Os Espíritas perante a Justiça, por Milton Medran Moreira

Tempo de leitura: 12 minutos

Milton Medran Moreira

Subsiste entre os espíritas algum entendimento no sentido de que a lei de causa e efeito é constituída de mecanismos tão independentes do homem, que nossa ação em prol da melhoria das instituições é absolutamente desnecessária e inútil. Segundo essa visão, tudo estaria determinado por equações matemáticas tão precisas que dispensariam nossa intervenção. A distribuição da justiça, assim, seria uma tarefa sagrada, pairando acima de nossa competência. Coisa da qual Deus e os espíritos superiores se encarregariam.
Ao contrário, o que eu deduzo de todo o conjunto doutrinário kardecista era o da necessidade da inserção do espírita nos esforços humanos em favor do direito e da justiça.

– Como se pode definir a justiça?
– A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um.
(O Livro dos Espíritos – Questão 875)

Julgar: prerrogativa dos deuses ou tarefa dos homens?
Naquela época, eu ainda não me declarava espírita. Estava na fase da busca que terminou por me conduzir a essa interpretação filosófica da vida. No exercício de minhas atividades como Promotor de Justiça, coube-me assumir o cargo em uma comarca do interior. Dentre minhas atribuições, estava a atuação junto ao Tribunal do Júri.

Poucos dias depois de tomar posse, o escrivão veio falar comigo:
– Doutor, quero lhe dar uma mão. Tenho aqui a lista geral dos jurados da cidade. Assinalei para o senhor alguns nomes que, quando sorteados, acho que lhe conviria recusar – disse-me ele.
– Recusar, por quê? – perguntei ao escrivão.
– É que são espíritas, doutor. Há muitos espíritas aqui na cidade e, por uma questão de princípio, eles absolvem todos os réus.

Agradeci a informação do serventuário e fiquei a pensar sobre o que ele havia me dito. O período era, justamente, aquele em que eu vinha mergulhando em leituras espíritas, especialmente naquelas que formam a base filosófica do Espiritismo. E, na verdade, não encontrara nas obras de Allan Kardec nenhum direcionamento nesse sentido. Ao contrário, o que eu podia deduzir de todo o conjunto doutrinário kardecista era o da necessidade da inserção do espírita nos esforços humanos em favor do direito e da justiça.

Posteriormente, no contato mais próximo com alguns espíritas, pude ver que subsiste, sim, algum entendimento no sentido de que a lei de causa e efeito é constituída de mecanismos tão independentes do homem, que nossa ação em prol da melhoria das instituições é absolutamente desnecessária e inútil. Segundo essa visão, tudo estaria determinado por equações matemáticas tão precisas que dispensariam nossa intervenção. A distribuição da justiça, assim, seria uma tarefa sagrada, pairando acima de nossa competência. Coisa da qual Deus e os espíritos superiores se encarregariam.

Observe-se, entretanto que essa é uma distorção da verdadeira filosofia espírita. Na verdade, não dá para entender os finos mecanismos da justiça cósmica aplicada ao homem, sem colocar o próprio homem como agente individual e coletivo da consecução da justiça. Quando os espíritos responderam a Kardec que um dos objetivos da encarnação, além de promover o seu próprio aperfeiçoamento, era propiciar ao espírito “fazer a sua parte na obra da criação” (1), dimensionaram corretamente a responsabilidade que todos temos no amplo processo criativo de um mundo melhor, mais solidário, mais fraterno e, também e necessariamente, mais justo. Os mecanismos humanos que buscam estruturas sociais mais justas, que promovem a dignidade do homem, preservando seus direitos e punindo seu comportamento antissocial, na defesa maior da ordem e da paz sociais, são a própria expressão da justiça divina que, como já frisamos várias vezes neste breve ensaio, se expressa através lei natural que, por sua vez, pouco a pouco, vai aprimorando o direito positivo dos povos civilizados.

O “não julgueis” de Jesus de Nazaré, às vezes invocado como justificativa da não intervenção do homem nos mecanismos de justiça, absolutamente não tem o alcance que muitos lhe querem dar. Kardec analisa corretamente o tema, quando se ocupa disso na sua obra “O evangelho segundo o Espiritismo”. A advertência que ali faz, ao comentar aquela expressão, condena a maledicência e a maldade, mas não a repressão ao mal, que é uma obrigação do homem na sociedade. Reprimir o mal, segundo Allan Kardec, é louvável “e torna-se mesmo um dever em certos casos, pois dele pode resultar um bem, e porque sem ele o mal jamais seria reprimido na sociedade” (2).

O direito de punir, outorgado ao Estado, é uma evolução que se sucedeu às fases em que, primeiramente, o homem se arvorou no direito de, ele próprio, responder o mal com o mal, seguida daquela em que outorgou a pretensos representantes diretos de Deus sinais ou códigos da divindade para fazê-lo.

Por outro lado, a repressão ao crime, através da supressão da liberdade, por mais desumana e cruel que possa parecer, ainda é, infelizmente, o meio mais eficiente para coibir a violência que tomou de assalto nossa sociedade. Mas ela é justificável somente como instrumento de defesa social (no caso, um bem maior a ser protegido), porque, intrinsecamente, não deixa de ser uma violência ao ser humano. É por isso que o direito moderno, pouco a pouco, substitui as penas de prisão, naqueles delitos de menor lesividade, por penas alternativas, onde o infrator é compelido a reparar o dano, através de serviços à comunidade ou de ações construtivas em favor da sociedade.

Essa busca do homem no sentido de aperfeiçoar seus mecanismos de justiça, através de penas que reeduquem o infrator, mostrando a eles a necessidade de sua conscientização de que o mal cometido precisa ser expiado e reparado, aproxima o direito penal da visão que o Espiritismo adota de uma justiça cósmica que, necessariamente, vai se operar na vida do Espírito.

Em sua obra “O Céu e o Inferno”, Allan Kardec deixou um pequeno ensaio com o título de “Código Penal da Vida Futura”, onde coloca como indispensáveis para o reequilíbrio do Espírito atormentado pela culpa estes três elementos: o arrependimento, a expiação e a reparação. Descreve assim o sistematizador da doutrina espírita essas três condições a que se deve submeter o Espírito diante de suas faltas:
“Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas conseqüências. O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação.
O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tarde, porém, o culpado sofre por mais tempo.
Até que os últimos vestígios da falta desapareçam, a expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são conseqüentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda, em nova existência corporal.
A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. Quem não repara os seus erros numa existência, por fraqueza ou má-vontade, achar-se-á numa existência ulterior em contacto com as mesmas pessoas que de si tiveram queixas, e em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes reconhecimento e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito.” (3).

Tanto quanto possível, pois, nossos mecanismos institucionais de promoção de justiça devem propiciar, na aplicação da pena, ao delinquente o cumprimento dessas fases, que irão, segundo a expressão de Kardec “anular” o mal por ele cometido. Claro que isso deve ser feito sem que lhe seja violada a dignidade humana, tendo-se como base uma visão realmente pedagógica e recuperadora. Uma das causas que os especialistas têm apontado, entre nós, como responsáveis pelo aumento da criminalidade tem sido justamente as condições desumanas da aplicação da pena. Nossos presídios, verdadeiros depósitos de delinquentes, sem lhes proporcionar o trabalho que dignifica ou o exercício de outras atividades de caráter recuperador e saudável, têm sido fatores que potencializam sua íntima revolta resultante da exclusão, impedindo o desabrochar do arrependimento, sem o qual não haverá expiação e, tampouco, reparação. Com métodos que ainda guardam resquícios primitivos e desumanos de execução da pena, a sociedade estará apenas remetendo para o futuro o complexo processamento da recuperação daquele espírito que teve um comportamento antissocial contrário à lei natural.

As reencarnações expiatórias que se imporão em consequência dessas dificuldades de oferecer-se, aqui e agora, a oportunidade plena do resgate, não serão, por isso mesmo, episódios isolados, de caráter individual a atingir apenas o delinquente. Alcançarão também a sociedade que, por ódio, revolta, egoísmo ou omissão, se descuidar da tarefa de propiciar meios eficazes de recuperação de seus criminosos. As sábias leis que presidem os mecanismos da reencarnação operam também numa dimensão coletiva. Isso quer dizer, em linguagem simples e direta, que algumas sociedades ou comunidades que, claramente, se deterioram socialmente de uma para outra geração poderão, simplesmente, estar sofrendo o resultado de sua incúria anterior na administração de suas políticas públicas relativas à educação e à justiça. Esses aparentes retrocessos, no entanto, não estarão revogando a lei do progresso. Este, para se fazer, necessita, muitas vezes, de recuos retificadores, capazes de oferecer ao homem ou à coletividade deles oportunidades de reflexão, estudo e aplicação de meios capazes de retificar erros coletivos. Isso também é progresso.

Perante esse fenômeno complexo da administração da justiça, do real combate à criminalidade, nas suas origens e conseqüências, somos, assim, de uma certa forma, todos responsáveis. Não será sob o abrigo do “não julgueis” que haveremos de nos omitir, pretendendo que a justiça, que existe para a promoção do homem, seja simplesmente administrada sem sua participação, como se fosse atribuição dos deuses. De há muito, superamos essa fase.

Delinquência e carências, companheiras inseparáveis
De qualquer sorte, vivemos tempos difíceis, onde a violência grassa, onde uma parcela da humanidade, como que não se apercebendo do verdadeiro sentido maior na vida, parece não se orientar por qualquer sentimento ético ou moral. Por isso, não titubeia ante a oportunidade da prática dos crimes mais hediondos. As causas são as mais variadas. São, por um lado, insufladas pelas injustiças sociais maiúsculas de um mundo ainda feito de privilégios, onde predominam o orgulho e o egoísmo da maioria dos que detêm os bens materiais da vida. Mas derivam, fundamentalmente, das carências espirituais do homem que delinque. Ele é, antes de mais nada, um carente. Carente de razão e de amor. Carente de autoconhecimento. Carente de conhecimento acerca das mais rudimentares leis que regem o universo moral e que são as mesmas em todos os mundos, partindo sempre da singular mensagem do não fazermos aos outros o que não desejamos façam a nós próprios. Essa regra de ouro dos ensinos do homem de Nazaré é também um imperativo racional e filosófico, brilhantemente formulado por Kant (4), que assim o expressou:
“Age sempre de tal maneira que a máxima de tua ação possa ser erigida em regra de validade universal”

Platão já dizia que ninguém é deliberadamente mau. O Espiritismo segue a mesma linha de raciocínio para afirmar que o comportamento antissocial, materializado na criminalidade violenta, no violento e arbitrário desrespeito aos direitos do outro é a expressão mais cabal da ignorância. Não agirá, jamais, contra o direito aquele que conhece a verdadeira dimensão da justiça. Não o fará quem tem uma ideia, mínima que seja, sustentada pelo conceito, seja religioso ou filosófico, de que agir contra o direito natural impõe, necessariamente, sofrimento ao infrator. E que esse sofrimento é proporcional ao dano por ele causado. No plano do direito visível, diz-se com frequência que a impunidade é fator que estimula a criminalidade. O delinquente só insiste no crime porque avalia as chances que tem de não sofrer qualquer reprimenda.

No plano da justiça cósmica, todo o infrator da lei natural é, de uma certa forma, um indivíduo que não se apercebeu, ainda, de uma regra fundamental da vida: a de que contrariar os ditames do bem e da justiça gera sofrimento. De um certo modo, ele também aposta na impunidade. Avalia apenas os prováveis resultados imediatos de sua ação que lhe seriam favoráveis. Desconhece ou não se preocupa com os resultados mais ou menos remotos de seu agir.

Por isso tudo, a mais urgente tarefa do homem é a de sua educação como Espírito. As religiões falharam nesse intento, na medida em que situaram as leis do espírito como independentes daquelas que regem as relações do homem com o próprio homem, no plano material; enquanto embutiram no racional sistema da lei natural irracionais conteúdos que subordinam a sorte futura do homem aos cultos, às formas, às liturgias ou à própria fé, como se estas fossem indispensáveis a uma pretensa salvação da alma, que, na verdade, nunca esteve condenada, mas, eventual e provisoriamente, laborando em equívocos.

Para agir de acordo com a justiça natural ao homem será suficiente, em primeiro lugar, estar atento aos próprios ditames de sua consciência. Nada revela melhor aquilo que as religiões denominam “palavra de Deus” do que os valores que a razão, aprimorada encarnação após encarnação, vai sedimentando na consciência do indivíduo. A presença divina no plano humano se dá, eloquentemente, através da consciência individual e coletiva. Esta, que não é material, que jamais foi localizada pelos fisiologistas nos escaninhos do cérebro, é o precioso patrimônio que herdamos, após bilhões de anos de evolução. Que nos acompanha após o episódio da morte física e nos impulsiona a novas experiências na carne, na busca constante do aprendizado e do progresso.

Quem está consciente de que a verdadeira vida é a vida do Espírito assume, por isso mesmo, o compromisso de uma ativa atuação na sociedade para, a partir desses parâmetros, torná-la melhor, fazendo da oportunidade da vida material um eficiente instrumento de avanço espiritual.

Felicidade: um direito de todos
A filosofia espírita, com esse direcionamento, convida a uma singular e otimista visão de homem e de mundo. Ao raciocinar, relativamente ao espírito imortal (a alma das religiões) a partir do mesmo e moderno paradigma evolucionista (todos fomos “criados” simples e ignorantes) suprime as desigualdades na origem. Ao mesmo tempo, ao investir o próprio Espírito da responsabilidade de seu crescimento, admite a igualdade de oportunidade de todos na consecução daquilo que está na programação original de cada Espírito: a sua plenitude e a sua felicidade.

Rumamos para a plenitude. Todos temos o direito à felicidade. Todos atingiremos esse estágio que implica numa adequação plena de nossos pensamentos e atitudes com as soberanas regras da lei natural.

Para uma filosofia inspirada nesse paradigma não existe a ideia da salvação, a não ser como figura de linguagem, muito bem utilizada, aliás, na famosa assertiva de Allan Kardec, quando escreveu: “fora da caridade não há salvação” (5), que significa: fora do amor, da solidariedade entre as criaturas, não há crescimento individual. Admite, assim, que enquanto nos mantivermos prisioneiros do orgulho e do egoísmo, estacionamos nessa caminhada rumo à felicidade. Mas, apenas estacionamos ou reduzimos o ritmo. A necessidade de transformação e de progresso que impulsiona tudo o que vive terminará por criar mecanismos que conduzem ao avanço. O desconforto, o sofrimento, a educação, o edificante exemplo de terceiros, a ajuda destes são todos fatores que levam ao crescimento. Crescer e ser feliz são as únicas fatalidades humanas.

Assim, a dor, que é instrumento e nunca fim em si mesmo, sempre é provisória. A alma humana, toda ela, tem destinação gloriosa. Esse destino não é privilégio dos que assumem esta ou aquela crença. Tampouco uma graça arbitrária a que estão predestinadas algumas criaturas. Nem prerrogativa só conquistada por quem tenha se submetido a qualquer cerimonial, culto ou sacramento que, magicamente, haja outorgado um “estado de graça” a quem nunca o tivera ou, havendo tido, o perdeu. O mito do pecado original, a partir do momento em que se fez crença religiosa, terminou por contaminar a razão natural, cultivada no íntimo de cada ser inteligente que, instintivamente e sempre, apontou a prática do bem e da justiça como reais e únicos instrumentos condutores da felicidade.

Na mesma linha de raciocínio, tampouco será a fé o fio condutor da felicidade. Levar alguém a crer no que não compreende e que, inclusive, conflita com a razão, invocando a detenção de mandato divino para apontar essa crença como caminho único à felicidade, é utilizar-se de abjeto instrumento de dominação, incompatível com o respeito que se deve ao semelhante. Nossas crenças e nossos valores construímo-nos cada um de nós, a partir do livre exame e das experiências individuais e coletivas.

Pode parecer que já não é mais tempo desse tipo de advertência e que já não estamos mais sujeitos ao arbítrio da fé. Ocorre que vivemos momento muito singular. Desencantados com os artigos de fé que o conhecimento e a modernidade terminaram por derrubar, acabamos por relegar, como se pertencessem àquele domínio, o cultivo do conhecimento do Espírito e a vivência dos valores eternos decorrentes desse conhecimento. Mergulhamos num materialismo estéril que não estimula a prática do bem e da justiça.

As injustiças que desse estado de coisas resultam acabam por abrir novamente espaço aos mercadores da fé. Estes, valendo-se das modernas garantias da liberdade de crença e de culto, criam dependências justamente naqueles meios mais carentes, onde grassam a injustiça e o infortúnio. Por isso, um tipo especial de religiosidade está crescendo especialmente nos países do terceiro mundo, com destaque para o Brasil, daqui se espalhando por quase toda a América Latina. Essa religiosidade prega a fé em uma determinada crença – no caso a divindade de Jesus, “único senhor e salvador” – como única garantia de felicidade, aqui e no além. Embora com alguns efeitos benéficos, pois através de uma moral rígida, exerce a contenção de alguns comportamentos antissociais, escraviza pessoas humildes a certos dogmas incompatíveis com o atual avanço do conhecimento, condenando-as a um fanatismo e a um fundamentalismo sectário e intolerante. Aliás, um dos efeitos deletérios desses movimentos religiosos é o de explícita condenação ao conhecimento, apontando-o como inimigo da fé.

São essas seitas responsáveis por um certo retorno, pelo menos em alguns segmentos sociais, da perigosa tese de que só os crentes se salvam, de que só estes têm direito à felicidade. Essa arrogante postura, que é comum a todo o fundamentalismo religioso, não raro, no cristianismo ou em diferentes correntes religiosas, se mancomuna com outro tipo de fundamentalismo, o político. Essa aliança, ainda em nosso tempo, tem sido responsável por guerras e barbáries que dificultam em muito a conquista de um estágio de paz e de justiça neste nosso atribulado mundo.

À luz do Espiritismo, a questão da felicidade, atual ou futura, não está diretamente vinculada à fé nesta ou naquela crença. Novamente, o preciso conceito de “lei natural” oferecido pelos Espíritos democratiza a felicidade, vinculando-a à efetiva vivência desses ditames que estão gravados na consciência humana, e não, necessariamente, nos livros sagrados desta ou daquela religião. Afirmam os espíritos que a lei natural “é a única verdadeira para a felicidade do homem” e que este só se torna infeliz “quando se afasta dela” (da lei natural) (6).

Esse conceito é revolucionário frente à cultura judaico-cristã onde ficou assentado o dogma de que só alguns se salvarão após a morte, ou seja, de que só a alguns a felicidade está reservada. Aqui se parte de pressuposto diametralmente contrário àquele dogma. Todos os homens são feitos para a felicidade e só, provisória e excepcionalmente, dela se afastam, na medida e enquanto agem contra a lei natural, que é divina, mas que não há de ser, necessariamente, religiosa; que se funda sempre na prática do bem, da solidariedade, do serviço em prol do próximo, do amor, mas não, exatamente, na fé; que não pode prescindir do conhecimento e de sua busca constante, mas que não está sujeito à aceitação obrigatória de dogmas religiosos.

O Espiritismo se filia, por sua origem, natureza e por suas práticas sociais, ao entendimento de que não é a fé, mas os valores soberanos do amor incondicional e do pluralismo religioso e político, que são capazes de abrir caminho à verdadeira justiça, garantidora da felicidade, que é um direito inalienável do Espírito.

Notas:
1 – Questão 132, de “O livro dos Espíritos”, Capítulo “Encarnação dos Espíritos”, subtítulo “Objetivos da Encarnação”.
2 – Comentário de Allan Kardec, no livro “O evangelho segundo o Espiritismo”, Capítulo X, “Não Julgueis para não Serdes Julgados”, Edições FEESP, 1989.
3 – Allan Kardec, em “O Céu e o Inferno”, Capítulo VII, 21ª edição, Federação Espírita Brasileira.
4 – Emmanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, considerado por muitos como o pensador mais influente da era moderna.
5 – Allan Kardec, em “O evangelho segundo o Espiritismo”, Capítulo XV.
6 – Questão 614, de “O livro dos Espíritos”, capítulo “A Lei Divina ou Natural”, subtítulo “Caracteres da Lei Natural”.

Nota do ECK: Capítulo do livro “Direito e Justiça: um olhar espírita”, escrito pelo articulista e publicado pela Editora Imprensa Livre, de Porto Alegre, em 2004.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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