Ladrões e Ladridos, por Marcelo Teixeira

Tempo de leitura: 4 minutos

Marcelo Teixeira

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

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Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto acompanhado de um menino advindo de uma comunidade carente, um representante dos povos originários, uma mulher, um deficiente físico, uma moça negra que trabalha como catadora de papel e de Resistência, a cadelinha vira-lata adotada por Janja, quando Luiz Inácio estava preso em Curitiba. Quanto simbolismo, quanta emoção, quanta inclusão, quanta democracia!
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Trabalho como voluntário nas eleições desde 1988. Comecei como segundo secretário e fui subindo de posto até chegar a presidente de seção eleitoral. Desde 2018, no entanto, me pediram para integrar a equipe de administradores de prédio, que são os responsáveis por receber as urnas na véspera, sinalizar o local onde as seções eleitorais funcionam, levar as urnas à junta de apuração, entre outras atribuições. Foi pesado naquele ano, confesso. Em 2020, mais ameno por serem eleições municipais.

No início da tarde da véspera do primeiro turno de 2022, eu e os demais administradores chegamos à escola onde funcionam as oito sessões das quais tomamos conta, recebemos as urnas, combinamos com a direção do estabelecimento que salas seriam usadas, organizamos tudo e fomos embora. Eram 17h, creio.

Saí do local, coloquei de volta na camisa o adesivo de “Lula presidente” e rumei a um mercado local. Na rua principal, uma carreata interminável a favor do Bozo. Petrópolis (RJ), onde nasci e ainda resido, é uma cidade conservadora e repleta de brancos que se julgam ricos por serem comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos etc. Barulhenta, a carreata gritava palavras de ordem, buzinava intensamente e sacudia bandeiras do Brasil a favor do então presidente.

Eu caminhava tranquilamente quando a carreata provocou uma pequena retenção no trânsito. O suficiente para uma senhorinha sentada no banco do carona de um dos automóveis ficar próxima de mim e gritar “Bolsonaro” a plenos pulmões e reiteradas vezes. Virei para ela, disse que era Lula e mostrei o adesivo. Ela, então, gritou com vontade: “Lula é ladrão!”. Sorri para ela, e falei bem alto, sem tirar o sorriso do rosto: “Lula é ladrão! Roubou meu coração!”. Segui, então, meu caminho e deixei a lépida e branca senhorinha vociferando e sacudindo a bandeira a favor do, agora, fujão.

Não coube a mim a tarefa de levar as urnas para a apuração quando do fim da votação do primeiro turno. Fiz isso, juntamente com outro colega, no segundo turno. Um percurso de cerca de meia hora de carro. Fui juntamente com as urnas, num furgão guiado por um bolsonarista. Falei o menos possível. Intimamente, estava em prece, rogando pela vitória de Lula. No percurso, passei por um pequeno shopping onde há vários restaurantes. Na porta, dezenas de pessoas de verde e amarelo. Que mal-estar!

Ao chegarmos à junta de apuração, desembarcamos as urnas e fomos devolver o material impresso. Ao redor, a maioria esmagadora era de bolsonaristas. Ouvi, inclusive, uma conversa que me embrulhou o estômago. Nela, um voluntário dizia para outros e também para alguns PMs: “Esta semana está sendo vitoriosa para mim. O Flamengo ganhou, o Vasco perdeu e pude zoar os vascaínos… Para coroar, hoje vai dar 22” .

Debrucei-me numa pilastra e orei fervorosamente. Pedi a Deus para que Lula ganhasse. Pedi pelos povos originários, pelas mulheres, pelo povo negro, pela comunidade LGBTQIAP+, pelas vítimas fatais da Covid, pelos pobres e famintos, por todos que lutam por justiça social… Logo depois, encontrei Artur, companheiro de ideal espírita e progressista feito eu. Abraçamo-nos e confidenciei a ele o meu temor. Ele recomendou calma. Embora Bolsonaro estivesse com ligeira vantagem, a disputa estava longe de acabar.

Quando estava terminando de entregar o material, vi alguns voluntários de celular em punho, acompanhando a apuração. Perguntei quem estava na frente para uma moça. Ela, com ares de contrariedade, respondeu que Lula havia acabado de passar à frente. Sorri, ergui o punho e fui embora, orando para que tal vantagem permanecesse.

Ao chegar em casa, Lula continuava liderando. Fui tomar banho. Quando saí, a liderança permanecia. Fui preparar um café. Voltei para a sala com a xícara em punho. O telejornal, então, confirmou a vitória de Lula. Foi um misto de alegria, alívio e emoção minha e de meus familiares.

Neste 1º de janeiro de 2023, Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto acompanhado de um menino advindo de uma comunidade carente, um representante dos povos originários, uma mulher, um deficiente físico, uma moça negra que trabalha como catadora de papel e de Resistência, a cadelinha vira-lata adotada por Janja, quando Luiz Inácio estava preso em Curitiba. Quanto simbolismo, quanta emoção, quanta inclusão, quanta democracia! Em volta, o povo aplaudia, cantava e celebrava a volta do presidente que sabe governar para o povo e não para os aquinhoados ou pseudo-aquinhoados.

Foi então que me lembrei daquela senhorinha branca, a bordo de um carrão qualquer, sacudindo a bandeira do Brasil e gritando Bolsonaro de forma impositiva. Lula de fato é um ladrão, mas de corações. Por ter sido retirante, ter passado necessidade e ter histórico como operário e sindicalista, entende muito bem os anseios e necessidades dos que sempre são excluídos, principalmente por governantes que só pensam em favorecer o tal mercado. Todas as acusações que havia sobre ele, caíram. Mesmo assim, incomoda uma vasta parcela social que odeia pobres e todos aqueles que se atreverem a lhes estender a mão.

Ser ladrão e ladrar. Palavras semelhantes, mas de significados distantes. Ladrão é aquele que rouba; ladrar é emitir ladridos, ou melhor, latidos, fazer barulho. Aquela senhorinha ladrava, Bolsonaro ladrou incontáveis e inomináveis impropérios que não valem a pena serem listados aqui. E ao ladrar, se fez ladrão de paz, saúde, cultura, respeito… Com ele, ser ladrão e ladrar ficaram tão próximos!

Pobre senhorinha! Ao ladrar seu conservadorismo, naquele já distante 2 de outubro de 2022, se mostrou representante da classe inculta, ranzinza, conservadora, reacionária e escravagista que ainda infelicita, sobremaneira, o nosso país. Deixemo-la ladrar. Afinal, como reza o dito popular, “Os cães ladram, e a caravana passa”.

Nossa! Como a gente passou bonito!

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

One thought on “Ladrões e Ladridos, por Marcelo Teixeira

  1. O sentimento descrito foi exatamente o meu. O que ladrou , fugiu , e o ladrão de corações devolveu ao povo a esperança, nosso Robin Hood tupiniquin

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