Oliver Harden
***
A autoajuda não ajuda, apenas distrai. Distrai do essencial: a tarefa de pensar a si mesmo sem tutores, a coragem de ser sem fórmulas, o risco de existir sem garantias.
***
Vivemos na era do comércio das almas. Não mais se vendem tecidos, especiarias ou metais raros, mas ilusões devidamente embaladas em frases de efeito, em livros coloridos e palestras que prometem um céu acessível mediante o simples gesto de “pensar positivo”. O mundo moderno, ansioso por respostas rápidas, converteu o sofrimento humano em mercadoria e a ignorância em lucro. Eis o triunfo dos mercadores da autoajuda, esses demiurgos de almanaque que transformaram a complexidade da alma em estatística de mercado.
A autoajuda, em sua forma contemporânea, é o sintoma mais refinado da superficialidade: pretende curar a angústia sem atravessá-la, pretende alcançar o sentido da vida sem interrogar o abismo. É a religião do conforto, a psicologia do espelho, o sacramento do narcisismo. Seus sacerdotes não exigem fé, exigem seguidores. O altar é o palco, a pregação é a venda, o milagre é a multiplicação de visualizações.
Esses pregadores do óbvio revestem-se de uma pseudociência das emoções. Falam em mindset, em “vibrações elevadas”, em “atrair o que se deseja”, como se a existência fosse uma espécie de catálogo cósmico, bastando folhear o universo e escolher o próprio destino. Ignoram o trágico, o imprevisível, o inconciliável que habita a alma. Acreditam que a consciência humana cabe num gráfico, que o amor pode ser mensurado, que a dor pode ser domesticada com frases motivacionais impressas em canecas.
O ser humano, no entanto, não é um algoritmo otimista. Somos compostos de contradições, de zonas de sombra, de feridas incuráveis que constituem o que há de mais autêntico em nós. A tentativa de eliminar o sofrimento não nos torna sábios, mas rasos. A felicidade, quando transformada em meta, converte-se em tirania. E é precisamente essa tirania que sustenta a indústria dos sorrisos forçados, a qual vive da frustração que ela mesma fabrica.
Há, em cada livro de autoajuda, uma promessa infantil de redenção sem culpa, de crescimento sem esforço, de iluminação sem noite escura. Mas nada se ilumina sem atravessar as trevas. Nietzsche dizia que é preciso ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante. Os mercadores da autoajuda, por sua vez, vendem estrelas de plástico, brilham no escuro, mas não aquecem ninguém.
Esses apóstolos do “você pode tudo” esquecem que há grandeza em não poder, em não saber, em não ser perfeito. A verdadeira sabedoria começa onde termina a ilusão do controle. A dor, quando pensada, é mestra; quando negada, é cárcere. A vida, quando reduzida a um manual de otimismo, perde o mistério e, com ele, a profundidade que nos humaniza.
Em última instância, a autoajuda não ajuda, apenas distrai. Distrai do essencial: a tarefa de pensar a si mesmo sem tutores, a coragem de ser sem fórmulas, o risco de existir sem garantias. O ser humano não precisa de manuais, mas de consciência. E consciência é algo que não se vende em palestras, não se imprime em frases motivacionais, não se aprende em workshops. Ela se conquista no silêncio, no erro, na solidão lúcida de quem ousa olhar para dentro e descobrir que não há atalhos para o real.
A verdadeira ajuda é a que desinstala, a que desconstrói o conforto, a que nos devolve à vertigem de sermos inacabados. Todo o resto é marketing espiritual, perfume barato pulverizado sobre a podridão de uma alma que se recusa a crescer.
Imagem de WaveGenerics por Pixabay





Magnífico! Infelizmente, não é raro ver diversas instituições espíritas substituindo Kardec pelos “apóstolos do você pode tudo”. Por aqui, chegamos ao ponto de reservar dias para palestras motivacionais conduzidas por psicólogos e coaches — acredite se quiser.