Espiritismo e Desenvolvimento Humano e Social, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 7 minutos

Marcelo Henrique

Os Luminares Espirituais apresentaram um conjunto de afirmações que poderão ser reais e verossímeis, caso cada individualidade e o conjunto de entusiastas da “causa espírita”, resolva(m) concorrer para a disseminação das ideias de progresso que o Espiritismo encerra, mas não somente em termos de crenças e entendimentos pessoais, calcados no pensamento e na palavra, mas, fundamentalmente, na prática e na efetiva construção de novas sociedades.

O que diz a Doutrina Espírita acerca do desenvolvimento (progresso) humano e social? Qual a contribuição dos ensinos espíritas para a melhoria individual e social do planeta em que estamos vivendo? O Espiritismo influencia(rá) no progresso planetário?

Estas são questões pontuais que carecem de ser respondidas por todo estudioso sensato da Filosofia Espírita. Isto porque o seu conteúdo visa explicar as questões afetas aos Espíritos, dentro do componente das relações travadas entre os encarnados e os desencarnados e os temas correlacionados tanto a vida na matéria quanto fora dela.

Contextualizações Necessárias

Preliminarmente, é necessário entender o contexto e o cenário do surgimento do Espiritismo, mais propriamente a partir da publicação da primeira (e ainda precária, posto que incompleta) versão de “O livro dos Espíritos” (1857). Isto é, a Europa da segunda metade do Século XIX (1857-1869), na chamada Idade Moderna, figurando a França (país natal do professor francês Denisard Hypollite Leon Rivail e da própria doutrina) como palco de consideráveis e relevantíssimos movimentos sociais: Iluminismo, Renascimento, Revolução Francesa.

Adiante, no quadrante pós-Kardec, tem-se um momento histórico-político-social de consolidação dos Direitos Humanos Fundamentais, em decorrência dos citados movimentos. Todavia, os sucessores do legado kardeciano não lograram êxito na consolidação da proposta espírita – não como religião, evidentemente – mas como alavanca para, a partir da disseminação dos conceitos espirituais-espíritas, promover as necessárias reformas sociais, na esteira da conquista (ainda legal, meramente, naqueles países que foram, pouco a pouco, em suas constituições e leis, tais direitos).

No que concerne à Filosofia Espírita, o diagnóstico do início do século XX – sobretudo a partir da Primeira Guerra Mundial, foi o desaparecimento (quase completo) das ideias espíritas em solo francês e europeu. Consequentemente, focando a questão no Brasil, ocorreu o surgimento do moderno espiritismo, com ênfase para o caráter de religião (correspondendo àquilo que Kardec bem elencou na “Revue Spirite”, na dissertação “Período de Luta”, mas que tratou dos seis períodos do Espiritismo), qual seja o período religioso. Nosso país, então, passou a ser o centro do movimento espírita mundial, inclusive com a exportação do modelo espírita brasileiro para países da América, Europa e África. Em dualidade a esta visão majoritária, já na época das primeiras décadas da vigência espírita no Brasil, em que dois grupos se antagonizaram – os místicos e os científicos, com a “vitória” dos primeiros, concorrendo para a fundação e estruturação da Federação Espírita Brasileira (FEB), há um movimento menor em termos de adeptos e instituições, que é denominado de Espiritismo Laico – hoje presente de forma mais destacada em alguns países da Europa, como Espanha e Portugal, assim como, em nosso continente, na Argentina, na Venezuela e, é claro, no Brasil.

No âmbito das nações e suas sociedades e povos, é preciso salientar que, por todo o século findo e nas três décadas do atual, verificou-se a consolidação das Democracias na grande maioria dos países e o recrudescimento dos regimes totalitários. Entre os avanços, estão a consagração legal e judicial dos “Novos Direitos” e a luta permanente pela Justiça Social, com a busca do atendimento aos Direitos das Minorias, inclusive.

Características do desenvolvimento humano-material

Destacadamente, dentro da Terceira Parte de “O livro dos Espíritos”, no Capítulo VI, encontramos os principais delineamentos da Lei do Progresso – uma das Leis Morais (Espirituais, Divinas) aplicáveis aos Mundos Habitados, como, aliás, é a definição do Espiritismo para o contexto encarnatório.

Em primeiro plano, assim, figura a noção de que o Progresso se afigura, na prática, como o percurso de Desenvolvimento Humano (Individual), partindo das seguintes premissas:

a- Mesma origem para todos os espíritos (estado primitivo – simples e ignorante);

b- Reencarnação como necessidade de progresso espiritual;

c- Conhecimento da Lei Natural (“Lei de Deus”) por meio da consciência (conhecimento e prática), à medida que progride;

d- Impossibilidade de retro gradação (involução);

e- Impulso para o desenvolvimento: íntimo, interior, que o homem haure em si mesmo;

f -Individualidade: nem todos progridem de igual forma e ao mesmo tempo (livre-arbítrio);

g- Progresso Moral decorrente do Intelectual, embora nem sempre o siga imediatamente;

h- Inteligência, ao se desenvolver, é acompanhada do livre-arbítrio, aumentando a responsabilidade sobre os atos pessoais;

i – Permanência do progresso: o aperfeiçoamento da Humanidade é progressivo, conquanto lento e regular, sendo que os abalos físicos ou morais o apressam; e,
Maiores obstáculos ao progresso são o egoísmo e o orgulho

Depois, é imperioso resgatar as Orientações Espirituais (dadas a Kardec) no que concerne ao Desenvolvimento Social (compreendendo cada um dos Países e o próprio Planeta, como um todo), nos seguintes apontamentos:

a- Superou-se, enquanto orbe, a categoria espiritual de Mundos Primitivos, onde se vivia o chamado “estado de natureza” (a infância da Humanidade), compreendido este como o ponto de partida para o desenvolvimento intelectual e moral;

b- Contato Social: os seres mais adiantados auxiliam o progresso dos outros;

c- Simbiose Espiritual: relação direta entre o progresso material e a influência recebida dos Espíritos (desencarnados);

d- As revoluções sociais ou morais se infiltram nas ideias, pouco a pouco;

e – Os povos que degeneram não são o sinal do retrocesso, porquanto os Espíritos que compõem as sociedades humanas não são os mesmos. E os que progridem mais rapidamente, abandonam tais cenários dando lugar a Espíritos menos adiantados;

f- As raças rebeldes ao progresso aniquilam-se mutuamente (guerras);

g- Os povos cuja importância e grandeza estariam baseadas unicamente na força (bélica, armamentista) e na extensão territorial, acabam cumprindo seus ciclos (na dicção dos Espíritos Superiores, “nascem, crescem e morrem”, assim como os que tenham leis egoísticas e despóticas, que durante algum tempo obstaram ao progresso das luzes e da caridade, igualmente desaparecem, “porque a luz mata as trevas e a caridade mata o egoísmo”;

h – Mesmo evoluindo, os (diferentes) povos não irão se reunir numa só nação, em face da diferença de costumes e necessidades que deriva da diversidade dos climas, constituindo, assim, as nacionalidades. Mas os povos, entre si, praticarão a caridade e viverão felizes e em paz, à medida da compreensão da Lei de Deus;

i- O maior número de indivíduos evoluídos toma a dianteira (nos povos) e arrastam os outros e homens de gênio dão-lhes o impulso, como instrumentos divinos, com autoridade (intelectual e moral), fazendo-lhes, em poucos anos, avançar o correspondente a séculos;

l-  progresso dos povos realça a justiça da reencarnação, pois, com ela, igual é o direito de todos à felicidade e os que viveram ante os cenários de barbárie retornam em meio à civilização, gozando dos recursos a ela inerentes em seu proveito;

j – A multidão que, todos os dias, desaparece pela morte física renova o planeta;

k – A chave do progresso da Humanidade inteira será o momento em que todos os povos que nela coabitam estiverem no mesmo nível (evolutivo), no tocante ao sentimento do bem, bons Espíritos, fraternalmente unidos;

l – Comparando-se duas ou mais nações, evoluídas materialmente, considerar-se-á como mais avançada aquela: “[…] onde exista menos egoísmo, menos cobiça e menos orgulho; onde os hábitos sejam mais intelectuais e morais do que materiais; onde a inteligência se puder desenvolver com maior liberdade; onde haja mais bondade, boa-fé, benevolência e generosidade recíprocas; onde menos enraizados se mostrem os preconceitos de casta e de nascimento, por isso que tais preconceitos são incompatíveis com o verdadeiro amor do próximo; onde as leis nenhum privilégio consagrem e sejam as mesmas, assim para o último, como para o primeiro; onde com menos parcialidade se exerça a justiça; onde o fraco encontre sempre amparo contra o forte; onde a vida do homem, suas crenças e opiniões sejam melhormente respeitadas; onde exista menor número de desgraçados; enfim, onde todo homem de boa-vontade esteja certo de lhe não faltar o necessário”;

m- Uma sociedade depravada precisa de leis mais severas; a educação transforma os homens e as leis se abrandam e os homens as reformam pela força mesma das coisas e pelos seres que as guiam na senda do progresso

O papel do Espiritismo

De maneira prospectiva – como está em diversos tópicos das 32 obras de Allan Kardec – os Luminares Espirituais apresentaram um conjunto de afirmações que poderão ser reais e verossímeis, caso cada individualidade e o conjunto de entusiastas da “causa espírita”, resolva(m) concorrer para a disseminação das ideias de progresso que o Espiritismo encerra, mas não somente em termos de crenças e entendimentos pessoais, calcados no pensamento e na palavra, mas, fundamentalmente, na prática e na efetiva construção de novas sociedades.

Para efeito de relembrança, vamos destacar, na parte final deste ensaio, alguns apontamentos que são relevantes e que podem ser úteis na organização de agrupamentos ou coletivos espíritas, neste importante período da nossa trajetória (individual e coletiva) sobre a Terra.

São eles:

1-O Espiritismo se tornará “crença geral” (não no sentido de uma “religião majoritária”, mas na acepção de que as Leis Espirituais serão melhor compreendidas pela grande massa humana e os princípios que o Espiritismo consagrou serão de conhecimento comum) e marcará uma nova era para a Humanidade, ocupando espaço dentro dos conhecimentos humanos, pois ele está na Natureza;

2- Enfrentará, a Filosofia Espírita, grandes lutas, mais contra o interesse do que a convicção, havendo seres que o combatem e combaterão por mero amor-próprio (inclusive o derivado de ideologias, crenças ou religiões) ou por interesses materiais;

3- A maior contribuição do Espiritismo para o progresso é em relação à destruição do materialismo, uma das chagas sociais, fazendo com que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Assim, ele concorrerá decisivamente para a eliminação das diferenças derivadas dos preconceitos de seitas, castas e cores, ensinando e praticando a solidariedade entre os Espíritos;

4- A conscientização dos homens e dos povos em relação às Leis Espirituais não é tarefa divina, por meio de prodígios (como consta, aliás, do item 802 da obra primeira), nem será obra dos Espíritos (desencarnados), por meio de fenômenos mediúnicos, mas terá grande importância, para o convencimento individual e coletiva, a ciência acerca das manifestações espíritas, mas sempre deixando ao mérito do homem o convencimento pela razão.

Por isto, sempre é bom recordar de uma assertiva dos Espíritos Superiores, que deve ser o instrumento que nos encoraja e anima para a continuidade do esclarecimento pela divulgação das ideias espiritistas, assim como para a efetiva influência sobre aqueles que ainda não conhecem as questões que o Espiritismo explica: “As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas ideias pouco a pouco; germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades novas e com as novas aspirações” (Resposta à questão 783, de “O livro dos Espíritos”).

É preciso, pois, estar atento para perceber os primeiros sinais desta grande mudança, já que o período da germinação das ideias novas e transformadoras, construtoras do progresso (individual e social) parece estar adentrando a uma fase importante, inclusive diante das iniquidades que estavam adormecidas e que, nas duas últimas décadas voltaram a assolar a Humanidade e os povos que estavam diante de conquistas democráticas reais. O “carunchoso edifício do passado” precisa ser demolido para dar lugar a outro, novo, moderno e com utilidades e efetividade, para que nele habitem os “homens de boa vontade”.

Mãos, portanto, à obra, espíritas!

Imagem Hugo Ramos-  Unsplash

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