Espiritismo sem espíritos?

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Marcelo Regis

A comunicação entre o mundo espírita e o mundo corporal estão na natureza das coisas e não constituem nenhum fato sobrenatural. Por isso, delas se encontram vestígios entre todos os povos e em todas as épocas. Hoje, elas são gerais e patentes para todo o mundo.

Os espíritos anunciam que os tempos marcados pela Providência, para uma manifestação universal, são chegados, e que, sendo os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, sua missão é instruir e esclarecer os homens abrindo uma nova era para a regeneração da humanidade.

(Allan Kardec-O Livro dos Espírito, Trad. Salvador Gentile; Editora IDF, pp.42)

A filosofia espírita se baseia na existência, sobrevivência e comunicação dos espíritos. Como Kardec bem definiu e diferenciou: espíritos: seres inteligentes do universo; alma: espírito encarnado; reencarnação: possibilidade dos espíritos encarnarem em diferentes corpos físicos em distintos intervalos de tempo. O Espiritismo perderia a razão de ser, perderia o diferencial de seu discurso caso ficasse provada a não-existência dos espíritos (alternativa materialista) ou que os mesmos não se comunicam ou reencarnam (alternativa espiritualista). Portanto a questão central do movimento espírita deveria ser o a comprovação da existência do espírito e o aprimoramento dos métodos de comunicação com os mesmos.

Desde Allan Kardec, a Doutrina Espírita vem seguindo um rumo diferente desse. Kardec considerou mais que suficientes as evidências disponíveis na época e concentrou grande parte de seu esforço na edificação da filosofia espírita, reconhecendo que o aprimoramento da humanidade não viria unicamente com a comprovação científica da existência dos espíritos, mas de suas implicações morais. No fim do século XIX e início do século XX um grupo de cientistas dedicou grande esforço na obtenção de tais provas. São dessa época os livros e pesquisas sobre fenômenos fisicos e psicológicos, materializações, comunicações cruzadas, etc. Nomes como Bozzano, Dellane, Aksakof e Lombroso, etc. são expoentes dessa geração de espíritas interessados na busca de provas e mais evidências sobre a existência dos espiritos. Podemos afirmar que 85% (ou mais) das “provas” utilizadas pelos espíritas de hoje nos estudos e discussões acerca da existência dos espíritos veem desse fértil periodo.

No Brasil, apesar de seu viés religioso, o movimento espírita também buscou a comprovação através da vasta obra e dos trabalhos mediúnicos de Chico Xavier. Até a 1a metade do século passado espíritos como André Luiz concetraram seus esforços em descrever o mundo espiritual e suas relações com o mundo encarnado. Passada essa fase de afirmação a Doutrina Espírita tem se focalizado no debate e estudo das consequências morais de seus princípios. Assumindo uma postura arrogante e religiosa o movimento espírita brasileiro considerou a questão da existência e comunicabilidade dos espíritos mais do que resolvida, cabendo à ciência oficial “alcançar” o conhecimento que o espiritismo (e os espíritas) já possuiam.

Avançando para o final do século XX observamos o surgimento de um movimento renovador e contestador da postura religiosa assumida pelo movimento espírita brasileiro. Iniciando com a Espiritização, passando pela ruptura com o movimento oficial até a consolidação do SBPE (Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita) e da CEPA – Associação Espírita Internacional (antes denominada Confederação Espírita Pan-Americana) no Brasil, tal movimento vem se pautando pela retomada dos principios básicos da Doutrina Espírita. Porém, mesmo esse movimento também se focaliza nos aspectos filosóficos, morais e socias da Doutrina Espírita. Temas como mecanismos da mediunidade e comprovação da existência dos espíritos parecem não alcançar a mesma repercursão e entusiasmo entre seus integrantes (e me incluo entre os mesmos), que a discussão sobre o papel social da Doutrina Espírita. Conclui-se daí que também assumimos como verdade indiscutível a existência, sobrevivência e comunicação dos espíritos e que não precisamos de mais provas e evidências.

Uma análise mais fria mostra que esse não é bem o caso. Parece que os estudos e pesquisas sobre a mediunidade se encontram estagnados no mesmo ponto de 30, 40 anos atrás. Não se nota nenhum avanço significativo no estudo desses tópicos nas universidades e academias. Mesmo a parapsicologia parece estagnada. Quanto ao movimento espírita temos nos concentrado no estudo e repetição de obras produzidas há mais de 50 anos. A quantidade de livros editados contendo estudos originais sobre existência dos espíritos e comunicações mediúnicas é pequena, o que mostra a dificuldade que encontramos em avançar nesse campo. No caso das casas espíritas, normalmente caímos em dois extremos: os espíritas-religiosos conferem à mediunidade caráter místico e sagrado, santificando médiuns e espíritos.

Já o movimento progressista relega a mediunidade a um segundo plano. Por certo as reuniões mediúnicas fazem parte dos trabalhos dos centros e grupos progressistas, porém o consenso geral é de que poderíamos ter centros espíritas sem mediunidade. Uma análise dos temas e trabalhos apresentados nos vários congressos e simpósios progressistas, revela que trabalhos originais de pesquisa e estudo sobre mediunidade/existência dos espíritos são raros. Quase nunca se incluem nas agendas dos congressos sessões mediunicas, por que? Será que podemos ter Espiritismo sem espíritos? Será que a existência dos espíritos, sua imortalidade e comunicabilidade estão mais do que provadas?

Na minha visão a resposta a essas questões é não. O Espiritismo só tem razão de ser, como filosofia, como doutrina moral, se existirem espíritos! Caso contrário nenhum de seus princípios básicos teria aplicação e não haveria nenhum sentido em se criar uma doutrina à parte das religiões cristãs existentes, pois o discurso moral seria o mesmo.

Pois bem, o primeiro passo é reconhecermos que a tarefa ainda se encontra incompleta e que, apesar das expectativas otimistas de Allan Kardec, a existência e comunicabilidade dos espíritos está longe de ser aceita pela humanidade. Os adversários do Espiritismo e os não espíritas em geral têm muitos e bons argumentos contrários à nossa tese, portanto devemos nos concentrar em alterar esse jogo.

O primeiro passo poderia ser ampliar a abordagem desses temas nos congressos e simpósios progressistas. O segundo seria a criação de uma rede de colaboração entre as casas espíritas. Por que não simpósios centrados na troca de experiências e estudos sobre a mediunidade/existência dos espíritos? Por que não incluir sessões mediúnicas nas agendas dos encontros e simpósios? Outra alternativa seria o patrocínio de pesquisas nesses campos. Se o tópico mediunidade/existência dos espíritos assumisse maior relevância dentro do movimento espírita progressista, teríamos mais pessoas interessadoas no assunto e também poderíamos obter mais recursos para a pesquisa.

Modernizar a Doutrina Espírita também é encontrar alternativas para rompermos com a estagnação no campo da pesquisa mediúnica. É oferecer aos espíritas e ao público em geral evidências mais atuais e antenadas com o desenvolvimento da tecnologia. Enfim renovar o Espiritismo é reencontrar o caminho que nos leve a comprovação de nossa tese principal: mais do que corpos físicos, somos espíritos inteligentes, buscando aprimoramento constante através de diversas reencarnações e contribuindo para a realizaçao da obra divina.

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