O espiritismo e o engajamento dos espíritas em movimentos oficiais contra o aborto, por Milton Medran Moreira

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O nível e o foro de discussão dos espíritas acerca desse importante tema “direito à vida” devem ser outros, que não a companhia dos chamados movimentos religiosos, todos na contramão da História.
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Sobre o “engajamento” do movimento espírita em movimentos “em defesa da vida”, promovido pelas igrejas, tenho manifestado meu pensamento em vários artigos que já tornei públicos. Acho lamentável que o movimento espírita vá de reboque com as igrejas, nessa onda de condenação draconiana e raivosa a todas as formas de aborto e, também, às pesquisas com células-tronco embrionárias.

No caso das últimas, não sei a que título, faz-se questão de vincular o tema aos chamados “direitos do nascituro”. São coisas totalmente diversas. A questão das células-tronco embrionárias não se relaciona a qualquer direito de “nascituro”, eis que o debate envolve embriões descartados no processo de fertilização “in vitro” e que jamais serão implantados no útero para efeito de reprodução. Têm esses embriões, no entanto, como bem se sabe, um imenso potencial terapêutico aplicável a males até agora sem possibilidade de tratamento. É, pois, em nome, justamente, do DIREITO À vida e à saúde que somos a favor da pesquisa e da posterior utilização desse potencial curativo.

Quanto à questão do aborto, tenho sustentado que ela é delicada demais para, simplesmente, ser tratada pelo Direito Penal, criminalizando-se o mesmo e, diante da realidade social, obrigando-se o Estado a fechar os olhos à sua prática que ocorre aos milhares, diariamente, em todo o país. É uma atitude hipócrita, que só permanece no Código Penal pela pressão da Igreja. Ademais, a visão que o Espiritismo nos dá acerca do tema, a partir da convicção da preexistência do espírito, não se compatibiliza com o dogma cristão da “criação do espírito no momento da concepção”, em que se baseiam os religiosos em suas campanhas em prol da vida.

Sou contra o aborto, acho que ele resulta de uma deficiente visão a respeito da vida e de seu significado, mas não me sentiria bem, como espírita, engrossando as fileiras dos religiosos fanáticos que só pensam em criminalizar o aborto, em tempos onde o Direito Penal tem se mostrado absolutamente incapaz de reabilitar e ressocializar o delinquente. Aliás, nego-me, por exemplo, a considerar delinquente uma mulher que, grávida de um estupro, recorre ao aborto ou a uma jovem que, violentada sexualmente por seu pai ou padrasto, busca, desesperada, igual solução. O nível e o foro de discussão dos espíritas acerca desse importante tema “direito à vida” devem ser outros, que não a companhia dos chamados movimentos religiosos, todos na contramão da História.

No que diz respeito ao direito do nascituro, no caso específico do aborto, há que considerar que, em muitos casos, talvez na maioria daqueles em que ocorrem os abortos, há, no mínimo, dois sujeitos de direito: o nascituro (ser que, segundo “O livro dos Espíritos”, “ainda não existe”) e a gestante. Está, além do direito à vida, receber do Estado a garantia à sua saúde e à sua dignidade. Não se podem desprezar, relegando-as à conta do “pecado” ou da violação das leis naturais as profundas marcas psicológicas de alguns episódios que resultam em gravidez onde não concorreu a vontade da gestante. Ocorre que, na reflexão estritamente religiosa, se SACRALIZA o direito do nascituro, e, ao mesmo tempo, se SECUNDARIZAM todos os direitos e as emoções dos espíritos encarnados.

A doutrina espírita rompeu com isso, ao declarar enfaticamente que, no caso de perigo à vida da gestante, seria lícito sacrificar a encarnação de quem ainda não nasceu. A partir desse princípio (ao qual a doutrina da Igreja até hoje se opõe) o espiritismo claramente optou por considerar no mínimo ambivalentes os direitos do nascituro e dos encarnados.

A partir dessa linha de raciocínio, temos um espaço amplo para uma visão mais HUMANISTA de todo o complexo e tormentoso problema do aborto. E assim fazendo, estamos firmemente ancorados na filosofia espírita.

Editorial: A Revista Espírita Harmonia está de volta!

 

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