Emancipação da mulher: a contribuição espírita ao tema, por Milton Medran Moreira

Tempo de leitura: 4 minutos

Por Milton Medran Moreira

Foto de Priscilla Du Preez na Unsplash

Em 8 de março, celebra-se o Dia Internacional da Mulher. A partir da ideia básica de que o espírito não tem sexo, podendo encarnar tanto como homem como mulher (questão 202 de O Livro dos Espíritos), a filosofia espírita posicionou-se, desde seu nascimento, como defensora da plena igualdade de direitos entre o homem e a mulher.

Direitos Iguais – uma utopia do século 19

Quando, em meados do Século J9, O Livro dos Espíritos (1 edição em 1857 e segunda em 1860), obra fundadora da filosofia espírita afirmava que homem e mulher, ”sendo iguais diante de Deus, devem sê-lo também diante da lei humana” e que “uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos entre o homem e a mulher” (questões 822 e 822a), a proposta social de Allan Kardec e de seus interlocutores espirituais soava como uma verdadeira utopia.

Basta se atentar, por exemplo, para o fato de que as primeiras ativistas pelo direito ao voto feminino, na Europa, as “suffragettes”, do Reino Unido, só iriam iniciar campanha nesse sentido em 1897, animadas pela conquista das mulheres da Nova Zelândia, que, em 1B93, se tomara o primeiro pais da mundo a garantir a sufrágio feminino, graças ao movimento liderado por Kate Sheppard (1847/1934) A luta das mulheres inglesas se prolongaria por décadas, pais só em 1918, com a aprovação do Representation of the People Act, se implantaria o voto das mulheres, naquele país.

Não foi diferente em todos os outros países do Ocidente: Nos Estados Unidos, somente em 1920, uma emenda constitucional permitiu o voto feminino, sendo que o direito não atingia as mulheres negras às quais ele só foi estendida em 1 964. Em Portugal, a prerrogativa foi reconhecida em 1911, mas somente a mulheres maiores de 21 anos e que fossem chefes de família. No Brasil, o voto feminino só seria introduzido em 1932.

Outros direitos, hoje inteiramente reconhecidos às mulheres, no Brasil, como a frequência a cursos superiores, o exercício de uma profissão (por muito tempo, exigia-se autorização paterna ou marital), a candidatura a cargos públicos, a chefia familiar, em parceria com o cônjuge, foram conquistas só paulatinamente reconhecidas ao curso do Século XX, e plenamente consolidadas pela Constituição de 1988.

Espiritismo – doutrina de vanguarda

Além de claramente assentado o direito de igualdade das mulheres, em O Livro dos Espíritos, o vigoroso movimento espírita que se desenvolveu em países europeus, nas décadas finais do Século 19, alinhou-se a todas as reivindicações sociais, envolvendo valores de igualdade e liberdade, com particular ênfase à conquista de direitos até então sonegados às mulheres.

Assim, no I Congresso Espírita Internacional de Barcelona (1888), uma de suas Conclusões, a de número 5, deixou consignado: “O Espiritismo deve se tornar uma ciência social, visando resolver os problemas humanitários seguintes: – de educação e de instrução integral para os dois sexos: – de legislação: – de propriedade: – de mutualidade; – de associação; – de fraternidade”.

Congresso Hispano-Americano de Espiritismo de 1892, em Madri, teve especial destaque o trabalho “Memória sobre a Conveniência da Redenção e Reivindicação Femininas”, de Angeles López Ayala (1858/1926) ativista republicana, livre-pensadora, com propostas hoje inteiramente compatíveis com o que se denomina feminismo. Em sua peroração, proclamava ela: ”Ajudem-nos, então, irmãos, a estabelecer o domínio da justiça e a razão; contribuam para a nossa regeneração e reclamação moral e social, protejam-nos na nobre conquista de nossos justos direitos, e os lampejos de nossa gratidão irão produzir um nimbo luminoso no centro do qual, em letras formadas por sóis resplandecentes, as gerações futuras lerão: Honra ao Espiritismo, que soube defender a justiça e a igualdade”.

Em ambos os grandes congressos (Barcelona e Madri), reunindo milhares de espíritas europeus e das Américas, teve destacada participação a insigne escritora sevilhana, poeta e também defensora dos direitos da mulher, Amalia Domingo Soler (1835/1909), grande dama do espiritismo espanhol.

Quando a força faz o direito – nossa opinião

É inegável o progresso das legislações humanas, pelo menos nos países de cultura judaico-cristã, onde o secularismo avançou enormemente sobre o fundamentalismo religioso, experimentado no campo da proteção à mulher e no reconhecimento de seus direitos igualitários.

O Século XX fez grandes progressos no campo legal. Mas nem sempre o Direito prevalece sobre os fatos. Também nem sempre, o Estado tem mecanismos suficientes para fazer com que seja superado o que os Espíritos mencionaram a Kardec como “o domínio injusto e cruel que o homem impôs sobre a mulher”, como “resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza”, eis que “para os homens pouco avançados do ponto de vista moral, a força faz o direito”. (L.E, q.818).

O atraso moral presente em amplas camadas de todos os extratos sociais e econômicos, entre nós, faz com que persistam, em níveis assustadores, os casos de violência contra a mulher. Praticados, via de regra, na intimidade do lar, se estendem por anos a fio e, não raro, terminam em morte. Os casos de feminicídio, no Brasil, estão atingindo números muito expressivos.

Dados ainda do ano de 2022, disponibilizados pelo Fórum de Segurança Pública, dão conta de que, naquele ano, 699 casos foram registrados, somente no primeiro semestre, entre janeiro e junho, o que representa uma média de quatro mulheres mortas por dia. Segundo dados fornecidos recentemente pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, a cada minuto, oito mulheres sofrem violência em nosso país.

Vê-se, assim, que o puro e simples reconhecimento da igualdade jurídica da mulher, valiosa conquista do último século, indicador da vigência da Lei de Progresso, que a filosofia espírita admite impulsionar a sociedade, não eliminou os efeitos da prevalência da força sobre o Direito. Há muito que se trabalhar no campo da ética. Filosofias humanistas e, notadamente, como o Espiritismo, fundadas na imortalidade do espírito e suas consequências transformacionais, podem contribuir muito no campo da eliminação da barbárie, da violência, e na prevalência do Direito sobre a força.

Publicado originalmente no Jornal Opinião, ano XXIX, n° 315, março 2023, órgão do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre – CCEPA.

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