Christiano Torchi
O sentimento de Justiça é inato (pré-existente) no homem, o qual se revolta com a simples idéia de uma injustiça, entretanto, esse sentimento precisa ser aprimorado e desenvolvido pelo progresso moral de cada um de nós, pela prática do bem e da compreensão dos problemas alheios. Muitas vezes, em meio ao sentimento de justiça natural, misturam-se as paixões humanas que induzem as pessoas ao erro.
“A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais”
Kardec (“O livro dos Espíritos” – OLE, item 875).
De todas as Leis Morais, esta é a mais importante, uma vez que o progresso da humanidade tem seu princípio na sua aplicação, que se funda na certeza do futuro espiritual das criaturas e encerra todas as condições da felicidade do homem. Como alertam os Espíritos superiores, esta lei é a mais importante, por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as outras (OLE, item 648).
Por si só, a existência e o funcionamento das outras leis morais constituem a maior prova da Justiça, do Amor e da Caridade com que a Providência Divina distingue as suas criaturas.
Entretanto, quis Deus que também os homens praticassem essas leis entre si. Por isso, devemos procurar em nosso relacionamento com os semelhantes e mesmo conosco o ideal de Justiça, Amor e Caridade.
Entre os Ocidentais, a Justiça, na definição herdada do Direito Romano, de cunho pragmático, material, é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu. A definição dada pelos Espíritos, a nosso ver, contudo, é mais abrangente e precisa: “A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais” (OLE, item 875).
O sentimento de Justiça é inato (pré-existente) no homem, o qual se revolta com a simples idéia de uma injustiça, entretanto, esse sentimento precisa ser aprimorado e desenvolvido pelo progresso moral de cada um de nós, pela prática do bem e da compreensão dos problemas alheios. Muitas vezes, em meio ao sentimento de justiça natural, misturam-se as paixões humanas que induzem as pessoas ao erro.
Por isso se diz que as leis humanas ainda são um pálido reflexo da Justiça verdadeira, porque, sendo mutáveis, elas apenas refletem os costumes e os caracteres da sociedade de uma determinada época. Assim, a justiça terrena é do tamanho da evolução do homem, o que já não acontece com a Justiça Divina, que é imutável.
Jesus, o mestre dos mestres, legou-nos a base da verdadeira Justiça, consagrada na sublime lição: “Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo”, o que significa dizer que Deus imprimiu no coração do homem a regra da verdadeira justiça, fazendo com que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Afinal, em condições normais, ninguém desejaria o próprio mal.
Quando estivermos em dúvida quanto ao nosso procedimento em relação ao semelhante, procuremos saber como gostaríamos que o semelhante procedesse em relação a nós, em circunstância idêntica. A resposta que encontrarmos será a que deverá ditar nosso comportamento em qualquer circunstância da vida.
O primeiro de todos os direitos naturais do homem é o de viver, motivo pelo qual ninguém tem o direito de agir contra a vida do semelhante.
O desejo de possuir no homem é natural, mas se transforma em egoísmo quando este deseja possuir somente para sua satisfação pessoal. A propriedade legítima é a aquela que foi adquirida sem prejuízo de outrem. Todavia, a acumulação de bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar as paixões, constitui um atentado contra a Lei da Justiça, do Amor e da Caridade (OLE, itens 881 a 885).
Caridade não é, como muita gente imagina, pura e simplesmente prestar auxílio material aos necessitados.
Concitados por Kardec a falarem sobre a esmola, os Espíritos mostraram-se enfáticos: “Condenando-se a pedir esmola, o homem se degrada física e moralmente: embrutece-se. Uma sociedade que se baseie na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar, sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa-vontade de alguns” (OLE, item 888).
O que os Espíritos reprovam não é a esmola ou o auxílio material em si, que pode ser muito útil e indispensável numa emergência, mas a maneira porque habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade de acordo com Jesus, vai ao encontro do miserável, sem esperar que este se humilhe, estendendo-lhe a mão (OLE, item 888a).
A legislação humana, inclusive a brasileira, nesse aspecto, vem sendo aperfeiçoada cada vez mais. Atualmente, prestigia-se muito o promover o ser humano menos afortunado, dar-lhe condições de garantir por si mesmo o seu próprio sustento, por meio da educação, do ensino profissionalizante e de outras atividades úteis que o auxiliem na manutenção e lhe deem condições de vida digna.
Não se concebe o auxílio material puro e simples a uma pessoa, durante vários anos, tornando-a dependente de nossa ajuda, como a prática da caridade legítima. Foi muito feliz e verdadeiro certo autor (anônimo para nós), ao enunciar tão grande máxima:
“Dê um peixe a um homem e o estará alimentando por um dia; ensine-o a pescar e o estará alimentando por toda a vida”.
Felizmente, a cidadania e o voluntariado estão caminhando rumo à maioridade, no Brasil. Nota-se a existência de uma revolução social silenciosa, neste sentido, que está apenas ensaiando os primeiros passos. Muitas famílias estão sendo beneficiadas com iniciativas desse gênero, por parte de organizações não-governamentais. As pessoas estão se sentindo mais úteis e mais felizes. Estão crescendo mais, em todos os sentidos. A doutrina jurídica cunhou o termo “Terceiro Setor” (o primeiro setor é o Governo, o segundo, as empresas e o terceiro, a sociedade civil) para identificar as instituições de direito privado, sem fins lucrativos, criadas e qualificadas com vistas ao exercício da solidariedade em favor do próximo. É a própria sociedade a ocupar o espaço deixado pelo Estado, em busca de uma qualidade de vida melhor para os cidadãos, em todos os aspectos.
Não sem motivo 2001 foi escolhido pelas Nações Unidas como o “ano internacional do voluntariado”, que encontrou grande repercussão no Brasil, graças à sua vocação espiritual, o que é uma grande oportunidade para se fortalecer em nossas terras as tradições de solidariedade que proporcionarão a construção de uma cultura de responsabilidade social enorme, inclusive nas empresas, uma vez que a economia não deve ser um fim em si mesma, mas sim um instrumento de engrandecimento humano, em todos os aspectos.
Como disse Stephen Kanitz, no suplemento do Guia da Cidadania, editado pela Abril,
“Para resolvermos nossos problemas sociais, é necessário o envolvimento individual de cada um. Empresas podem doar recursos, o Estado pode recolher impostos, mas é o indivíduo em última instância que faz a diferença” (Destacamos).
Entretanto, não podemos nos esquecer de que a fé sem obras é irmã das obras sem fé, posto que as atividades de benemerência constituem apenas um meio, uma vez que o fim almejado pelo trabalho social coletivo – que é a promoção do ser humano – repousa na espiritualização desse mesmo ser, de edificação paciente e progressiva, motivo pelo qual não pode basear-se apenas sobre a preocupação individualista dos seus empreendedores, sob o risco de degenerar em personalismo destruidor.
Como sabemos, há muito tempo os Centros Espíritas estão praticando esta modalidade de trabalho, sem estardalhaços, de forma silenciosa, fornecendo não somente o pão material e a instrução, mas principalmente a formação moral e espiritual dos seus frequentadores, com fundamento no Espiritismo, um contributo à conquista não só dos direitos de cidadão comum, mas também da cidadania espiritual, tornando-os pessoas conscientes da necessidade de seu engajamento na era espiritual que se avizinha.
O apego às coisas materiais denuncia a nossa inferioridade, porque, quanto mais nos apegamos aos bens deste mundo, tanto menos compreendemos o nosso “destino”. Pelo desinteresse, ao contrário, demonstramos vislumbrar o futuro de um ponto mais elevado (OLE, itens 895 e 897).
Ressalve-se, porém, que o desinteresse caracterizado pela prodigalidade (gasto excessivo) revela irresponsabilidade daquele que assim age. A riqueza representa um depósito de que uns e outros terão de prestar contas, porque terão de responder por todo o bem que podiam fazer e não fizeram, por todas as lágrimas que podiam ter estancado com o dinheiro que deram aos que dele não precisavam (OLE, item 896).
Conforme ensina Jesus, a Caridade (OLE, item 886) abrange três requisitos essenciais:
a) a benevolência para com todos (inclusive auxílio material, em casos emergenciais);
b) a indulgência, isto é, compreensão para com as imperfeições do próximo [LE, 903 e 904], o que não significa cumplicidade com o erro; e,
c) o perdão às faltas alheias.
A Caridade é a maior das virtudes, porque proporciona aos homens colocar em prática o mandamento essencial que consubstancia os demais: “amar ao próximo como a si mesmo” (“O evangelho segundo o Espiritismo”, XI:1-10). A essência desse amor visa, acima de tudo, à regeneração do homem pela educação, pela conquista de si mesmo. Essa a proposta do Consolador (“A Gênese”, I:26-28) prometido por Jesus (OLE, itens 876 e 878).
Como ensinam os Espíritos, o amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, pois amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito.
Jesus também ensinou que devemos amar aos inimigos, assim entendido não o amor terno e sem jaça (sem mácula) que ainda não sabemos dar, devido à nossa falta de evolução, mas que, pelo menos, nos esforcemos em perdoá-los e lhes retribuamos o mal com o bem (LE, 887). Quem assim procede é o primeiro beneficiado, pois, além de não se nivelar ao erro do adversário, libera as suas tensões e torna-se mais livre. Trata-se de um procedimento científico, de uma terapêutica infalível, que nos assegura saúde física, psíquica e equilíbrio moral.