Espiritismo e Ecologia, por André Trigueiro

Tempo de leitura: 5 minutos

Por André Trigueiro

Introdução

Este livro resume as ideias básicas que venho apresentando em palestras e seminários organizados em casas espíritas onde os assuntos ecológicos passaram a demandar mais atenção de uns tempos para cá. A oportunidade de pesquisar o que o Espiritismo e a ECOLOGIA têm em comum surgiu no ano de 2004, quando Luis Antonio Millecco, saudoso orador, escritor, médium e ex-presidente da Sociedade Pró-Livro Espírita em Braille (SPLEB), me ligou para fazer um convite. Millecco ouvira-me falar sobre assuntos ambientais na Rádio CBN e, sabendo que eu era espírita, pediu-me que realizasse uma palestra na SPLEB sobre o tema Ecologia e Paz . Aceitei prontamente o convite, honrado por vir de quem veio, sem me dar conta do enorme desafio que eu assumiria a partir de então.

Paz era um assunto recorrente em palestras públicas nos centros espíritas que venho frequentando desde 1987, ecologia , não. Confirmei minha suposição consultando dirigentes de casas espíritas e checando algumas listagens de temas para palestras públicas nessas instituições. Pude constatar que, na maioria absoluta dos casos, os assuntos ecológicos eram considerados periféricos ou desimportantes; quando muito, eram citados no decorrer de uma palestra que tinha como mote principal outro assunto.

Como isso estaria acontecendo, se experimentamos a maior crise ambiental da história da Humanidade? Como poderia o Espiritismo não enfrentar esse assunto tão importante e urgente com a devida clareza e objetividade? Alguém poderá dizer que esta crise não existia no século XIX, quando Allan Kardec codificou a Doutrina Espírita. Ainda que isso fosse verdade — abordaremos este assunto mais adiante —, não foi o próprio Codificador quem afirmou que “não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade”?

Se a Ciência em algum momento contradisser alguma premissa do Espiritismo, não cabe ao espírita rever esse ponto equivocado e seguir a orientação da Ciência? Abre-se espaço, portanto, para a atualização dos conhecimentos e a devida contextualização dos conteúdos doutrinários, a fim de que o Espiritismo se apresente sempre útil para a compreensão da realidade que nos cerca.

O curioso é que, mesmo no século XIX, quando não se falava ainda em crise ambiental em escala planetária e os recursos naturais ainda pareciam infinitos — embora os efeitos colaterais da Revolução Industrial e a urbanização caótica e acelerada já se manifestassem em cidades como Londres e Paris —, a Doutrina Espírita oferecia preciosos subsídios para a compreensão destes problemas que só eclodiram mais tarde, pelo menos 100 anos depois. Portanto, não me parece que o Espiritismo não tenha se manifestado sobre este assunto. A hipótese mais provável é a de que não estaríamos entendendo com a devida clareza certas informações transmitidas pela Espiritualidade há mais de 150 anos a respeito dessas questões que estão se agravando em níveis jamais imaginados no alvorecer do século XXI.

O espiritismo em frases de efeito

Voltemos à palestra na SPLEB. Dias antes do compromisso assumido com Millecco, ainda entretido com a ausência dos assuntos ambientais em tantas casas espíritas, lembrei-me de que uma das razões para tudo isso estar acontecendo poderia ser encontrada em algumas das frases que usamos para expressar a nossa fé.

Os espíritas — assim como os seguidores de outras doutrinas ou religiões — afirmam suas crenças por meio de frases curtas que emprestam sentido às suas convicções. Essas frases alimentam a nossa fé pelas ideias que encerram. “O acaso não existe” é uma delas. Toda vez que dizemos “o acaso não existe”, reafirmamos nossa confiança em Deus, na “Inteligência Suprema, causa primária de todas as coisas”, na Providência Divina ou na ordem estabelecida em meio ao caos.

Pois bem, há pelo menos duas frases repetidas com frequência no Movimento Espírita que poderiam explicar esse distanciamento dos assuntos ecológicos. Ao compartilhá-las aqui, não guardo nenhuma pretensão de estar dizendo uma verdade absoluta. São apenas elementos de reflexão que podem auxiliar a compreensão do problema. Uma dessas frases é a seguinte: “A verdadeira vida é a vida espiritual” . Concordamos inteiramente. Para o espírita, faz sentido acreditar que a verdadeira vida é a vida espiritual. É forçoso admitir, porém, que muitos de nós usamos esta frase para legitimar o desinteresse, a desatenção, o completo desapego dos assuntos terrenos.

Esse é um assunto delicado, sobre o qual há certa confusão. É preciso reconhecer que a vida espiritual não começa no exato instante da desencarnação. Somos Espíritos encarnados, portanto, experimentamos desde já a vida espiritual — embora com restrições, dadas as limitações impostas pelo corpo físico — e precisamos nos lembrar sempre de que somos Espíritos animando corpos, e não corpos animando Espíritos. Há que se reconhecer também que o “horário nobre” de nossa existência é aqui e agora, já que as escolhas que fizermos a cada instante definirão a qualidade de nossa vida espiritual. Uma vez encarnados, é evidente que devemos ter alguma preocupação com a matéria (nosso corpo, nosso planeta) enquanto aqui estivermos. Sem exagero, sem ilusões — pois que nada disso nos pertence e daqui só levaremos o que “as traças e a ferrugem não consomem e os ladrões não furam nem roubam”, como asseverou Jesus —, mas reconhecendo que faz parte de nosso aprendizado espiritual nos relacionarmos de forma saudável, inteligente e responsável com os assuntos da matéria, consagrando parte do nosso tempo à manutenção do corpo e do planeta que nos acolhem.

“Eu estou aqui de passagem” é outra frase bastante repetida. Com ela, afirma-se a impermanência, a transitoriedade de todas as coisas, o eterno devir preconizado pelos filósofos gregos, a realidade física inexorável do universo onde nada é, tudo está. Dependendo da forma como se diz, muitos daqueles que repetem a frase “eu estou aqui de passagem” podem estar reforçando o estoque de desapreço e desinteresse pelos assuntos do aqui e do agora. Por que vou me preocupar com o AQUECIMENTO GLOBAL se em breve não estarei mais aqui? Por que economizar água e energia se estarei desencarnado em alguns anos? Se deixamos um legado material e espiritual no planeta — onde poderemos eventualmente reencarnar — , é evidente que, mesmo de passagem, devemos nos preocupar com os nossos rastros.

Pela lei de causa e efeito, o eventual desperdício ou uso irresponsável dos recursos naturais terá implicações em nosso processo evolutivo. Portanto, não é porque a vida é transitória que não precisamos prestar atenção naquilo que fazemos — e também naquilo que deixamos de fazer, apenas porque retornaremos em breve à pátria espiritual. Cabe a nós identificar quais ações podemos fazer, e de que jeito, para tornar este mundo um lugar melhor e mais justo. Portanto, mesmo de passagem, há que se cuidar melhor do mundo onde estagiamos em nossa jornada evolutiva

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Imagem de THỌ VƯƠNG HỒNG por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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