Dois fenômenos reveladores sobre nós, por Cláudio Bueno da Silva

Tempo de leitura: 3 minutos

Cláudio Bueno da Silva

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Que imagem a sociedade terá da Doutrina quando o movimento que a representa sofre forte influência de espíritas que erguem a “bandeira da fraternidade” a meio mastro? Que credibilidade terão espíritas que fazem vista grossa ao caos moral e minimizam a gravidade da situação ultrajante como a que foram submetidos o Brasil e sua população?
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Relendo Allan Kardec sobre a classificação que fez dos espíritas de seu tempo, observo que ele os listava em “três classes, ou antes, três graus de adeptos”, não por preconceito ou qualquer juízo de valor, mas como uma constatação do que percebia ser o entendimento da Doutrina nascente por parte dos adeptos.

Resumidamente ele classifica: 1º) os que creem nas manifestações e se limitam a constatá-las (espíritas experimentadores); 2º) os que compreendem as suas consequências morais, mas sem pratica-las (espíritas imperfeitos); 3º) os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral (verdadeiros espíritas). Isso em “O livro dos Espíritos”, “Conclusão”, item VII.

Já em “O livro dos Médiuns,” capítulo III, item 28 do “Método”, Kardec acrescenta uma outra “classe”: “os espíritas exaltados”, cujas características são o excesso de confiança e credulidade nos Espíritos, que muitas vezes os mistificam.

Como se vê, são diferentes maneiras de ver a Doutrina, e que persistem até os dias de hoje ainda deformadas ou incompletas e que, convenhamos, alteram o entendimento do Espiritismo junto ao público.

Sobre se o Espiritismo se tornará uma crença comum no futuro, os Espíritos dizem a Kardec que sim, pois os seus fundamentos são de ordem natural, mas fazem uma ressalva: “Haverá, entretanto, grandes lutas a sustentar, mais contra os interesses do que contra a convicção (negrito meu), porque não se pode dissimular que há pessoas interessadas em combate-lo, umas por amor-próprio e outras por motivos puramente materiais”. (1)

Essa fala dos Espíritos se referia aos adversários, aos contraditores do Espiritismo. Mas Kardec incluiu parte dos espíritas entre os maiores adversários do Espiritismo num discurso contundente que fez aos espíritas de Bordéus. Disse:

“Se os inimigos externos nada podem contra o Espiritismo, o mesmo não se dá com os de dentro. Refiro-me aos que são mais espíritas de nome que de fato, sem falar dos que do Espiritismo apenas têm a máscara” (2).

E ainda: “Os mais perigosos inimigos do Espiritismo são, pois, os que o fazem mentir a si-mesmos, não praticando a lei que proclamam” (2).

Nesse mesmo pronunciamento, usando rigor em relação aos falsos espíritas, diz: “Quanto a mim, senhores, ouvistes a minha profissão de fé. Se – o que Deus não permita – surgissem dissidências entre vós, digo-o com pesar, eu me separaria abertamente dos que desertassem da bandeira da fraternidade, por que, aos meus olhos, não poderiam ser olhados como verdadeiros Espíritas”. (2)

O que significa para Kardec a “bandeira da fraternidade”? Ele mesmo responde: Amor e Caridade. (2)

Ora, pergunto eu: Que tipo de ideias, pensamentos, sentimentos, os espíritas que “desertam da fraternidade” espalham entre os espíritas sinceros e no meio social?

Recentemente, quando dois fortes fenômenos se abateram sobre o Brasil – a pandemia global de Covid-19 e o terremoto dos acontecimentos políticos e sociais dos últimos anos –, retirando o manto que ocultava as características profundas dos brasileiros, viu-se que aquelas preocupações de Kardec com os espíritas à sua época, são perfeitamente aplicáveis à situação atual no Brasil, já que muitos espíritas aderiram, surpreendentemente, a um certo delírio coletivo.

Que imagem a sociedade terá da Doutrina quando o movimento que a representa sofre forte influência de espíritas que erguem a “bandeira da fraternidade” a meio mastro? Que credibilidade terão espíritas que fazem vista grossa ao caos moral e minimizam a gravidade da situação ultrajante como a que foram submetidos o Brasil e sua população?

Pergunto ainda: Os espíritas que “desertam da bandeira da fraternidade” não o fazem por interesse? Ainda que mantendo a convicção espírita em reserva, não se igualam aos que Kardec se referiu como tendo interesse por amor-próprio e motivos puramente materiais? E com isso não causam perturbação, atrasando a marcha do desenvolvimento geral?

Contudo, apesar do alerta incisivo sobre aqueles que “entendem espiritismo” segundo a conveniência dos seus próprios pontos de vista, Kardec nos deixa uma espécie de consolo, em que eu quero ardentemente acreditar, quando diz:

“Em todo caso, não vos inquieteis absolutamente com algumas dissidências passageiras (…) São provas para a vossa fé e para o vosso julgamento; muitas vezes são meios permitidos por Deus e pelos bons Espíritos para dar a medida da sinceridade e dar a conhecer aqueles com os quais realmente se pode contar (…) São pequenas pedras semeadas em vosso caminho, a fim de vos habituar a ver em que vos apoiais” (2).

De qualquer maneira, penso que está na hora dos espíritas pensarem e repensarem o seu movimento. Para onde os espíritas querem ir, e de que jeito?

Notas do Autor:
(1) “O livro dos Espíritos”, “Influência do Espiritismo no progresso”, questão 798.
(2) “Revue Spirite” (“Revista Espírita”), Novembro de 1861, “Discurso do Sr. Allan Kardec”.

 

Imagem de mac231 por Pixabay

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