Sobre Escolas e Maçãs, por Maria Cristina Riv

Tempo de leitura: 5 minutos

Maria Cristina Rivé

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A maçã podre não apodreceu, foi apodrecida! Negaram a ela o sol, o sol do conhecimento, o qual poderia despertar as habilidades inatas dessa “fruta”. Sem o sol, a maçã deixa de se transformar em energia, que nutre e corre por todos os poros do ser e faz com que a sua força emerja e transforme o seu habitat.
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É preciso ir contra os atos, não ir contra as pessoas. É preciso educar. É trabalhoso, é desgastante e, às vezes, dá uma sensação de perda, uma enorme frustração; contudo a educação é a meta nesse mundo tão hostil, tão contraditório, pouco afeito às dores alheias. Ao medir dores e calar o meu opositor, deixo a violência tomar conta de tudo aquilo que me maltrata.

Ser professora! Qual a função? Acredita-se que seja soerguer a criança, o jovem para que acredite em si mesmo.

Nosso objetivo será sempre o de ouvir e respeitar as dores e os sentimentos alheios. Não temos como intuito a exclusão, o uso da força, o menosprezo. A medição dos sofrimentos e das experiências de cada indivíduo pode nos dar uma falsa sensação de justiça, visto que o objetivo da vida, do contrário seja aprender – aprender a conviver e a respeitar a evolução de cada ser, respeitar sua etapa, seu tempo. Então, quem de nós pode dizer que o outro é uma “maçã podre” e deve ser retirado do convívio?

Não! A Escola não possui esse objetivo, não trabalhamos com esse viés. Não julgamos e, menos ainda, excluímos. São os doentes, os doloridos da vida que precisam ser amparados. Nossos alunos? Em seus ouvidos devem ser sussurradas palavras de estímulo que os levem à superação, ao fortalecimento moral e que os façam enfrentar os desafios, a fim de modificar a perspectiva violenta na qual e com a qual sempre viveram.

Nossos alunos possuem histórias extremamente doloridas. É fome, é miséria, é abandono, é doença física, é doença mental. A doença que grassa em nossa sociedade os atinge em cheio, pois são mais vulneráveis, talvez pelas dificuldades materiais, familiar ou alguma outra que não sabemos precisar.

São crianças e adolescentes e vários deles nunca receberam um olhar de compaixão para consigo e com suas dificuldades. Não aceitaremos que venham dizer que devemos retirá-los, apartá-los do convívio escolar. Não o faremos, porque apesar de não concordarmos com muitas de suas atitudes, é esse o mundo em que eles vivem, o único que conhecem. Não o faremos! Somos professores, somos educadores em primeiro lugar, mesmo não sendo perfeitos – nem termos a pretensão de ser. Aprendemos juntos e aprender é um processo lento, repleto de erros, de tombos, de insatisfações cometidas em busca de aprender, mas, sobretudo, da imensa felicidade de não desistir de olhar para a frente, porque acreditamos, pois o caminho trilhado nos diz que vale a pena. A distância entre o querer e o aprender pode ser pequena para alguns, no entanto para a maioria é longa, cheia de obstáculos e de privações.

Não! A Escola está repleta de desafios, novos conceitos, novas necessidades, as quais estão muito difíceis de lidar. Estamos em uma tempestade e o barco parece estar à deriva, mas a força humana que nos preenche não nos deixa desistir. Não, não somos policiais, porque não estudamos para prender e tirar a esperança. Não, não somos juízes, porque não estudamos para julgar…

Estudamos para entender, para inspirar, para dizer e mostrar àqueles que por nós passam o conjunto de suas capacidades. “A vida é luta renhida, viver é lutar” e nós não somos fracos para sermos abatidos, somos bravos como os tamoios e a vontade é muito maior que os percalços. Assim, não nos peçam para separar a “maçã podre”, porque é por essa que levantamos todos os dias. A Escola é o Sol que ilumina as almas e a chuva que irriga os caminhos para brotar a vida. A Escola dá o impulso à semente que germina, inexoravelmente, visto não abandonarmos as criaturas que chegam até nós. Nosso compromisso não tem tempo, não tem espaço!

Essa é a exigência de nossa profissão. O Professor dá a via, retirando dos obstáculos a força para impulsionar seu pupilo, e na sua busca inspira a esperança e mostra a dignidade do aprender. Diz-lhe que pode, que vai e que o futuro é o agora! Não, não nos peçam para “matar”, pois não matamos, damos vida, não somos os culpados por essa visão diminuta da sociedade em que quem pode mais deve chorar menos. A sociedade é e será para todos. Levem suas pendengas daqui. Porque nós vamos amparar. A Constituição Brasileira dá o direito à educação para todos. Não seremos nós os que iremos lhes privar.

A violência maior é aquela que sabe, mas não quer entender e somente vê a sua dor como dor. Acredita somente em seus sofrimentos; todavia, sofrimento não se mede. Como medir experiências? A minha, a tua? São experiências individuais, portanto, sem possibilidade de medição. Não menospreze as mazelas alheias, nem tudo aquilo que foi pelos outros vivido. Por acreditar que as experiências das pessoas não foram tão marcantes quanto as tuas, não faças da tua dor o teu ódio, a atingir a história do outro. Não menospreze as dores alheias, porque elas não te pertencem. Tua caminhada foi difícil? A de todos é. Não sabemos o quanto é difícil para o vizinho deixar a sua grama verde. Talvez, não saibamos as lutas superadas para tal intento e os que veem de fora imaginam ser fácil. Não menosprezemos quaisquer forças. As relações sociais não podem ser de ódio, aquelas baseadas no “olho por olho, dente por dente”…

Vamos deixar o ódio para quem tem. Uma atriz norte americana, expoente de sua geração, há poucos dias falou que “a gente precisa ver a materialização de nossos sonhos”. E o quanto precisamos! Trabalhamos com valores morais e éticos. Não promovemos a competição, mas a cooperação. O olhar solidário, o pensamento fraterno. Em nossa escola temos cento e cinquenta crianças/adolescentes por turno. Todos com suas mazelas, suas angústias, suas histórias. Umas sofrem mais, outras menos? Não podemos dizer, porque não sabemos. Todo caminho possui buracos e pedras e recebe a visita de temporais, mas o sol nasce também. Há abraços, há conselhos e há histórias. E o efeito? Se não houvesse, não faríamos. Vemos? Às vezes, já que o tempo é breve e a hora urge…

Dessa forma, fica a mão a consolar e boca a dirigir a palavra: são atos, muitas vezes sutis, para que percebam que com eles nos importamos. O que fazemos talvez não seja o suficiente, mas é o que conseguimos realizar. Mas, nossos ouvidos estão sempre atentos e nossos olhos giram rapidamente, para que nenhum deles fique de fora.

Não excluiremos como fomos excluídos! Não causaremos dores – nossas marcas serão as buscas pela paz, pela educação ético-moral da qual a sociedade carece. A cada destruição, estaremos nós a plantar a semente da busca pela paz e pelos valores morais mais caros a nós: inclusão, respeito, dignidade, vida, felicidade, paz, afeto, saúde e educação a todos.

A maçã podre não apodreceu, foi apodrecida! Negaram a ela o sol, o sol do conhecimento, o qual poderia despertar as habilidades inatas dessa “fruta”. Sem o sol, a maçã deixa de se transformar em energia, que nutre e corre por todos os poros do ser e faz com que a sua força emerja e transforme o seu habitat.

A fruta sem o sol não se desenvolve, não cresce e não cumpre o seu objetivo. Não neguemos às flores e aos frutos o seu florescer e frutificar, da mesma forma que não vamos negar aos nossos alunos o despertamento proporcionado pelo convívio. A responsabilidade, contudo, é de todos!

Se lhe foi negado o florescer ou o frutificar, tendo sido ela, antes, deixada ao apodrecimento de sua essência, façamos novo adubo, a partir de novas experiências voltadas à conquista pessoal de cada um e que essa seja a força a contribuir, com seu sumo, à florescência de uma sociedade mais sadia, posto que mais humana.

Aprendamos: a vida é caminhar, a vida é educar e educar é amar.

Imagem de Steve Buissinne por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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