Em busca de respostas, por Milton Medran Moreira

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Milton Medran Moreira

Ninguém detinha qualquer autoridade para modificar a obra original de Kardec. Se alguém o fez, cometeu um gravíssimo erro, mesmo que sua intenção tenha sido a de retificar outros possíveis equívocos. A obra espírita, genuinamente humana, nunca reivindicou a condição de infalibilidade. Isso é coisa de religião.

O desconhecimento, até aqui, das motivações de Pierre-Gaëtan Leymarie para a apontada violação da última obra produzida por Allan Kardec, no ano anterior à desencarnação do fundador do Espiritismo, impede uma mais ampla avaliação do episódio. A anunciada edição de “O Legado de Allan Kardec”, em português, há de abrir a estudiosos brasileiros da história e das obras fundadoras do espiritismo um campo mais vasto de apreciação.

Sejam quais forem, no entanto, as motivações, nada justifica a adulteração da obra autoral.

“A Gênese” é uma obra que se pode classificar como um ensaio. Escrita em época em que o conhecimento científico sobre o ser humano e o Universo desbravavam caminhos novos, desvinculando-se definitivamente da mitologia religiosa para buscar fundamentos racionais, examina teses diversificadas sobre diferentes fenômenos físicos e psicológicos. A psicologia, a propósito, mal dava seus primeiros passos como área específica do conhecimento. O que antes era definido como miraculoso ou sobrenatural, como, por exemplo, os chamados milagres atribuídos a Jesus nos Evangelhos, passava a ser submetido ao domínio e à interpretação do que Kardec chamou de “lei natural”.

Seria muito natural que Leymarie ou outro qualquer intelectual ou estudioso de seu nível, mesmo admitindo todos os princípios filosóficos propostos pelo Espiritismo, discordasse das conclusões de Allan Kardec, muitas delas, aliás, expressamente apresentadas como “hipóteses”, e algumas hoje definitivamente rejeitadas pela ciência contemporânea.

Uma coisa, porém, são princípios filosóficos, como o da imortalidade, da comunicabilidade do espírito, da evolução permanente do ser inteligente, a partir dos quais Kardec formulou certas hipóteses, compatíveis com seu tempo. Outra são os imponderáveis caminhos da ciência especializada e as descobertas que se vão fazendo, a partir de cada vez mais complexas metodologias e tecnologias, sobre a origem do Universo e da vida e os fenômenos que se envolvem nesse processo. É um terreno ainda em aberto, e, mesmo sob o enfoque filosófico espírita, muitas hipóteses podem ser aventadas.

Diante desse quadro, Leymarie não detinha qualquer autoridade para modificar a obra original de Kardec. Se o fez – e a pesquisadora Simoni afirma que sim -, cometeu um gravíssimo erro, mesmo que sua intenção tenha sido a de retificar outros possíveis equívocos. A obra espírita, genuinamente humana, nunca reivindicou a condição de infalibilidade. Isso é coisa de religião.

Nota do ECK: Artigo originalmente publicado no jornal “CCEPA Opinião”, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, edição n. 259, de janeiro/fevereiro de 2018.

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