Censura: O que o Espiritismo tem a nos dizer sobre isso, por Jacira Jacinto da Silva

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Há uma receita usual para nortear a conduta humana, que consiste em encontrar o limite para a nossa liberdade no direito do outro.

“A censura é inimiga feroz da verdade. É o horror à inteligência, à pesquisa, ao debate, ao diálogo. Decreta a revogação do dogma da falibilidade humana e proclama os proprietários da verdade”, Ulysses Guimarães.

À luz da Filosofia Espírita, pode-se dizer que a censura se contrapõe à liberdade com responsabilidade. Esse dueto inseparável é a mola propulsora da autonomia, capaz de produzir pessoas de bem, seres humanos cônscios de seus deveres no ritmo da vida. Fora desse par, pode-se produzir aparência ou hipocrisia. Assim entendido o princípio básico do Espiritismo – livre arbítrio balanceado pela noção de responsabilidade, não há lugar para a censura.

Essa intrigante questão não costuma ser bem digerida no meio religioso, pois as religiões, em regra, são as detentoras de verdades absolutas e inegociáveis; afinal, trabalham com a “palavra de Deus”, de modo que ninguém, jamais, poderia ousar contestá-la.

Logo se vê que de Espiritismo não se trata, considerando que a Filosofia Espírita se pauta por humanismo, pluralidade, solidariedade, compreensão, altruísmo, esperança, confiança e muitos outros atributos relacionados ao amor e à benevolência. É, pois, libertária e propõe o nosso crescimento intelecto moral, tendo como pressuposto a liberdade, o livre pensar, a oportunidade para novas descobertas e, acima de tudo, o progresso – totalmente incompatível com a mordaça, o conservadorismo e a condenação.

Considerando o contexto em que foi elaborado o Espiritismo – meados do Sec. XIX –, nota-se o avanço do pensamento em relação àquela época, bem como a condução das lições para a produção de autonomia, na medida em que não se propõe censuras, castrações, limitações ao desenvolvimento do intelecto, ou qualquer tipo de peia ao comportamento humano. Nas poucas vezes em que as questões sugerem censura, as respostas são contundentes na direção oposta. Analisem-se alguns desses casos a seguir (“O livro dos Espíritos”):

Q. 655: É reprovável praticar uma religião na qual não se acredita no coração, quando se faz isso por respeito humano e para não escandalizar os que pensam de outra maneira?
R: A intenção, nisso como em tantas outras coisas, é a regra. Aquele que não tem em vista senão respeitar as crenças alheias não faz mal: faz melhor do que aquele que as ridicularizasse, porque esse faltaria com a caridade. […]
Q. 719: O homem é censurável por procurar o bem-estar?
R: O bem-estar é um desejo natural. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação, e não considera um crime a procura do bem-estar se este não for conquistado às expensas de alguém e se não enfraquecer as vossas forças morais nem as vossas forças físicas.
Q. 906: É repreensível aquele que, fazendo conscientemente o bem, reconhece que o faz?
R: Desde que pode ter consciência do mal que fizer, deve tê-la igualmente do bem, a fim de saber se age bem ou mal. […]

A tônica, como se vê é a da liberdade, sempre atravessada pela noção de responsabilidade, o que sugere uma mudança consciente de comportamento, por força do esclarecimento e nunca pela força, como propõem aqueles que desejam cercear o livre arbítrio.

Alguém poderia argumentar que deixar fluir livremente as expressões do pensamento poderia corresponder ao anarquismo, levando pessoas a prejudicarem as outras, mas o limite é a lei. Cabe ao legislador tipificar como crime as condutas inadmissíveis, assim como impor sanção civil quando o direito alheio é lesado. Mesmo assim, cada um responde pelos seus atos, tanto no campo criminal, como no civil ou ético, valendo, como fundamento, a mesma proposta de liberdade com responsabilidade.

Outro argumento pode ser contraposto pelos conservadores, alegando possível lesão aos princípios morais, o que não se descarta, já que, no exercício da liberdade, qualquer ser humano pode se exceder. Entretanto, maior seria a razão para vivermos em liberdade, já que essa prática leva às consequências boas ou más, das quais certamente extrairemos muito aprendizado e, assim, paulatinamente cresceremos, aprenderemos e evoluiremos. Ao contrário, o falso moralismo, que supostamente impede essa “ofensa à moral comum”, não produz pessoas íntegras ou evolução social; muito diferentemente, contribui para as ações clandestinas, para os engodos e a hipocrisia.

Alguns temas, por incrível que possa parecer, ainda são tabus na sociedade contemporânea, mas se não se puder falar sobre eles, continuarão obscuros e serão tratados pelas vias marginais, ensejando mais hipocrisia.

Por todo ângulo que se analise, adiro ao entendimento de que a censura não se alinha às práticas produtivas. Seja pelo olhar das ciências sociais, seja pelo viés espírita, cumpre-nos agir com muita verdade e espontaneidade seja qual for o problema a enfrentar. Nada mais digno e ético do que “colocar as cartas na mesa”, ou seja, enfrentar abertamente o desafio, explorando-o até encontrar o melhor encaminhamento.

Para mim, a melhor opção será sempre defender a liberdade, nunca a censura. Mas, então não existiria limite para o exercício da liberdade? Certamente muitos exemplos podem ser mencionados sobre restrição legítima à liberdade. Importa lembrar que há uma receita usual para nortear a conduta humana, que consiste em encontrar o limite para a nossa liberdade no direito do outro.

Focando a questão na liberdade de expressão, poder-se-ia imaginar que falsear a verdade, agredir, ofender, caluniar, submeter uma pessoa a vexame, sempre configurará ilícito e não mero exercício da liberdade.

Imagem Unplash 

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