Por Marcelo Henrique
Este é um questionamento capital em sede de Espiritismo. Afinal de contas, no período inaugural da Filosofia Espírita, com Kardec à frente do chamado “movimento espírita originário”, o seu rigor lógico-sistemático-metodológico, a sua adstrição ao modelo filosófico por ele concebido e a experimentação científica praticamente restrita aos contextos da psicografia — apesar de seu atento olhar ter vislumbrado os demais fenômenos mediúnicos ou de intercâmbio entre as inteligências desencarnadas com as — o levaram a estruturar um sistema claro, baseado em duas premissas fundamentais.
A primeira delas o livre exame de toda e qualquer produção psicográfica, submetida ao Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE), para, somente admitir como componentes da Doutrina dos Espíritos aquelas informações dadas por diferentes médiuns em distintos momentos, SEM CONTATO ou COMUNICAÇÃO entre os receptores, fique isto bem claro, assim como sem possibilidade alguma de influência de uma mensagem prévia nas subsequentes.
A segunda, não menos importante, prescrevendo que o Espiritismo estaria em marcha e seria, sempre, progressivo, em termos de “revelações” espirituais, calcadas em novos exercícios de psicografia e na análise sobre os textos, em cotejo com princípios e fundamentos espiritistas, admitindo, inclusive, que novos princípios poderiam ser agregados. Mas não se limitou ao “progresso” advindo do intercâmbio mediúnico, como estabeleceu, conforme o trecho contido na parte final do item 55, do Capítulo I, de “A Gênese” (edição restaurada, publicada pela FEAL em maio de 2018), que os espíritas estivessem sempre atentos aos avanços científicos.
É o texto kardeciano: “Avançando com o progresso, o Espiritismo jamais será superado, pois, se novas descobertas demonstrarem estar em erro em um determinado ponto, ele se modificará sobre esse ponto. Se uma nova verdade se revela, ele a aceita” (Tradução de Carlos de Brito Imbassahy).
Ou seja, dois seriam os caminhos necessários para a ATUALIZAÇÃO ou PROGRESSIVIDADE dos conceitos espíritas: 1) a existência de novas comunicações, advindas dos Espíritos (realmente) Superiores, balizadas no exame lógico-racional e em comparação com os princípios e fundamentos espíritas, posto que não poderiam ser, jamais, contrários a estes, e que poderiam rever informes contidos no contexto da Codificação (32 obras de Kardec), assim como tratar de temas e apresentar novos contornos a temas já tratados pelo Professor francês; e, 2) a demonstração, por máximas (teorias) científicas, calcadas em experimentos reconhecidos e validados pelas ciências (considerando o amplo leque de ramos científicos), legitimados pelas academias de todo o mundo.
Ora, sabemos que a opção do Espiritismo à brasileira (movimento espírita brasileiro) foi o completo distanciamento tanto das regras metodológicas acima expostas quanto da própria sistemática de evocação de Espíritos, preferindo-se a (tácita) aceitação das mensagens psicografadas, reconhecendo a autoridade de médiuns — tidos como prodigiosos em função de suas características mediúnicas — assim como de Espíritos, baseados na autoidentificação que eles mesmo apresentaram por meio das mensagens, buscando “aproximá-los” de personagens que teriam sido vinculadas à proposta da religião cristã ou que teriam vivido em nosso país. Ou seja, a “autoridade” proveio do reconhecimento (popular espírita?), da eleição institucional (centros ou federações) e da não-contestação dos “traços biográficos” que estes espíritos teriam informado aos seus interlocutores. Em alguns casos, a vida física conhecida e atribuída ao ser espiritual comunicante, guarda correlação com a produção mediúnica. Em outros, nem isso é possível, seja porque o ser, quando encarnado, não teve uma história pública conhecida e não foi reverenciado por nenhuma contribuição que possa ser comprovada historicamente, ou se trata de personagem comum, sem expressão. Ou, ainda, se-lhe atribuem uma identidade, vinculando-o a um “vulto histórico”, mas que, as expressões de sua identidade espiritual são bastante distantes daquele ser que a história registrou importância.
E seguimos, nós, encurralados, por um lado, pelos progressos científicos — que já são capazes de suplantar conceitos que apareceram nas obras kardecianas, até porque tenham sido escritas e publicadas dentro do contexto histórico-cultural-científico-literário da segunda metade do século XIX — e, por outro, por nossa apatia generalizada, nossa autodeclaração de incapacidade ou indigência cultural-filosófica-científica, seja para inquirir os Espíritos Superiores, de modo sistemático e organizado, seja para filtrar, das comunicações recebidas, com a mesma baliza de Rivail, para separar “joios” de “trigos”.
A Ciência — ou as Ciências — avançou. E nós?
A pergunta que se faz para todos aqueles que se debruçam sobre a “obra mais científica” de Kardec (“A Gênese”, em sua edição restaurada) é: — até quando?
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
Pergunta capciosa, quando passamos — nós, espíritas — pelo crivo da razão. A Ciência — ou melhor, as Ciências — avançaram. E nós?
Diante de uma doutrina engessada, seus médiuns parecem igualmente travados. A ideia de um possível retorno de Allan Kardec para concluir o que começou conduz-me a diversos questionamentos de cunho religioso e mítico, como o retorno de Jesus, um novo Buda, entre outros. Não que seja impossível, visto que, historicamente, necessitamos de líderes para avançar. Contudo, como reconhecer suas marcas?
Hoje, mais do que nunca, observamos dois tipos de Espiritismo: o Científico e o Religioso. O Científico limita-se a poucos e, mesmo entre os seus, não há efetividade — parece enclausurado, inerte, sem ação. Quanto ao Espiritismo Religioso, este, como um roldão, através de seus medalhões, conduz as massas para seus templos espíritas. Se Allan Kardec retornar, certamente não usará o crachá de espírita. Pois, ao que parece, Espiritismo ele não encontrará.
Tal percepção ganha ainda mais força diante da resposta dos Espíritos à questão 798 de O Livro dos Espíritos:
“Certamente [o Espiritismo] se tornará crença (Opinião) geral e marcará uma nova era na história da humanidade, porque está na Natureza e o tempo chegou em que deve ocupar seu lugar entre os conhecimentos humanos. Terá, entretanto, de sustentar grandes lutas, mais contra os interesses do que contra a convicção, porque não há como deixar de reconhecer que há pessoas interessadas em combatê-lo, umas por orgulho, outras por interesse material. Mas, como já dissemos, quando algo está nos desígnios de Deus, nada pode impedi-lo.” (O Livro dos Espíritos, questão 798)
Há, claramente, uma lacuna a ser preenchida. Isso é inegável. Só não sabemos como preenchê-la.
Em suma: a ciência avança e nos conduzirá, independentemente de nossa vontade. E nós? Não, não avançamos.
Discordo que tenhamos novas verdades ditadas por Espíritos Superiores que possam ser comprovadas, pois não há um crivo racional, apenas opinião e crença do espírita que assim pensa! Já, o progressismo do Espiritismo é real e baseado nas descobertas científicas médicas, físicas, que naquela época era impossível o entendimento.
Se formos a obra considerada uma das que Kardec está presente, veremos em Obras Póstumas que o Espírito de Verdade ditou para ele:
“A VERDADE” – (…) Prossegue em teu caminho sem temor; ele está juncado de espinhos, mas eu te afirmo que terás grandes satisfações, antes de voltares para junto de nós “por um pouco”.
Allan Kardec – Que queres dizer por essas palavras: “por um pouco”?
“A VERDADE” – Não permanecerás longo tempo entre nós. Terás que volver à Terra para concluir a tua missão, que não podes terminar nesta existência. Se fosse possível, absolutamente não sairias daí; mas, é preciso que se cumpra a lei da Natureza. Ausentar-te-ás por alguns anos e, quando voltares, será em condições que te permitam trabalhar desde cedo. Entretanto, há trabalhos que convém os acabes antes de partires; por isso, dar-te-emos o tempo que for necessário a concluí-los.
Continuando no mesmo livro temos uma citação de Zéfiro, que não era Superior, mas bom:
ZÉFIRO – Kardec em “Obras póstumas” (2ª Parte, cap.1): “…era muito bom e se dissera protetor da família. (…) Não era um Espírito muito adiantado, porém, mais tarde, assistido por Espíritos superiores, me auxiliou nos meus trabalhos.”
1ª notícia de uma nova encarnação por Zéfiro (17 de janeiro de 1857 – médium srta. Baudin em “Obras póstumas”): (…) Mas, ai! a Verdade não será ainda conhecida, nem acreditada, por todos, antes de muito tempo! Não verás, nesta existência, senão a aurora do sucesso de tua obra; será necessário que retornes, reencarnado num outro corpo, para completar o que tiveres começado, e, então, terás a satisfação de ver, em plena frutificação, a semente que tiveres difundido sobre a Terra.“
Para encerrar, temos na Revista Espirita :
DEMEURE: Kardec publica em 2 livros da Codificação – “Revista Espírita” (artigo 3º – março, 1865) e em “O Céu e Inferno” (cap. 2 – agosto, 1865) – esta Observação sobre o seu Amigo e médico: “As duas comunicações seguintes, dadas em 1º e 2 de fevereiro, são relativas à doença que nos acometeu subitamente em 31 de janeiro. Embora sejam pessoais, nós as publicamos porque provam que o Dr. Demeure é tão bom como Espírito quanto o era como homem e porque oferecem, além disso, um ensinamento. É um testemunho de gratidão, que devemos à solicitude de que fomos objeto de sua parte, nessa circunstância.”
– “…Sou eu quem aqui está; perto de vós, e com o Espírito de Verdade que me permite falar em seu nome, por ser eu dos vossos amigos o mais recentemente desencarnado. É como se me fizessem as honras da recepção… (1/2/1865).
– “…Segundo as minhas observações e as informações que obtive em boa fonte ficou evidente para mim que, quanto mais cedo a sua desencarnação se opera, tanto mais cedo poderá ter a reencarnação com a qual acabará a sua obra” (2/2/1865).
Concluindo: A ciência nos mostra novas verdades e o Espiritismo aceita. Novas verdades espirituais virão quando de nova reencarnação e nova plêiade de Espíritos Superiores e sábios, comandados pelo próprio Espírito de Verdade ou outro, tão puro quanto ele!