Allan Kardec, por Cairbar de Souza Schutel

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Allan Kardec

Cairbar de Souza Schutel

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Qual outro Espírito teria a competência bastante, o tino investigador e elucidativo para levantar esse grande monumento que se acha representado nas obras de Allan Kardec?

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O vulto  mais eminente do Cristianismo, depois do seu excelso Fundador — Jesus — é, sem dúvida alguma, João Batista.

Profeta de alta linhagem, revolucionário do fogo e da água, nele se cumpriu a previsão de Malaquias quando se referiu a Elias, como predecessor do Filho de Deus que viria aparelhar o caminho, desbastar os abrolhos, afastar as urzes, para que as multidões se encaminhassem à Fonte de Água Viva que devia desalterar-lhe e saciar a sede de amor e de sabedoria que aniquilava as almas.

Humilde, simples, claro, conciso, austero, mas daquela austeridade cheia de virtudes ativas, o Profeta do Deserto, apareceu em tempos mui similares aos que atravessamos atualmente, para convidar o povo a regeneração dos costumes, a remodelação do espírito, como condição indispensável à recepção da Palavra daquele Enviado do Céu que vinha pôr um termo ao velho mundo e iniciar na Terra uma nova Era de progresso intelectual e moral.

Sem dogmas, sem ritos, sem cultos exteriores e aparatosos, o vulto respeitável de João, coberto de peles, saiu do deserto como o rei das selvas bramindo, agitando as pedras que se interpunham ao seu caminho, abatendo, com a sua palavra de fogo, as árvores seculares, que longe de frutificar esterilizavam as estâncias, enfim aterrando vales e arrasando outeiros, para que os caminhos tortos se fizessem direitos, e os escabrosos planos!

E dizia às multidões escravizadas aos cultos e submissas aos sacramentos que a ele vinham para serem batizadas: “Raça de víboras, quem vos recomendou que fugísseis da ira vindoura? Dai, pois, frutos de arrependimento e não comeceis a dizer dentro de vós — temos como pai a Abraão — porque vos declaro que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. O machado está posto sobre a raiz das árvores: toda a árvore, pois que não der bom fruto, é cortada e lançada ao fogo.”

E nas suas substanciosas exortações, que eram acolhidas com respeito e admiração pelos filhos do povo, transformava viciosos em virtuosos, publicanos em espíritos nobres e desinteressados, soldados de má casta e de reputação duvidosa, em homens de bem, satisfeitos com o seu soldo!

A tarefa de João como Apóstolo predecessor do Cristianismo, o que lhe valeu o título de Batista, é admirável! como profeta, foi o Anjo escolhido para, na terra, anunciar o aparecimento do Messias.

Aquele Espírito extraordinário que havia margeado outrora o Jordão e subido ao Carmello; aquele gênio intemerato que ao som da sua voz as águas se repartiam, e ao fervor das suas preces as chuvas detinham-se ou regavam a terra e o fogo descia do Céu, aquele Espírito poderoso e altivo ante os grandes e poderosos, e humilde e bom ante os pequeninos, não podia deixar vago o lugar que só a ele competia ocupar, para como um poderoso holofote, iluminar às gentes a era nova com que o Cristianismo em suas primeiras alvoradas marcava o início do reinado de Deus, com as suas bases inamovíveis que o Cristo proclamou.

“De fato ele é o Elias que devia vir”. Devia vir e veio, começou a sua tarefa, mas não terminou, porque sua tarefa “é restaurar todas as coisas”. Veio em Elias, demonstrou o seu poder, a sua força, a sua luz; veio em João Batista, passou como um meteoro pela terra, revolvendo a massa fermentada das convenções e dos preconceitos, dando uma alma nova a geração de então; veio finalmente com outra libré e em tempos mais favoráveis, reunindo, estudando, selecionando todos os fatos do passado e que se repetem no presente, e no caráter de maior dos Profetas como intitulou o Filho de Deus, codificou esta grande Doutrina, esta grande Filosofia que se ostenta luminosa, amparada no pedestal dos fatos inconcussos e irrefragáveis que constituem os melhores testemunhos da Imortalidade, da Vida Eterna, pivot maravilhoso sobre o qual se movem num evoluir perpétuo — a ciência, a filosofia, a religião.

E qual outro Espírito teria a competência bastante, o tino investigador e elucidativo para levantar esse grande monumento que se acha representado nas obras de Allan Kardec?

Conhecedor de todos os mistérios da profecia e do mediunismo, assim como de todas as manifestações metafísicas e metapsíquicas, que nos diz a história haver ele produzido, não podia deixar de lhe ser confiada a alta missão, cuja epopeia de amor a humanidade de amanhã glorificará.

Ele é deveras o Elias que devia vir, que veio e que virá para completar a sua missão, ou seja “restaurar todas as coisas”.

Nós, que tivemos a felicidade de lhe compreender os ditames e, auxiliados pelos Poderes Superiores que dirigem o movimento de Espiritualização dos povos nos aproximar desse Gênio extraordinário, não festejamos a sua vinda senão pelas luzes que fez e deixou iluminando o mundo, mas sim o seu breve e futuro aparecimento, e desde já o saudamos respeitosamente com as breves e singelas expressões da Escritura que não passa: Bendito aquele que vem nome do Senhor.

Matão, 2 de Outubro de 1926

Publicado no jornal “O Clarim”, de outubro de 1926.

Imagem de Nivaldo Martins por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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2 thoughts on “Allan Kardec, por Cairbar de Souza Schutel

  1. Cairbar era um bardo das letras, este texto primoroso comprova sua veia literária. A passagem sobre a vida de João Batista é plena de símbolos, metáforas que precisam de atenção exegética. “Voz do que clama no deserto, endireitai as veredas do Senhor”. Mais do que a imagem física do deserto árido e seco onde o Batista fizera morada, o deserto onde ecoava-lhe a voz era a consciência humana, refratária aos “apelos” dos Céus, preocupada em viver as ilusões imediatistas e efêmeras que desaparecem como a névoa a se dissipar ao calor do sol.