaliação das situações contemporâneas, a partir das premissas fundamentais (princípios) espíritas, mas afastando conceitos que se tornaram obsoletos com o progresso humano-social-espiritual.

Por último, a mais importante das Leis Morais, a Lei de Justiça, Amor e Caridade, se constitui na síntese de todas as demais leis antes elencadas, porque aponta o real caminho para o continuum do ser, espiritual e socialmente. A contribuição filosófica do Espiritismo, assim, permite, a partir da análise crítica e racional de todas as temáticas, enquadrar a maravilha ético-moral destinada ao porvir, a partir do efetivo engajamento de toda a sociedade na direção de uma realidade social e justa, permitindo-se a progressividade dos conhecimentos, o aprimoramento das leis humanas, e a final equidade entre indivíduos e povos, presentes os pilares da liberdade e da fraternidade que possamos conquistar.

Esquadrinhadas as Leis Morais, temos a genuína expressão do pensamento espírita, que é kardeciano, racional, humanista, livre-pensador, laico e progressista, voltado à compreensão da vida material e espiritual, permitindo-se a aplicação da filosofia espiritista dentro da evolução do pensamento humano-social vigente neste século XXI.

Então, que não sejamos meramente espectadores, mas, sim, os artífices de uma (nova) ordem social, exatamente nos moldes que nos legou o meigo rabi de Nazaré, Jesus, reforçada pela interpretação dada por Kardec, em comunhão com as Inteligências Superiores.

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