Wilson Custódio Filho
***
A verdadeira batalha é contra nossos próprios monstros internos. Eles são, a todo momento, presididos pelo ego humano. É importante termos a plena ciência de que não adianta atacar moinhos, acreditando que eles sejam gigantes inimigos do nosso imaginário.
***
Estaria certo o dito popular: seria o mal o remédio? Aliás, o que é o mal? Quem sabe o bem não seja seu contraponto? Penso, então, que o mal não existe por si só, mas apenas revela onde o bem está ausente.
Allan Kardec, a propósito, questionou das Inteligências Invisíveis: “A perversidade do homem é bastante intensa, e não parece que ele está recuando, em lugar de avançar, pelo menos do ponto de vista moral?”. E elas lhe responderam: “Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que ele avança, pois vai compreendendo melhor o que é o mal, e dia a dia corrige os seus abusos. É preciso que haja excesso do mal, para fazer-lhe compreender a necessidade do bem e das reformas” (questão 784, de “O livro dos Espíritos”).
Então, sabe aqueles dias em que tudo ao seu redor parece preto e branco, sem absolutamente nada de cor? Tudo parece incerto e o que é considerado correto soa errado, e até a quietude nos inquieta. Sim, é exatamente nesse tipo de momento que os mais religiosos costumam nos dizer: “Faça uma prece”. Pois bem, foi assim, que, por coincidência, escolhi “Caça às Bruxas”, um filme de 2011, dirigido por Dominic Sena.
Enquanto assistia a obra cinematográfica, me vi imerso em profundas reflexões. O filme, de forte cunho religioso, se passa no período das Cruzadas, quando a Igreja Católica, em nome de Deus, legitimava práticas como fogueiras e enforcamentos, frequentemente associadas, “na narrativa”, à caça às heresias e à bruxaria.
O enredo nos leva a acompanhar a jornada de dois soldados que, além de amigos incondicionais, transformam os combates em uma disputa quase lúdica para ver quem tiraria a vida de mais inimigos.
Após anos de luta, Behmen (interpretado por Nicolas Cage) e Felson (vivido por Ron Perlman), exaustos e diante da morte de amigos, da fome, das pestes e da miséria avassaladora causada pelas guerras, resolvem depor a bandeira da Santa Fé.
No entanto, o que mais me chamou a atenção foi uma conversa entre os dois durante a batalha de Artah, em 1339 d.C., contra os turcomanos. Em um momento de reflexão, Felson pergunta: (Vale notar que, historicamente, a batalha de Artah ocorreu em 20 de abril de 1105, mas o filme utiliza outra data como licença criativa) — Já teve a sensação de que Deus tem inimigos demais?
Behmen, com a experiencia de quem já tinha enfrentado inúmeras batalhas e vivido uma imensidão de sofrimentos, responde: — Ser amigo d’Ele também não é fácil.
Analisando o texto supracitado, percebemos que até o mal, por vezes, se cansa e hesita, voltando seu olhar para o bem, como quem busca repouso. Behmen, com sua experiência de batalhas e sofrimentos, parece personificar essa ideia ao questionar a natureza de suas ações e buscar um sentido para além da violência.
Pois é, caros amigos, aproveitando a deixa: como dizia minha querida mãe, com a sabedoria peculiar a todas as mães: “Não há mal que dure para sempre.
Sem o desejo de me aprofundar no assunto, mas voltando os olhos para a sociedade brasileira — pois o mundo inteiro eu não alcanço —, me parece que há uma banalização do bem em prol da institucionalização do mal. E quanto a nós, espíritas, qual seria a nossa parcela de coparticipação?
Essa percepção se intensifica quando observamos a defesa – tanto política quanto religiosa – de ideais fascistas, ditatoriais, narcisistas e exclusivistas. Enquanto a Fênix, na mitologia grega, segue renascendo das cinzas para um novo começo, certos grupos, movidos pelo dístico da “Pátria do Evangelho” e aliados a distorções de entendimentos, parecem, pelo contrário, se lançar de forma consciente e firme nas “trevas” do retrocesso.
Mas entre esses grupos, o que mais me espanta é a postura de diversos membros da comunidade espírita, à qual pertenço, que contradizem o princípio fundamental de que “o Espírito não retrocede”. Parecem estacionados, inertes mediante a influência egocêntrica de seus representantes, que, em verdade, são seus sósias – tanto os representantes políticos quanto os “medalhões” espiritistas, cujas ideias reverberam em suas consciências.
Retornando ao ponto em questão, em uma reunião mediúnica na instituição que frequento, perguntou-se: ‘Por que alguns indivíduos persistem na conivência com o mal feito? Respondeu-nos um Espírito Amigo: “Não raro, muitos, acreditando-se fazer o bem, mal sabem que são agentes do mal”. Ora, então, “Quem tem olhos para ver, que veja” (Mt; 13:9).
Mas o que tudo isso tem a ver com o filme que antes mencionamos? Em realidade, a reflexão sobre a verdadeira guerra que travamos dentro de nós mesmos — isto é, o conflito entre a busca pela paz e a tentação da violência — é muitas vezes associada à visão de filósofos como Albert Schweitzer.
Assim como figura em “Dom Quixote de La Mancha”, passando pelo crivo da razão, reconhece-se que, em um plano de imperfeições, a verdadeira batalha é contra nossos próprios monstros internos. Eles são, a todo momento, presididos pelo ego humano. É importante termos a plena ciência de que não adianta atacar moinhos, acreditando que eles sejam gigantes inimigos do nosso imaginário.
Bem e mal, amor e ódio, guerra e paz — a essa altura do campeonato, amigos de doutrina, não há mais como alegarmos cansaço, como fizeram Behmen e Felson: ou amamos a Deus, ou servimos a Mamon. Que tal retornarmos ao bom senso, que bem conhecemos, isto é, Allan Kardec?
Pois é… Por fim (que não se encerra), cito o seguinte trecho de “A Gênese” (Capítulo III, Item 7), em sua edição original, recuperada:
“Mas, Deus, cheio de bondade, colocou o remédio ao lado do mal; quer dizer, do próprio mal faz nascer o bem. Chega um momento em que o excesso do mal moral se torna intolerável e faz o homem sentir a necessidade de mudar de vida. Instruído pela experiência, sente-se obrigado a procurar no bem o remédio que precisa, sempre em virtude de livre-arbítrio”.
Mais uma vez, Allan Kardec nos convida: sigamos!
Referências:
KARDEC, A. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Obra Original de 1868. Trad. Carlos de Brito Imbassahy. São Paulo: FEAL, 2018.
KARDEC. O evangelho segundo o Espiritismo. Trad. J. Herculano Pires. 20. Ed. São Paulo: LAKE, 1998.
KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.
Imagem de Sasin Tipchai por Pixabay