Generalizações indevidas de fatos científicos, por Marco Milani

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Marco Milani

A ciência busca compreender os fenômenos por meio de investigações que respeitam critérios rigorosos de validade e confiabilidade. Contudo, o acesso facilitado à informação e a crescente demanda por respostas imediatas têm contribuído para interpretações simplificadas e, muitas vezes, equivocadas dos resultados de pesquisas. Quando os achados científicos são utilizados fora de seu contexto original, promovem-se generalizações que, desprovidas do necessário respaldo metodológico, acabam legitimando convicções pessoais e interesses particulares, comprometendo a integridade do discurso científico.

A tendência de resumir dados complexos em mensagens de fácil assimilação e com forte apelo pela atenção tem raízes na cultura contemporânea, onde a velocidade da informação frequentemente se sobrepõe à qualidade do conteúdo divulgado. A redução dos resultados de estudos a afirmações unidimensionais desvirtua o caráter investigativo da ciência e pode levar a interpretações equivocadas, especialmente quando conclusões de pesquisas observacionais são extraídas sem a devida consideração das variáveis intervenientes e limitações metodológicas. Essa prática, difundida em diversas áreas do conhecimento, desde a saúde até as ciências sociais, ratifica ideias preestabelecidas e fortalece a polarização no debate público, dificultando a construção de consensos baseados em evidências.

No meio espírita, esse fenômeno também ocorre, especialmente quando descobertas científicas são divulgadas de forma parcial para validar crenças ou fortalecer a identidade do movimento. Um exemplo clássico foi a repercussão da interessante dissertação de mestrado[1] de Ricardo Monezi Julião de Oliveira, defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 2003, que investigou os efeitos da imposição de mãos em camundongos e concluiu que há uma alteração fisiológica decorrente desse ato e que há que se estudar porque ela ocorre.

Embora o estudo tenha indicado possíveis benefícios terapêuticos nos sistemas hematológico e fisiológico dos animais, ele não analisou especificamente o passe espírita, nem tinha como objetivo comprovar a eficácia dessa prática no contexto doutrinário. No entanto, na ocasião, diversos grupos espíritas alardearam equivocadamente que a USP havia comprovado cientificamente os efeitos do passe espírita, uma extrapolação indevida que desconsiderava as limitações e o escopo real da pesquisa. Não é pelo fato de um trabalho de pesquisa ser aprovado numa banca de mestrado ou doutorado que a instituição promotora atesta a validade e veracidade do conteúdo do respectivo estudo.

A única coisa que a Instituição de Ensino Superior se responsabiliza é o registro público das milhares de defesas que ocorrem regularmente em suas dependências. Certamente a pesquisa de Ricardo Oliveira desperta a atenção de pesquisadores espíritas e deve ser analisada, mas há uma grande distância entre o objeto estudado e as notícias sensacionalistas a respeito.

Recentemente, uma promissora pesquisa liderada pelo médico Alexander Moreira-Almeida analisou diferenças genéticas em supostos médiuns e não-médiuns e foi publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria[2]. Trata-se de valioso trabalho sugerindo que podem existir aspectos biológicos associados àqueles que alegam participar de fenômenos mediúnicos. Contudo, a pesquisa não afirma que a mediunidade é determinada geneticamente, nem exclui a influência de outros fatores materiais nos resultados. Mesmo assim, diversos meios de comunicação espíritas divulgaram que “a ciência comprovou que a mediunidade depende de uma condição orgânica”, em associação direta com o conhecimento doutrinário espírita, criando uma narrativa simplista com o próprio rigor metodológico adotado no estudo.

É indispensável que se mantenha a clareza na exposição dos limites das investigações, o reconhecimento das incertezas inerentes ao processo científico e a utilização de uma linguagem que preserve a complexidade dos dados.

Corroborando com a prudência necessária, o assessor de ciência e pesquisa da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, Alexandre Fontes da Fonseca, discorre sobre a mesma situação e destaca que “esse trabalho não confirma nenhuma especificidade ou especialidade da glândula pineal com relação à mediunidade”, que é outro assunto bastante discutido em parte do movimento espírita.[3]

A educação científica, tanto em ambientes acadêmicos quanto em espaços menos familiarizados com as questões metodológicas da produção do conhecimento, desempenha um papel crucial na formação de uma sociedade crítica e capaz de discernir entre uma ciência robusta e discursos apaixonados pseudocientíficos. Assim, o compromisso com a transparência, a ética e a rigorosidade dos métodos utilizados devem nortear não só a produção científica, mas também sua divulgação, a fim de preservar a credibilidade da ciência e promover um debate público esclarecido, contribuindo para a construção de um ambiente de conhecimento sólido e transformador.

Referências:

[1] Oliveira, R.M.J. (2003). “Avaliação de efeitos da prática de impostação de mãos sobre os sistemas hematológico e imunológico de camundongos machos”. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5160/tde-23092014-145211/pt-br.php

[2] Gattaz, W. F. et al. (2025). “Candidate Genes Related to Spiritual Mediumship: A Whole Exome Sequencing Analysis of Highly Gifted Mediums”. Disponível em: https://www.bjp.org.br/export-pdf/3591/bjp3958.pdf

[3] Fonseca, A. F. (2025) “Genes da mediunidade: cautela na forma como divulgar”. Revista Digital Dirigente Espírita. USE. Ed. 205. mar/abr, p.24-25

Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, n.206, mai/jun 2025, p.34-35

Imagem de Tibor Janosi Mozes por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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