Decepção, ingratidão, insensibilidade, por Maria Cristina Rivé

Tempo de leitura: 4 minutos

Maria Cristina Rivé

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A imperfeição, onde há decepção, ingratidão e insensibilidade, é aquele “cavalo que precisa ser domado”, que pula, corcoveia e é arredio.

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As questões 937, 938 e 938a, de “O livro dos Espíritos”, abordam os temas da decepção, da ingratidão e da insensibilidade. Como podemos entender essas palavras dentro de um contexto espírita? Para tal intento, vamos, inicialmente, ao dicionário e vejamos como compreendê-las, a fim de podê-las aplicar.

Assim, temos decepção com o sentido de descontentamento ou frustração pela ocorrência de um fato inesperado, um desapontamento; ingratidão é a falta de reconhecimento e insensibilidade é a indiferença. Esses são os sentidos encontrados no dicionário Houaiss.

Expostos os significados – mais adaptados, assim, ao contexto do trabalho – voltemos às mencionadas questões a fim de serem debatidas.

Para analisar essas questões, precisamos saber onde devemos estar situados na Escala Espírita, em que mundo reencarnamos e, principalmente, o que é preciso entender em nossas ações e, posteriormente, em nossas reações a fatos vivenciados.

Kardec propõe na Escala Espírita três ordens. A primeira, dos Espíritos puros; a segunda, dos bons Espíritos; a terceira, dos Espíritos imperfeitos. É na terceira ordem que, provavelmente, todos nós que estamos aqui na Terra, nos encaixamos.

Na condição de Espíritos imperfeitos, ainda não nos vemos como criaturas felizes, merecedoras da tranquilidade advinda do resultado de nossas ações. Mas, por quê? Por ser a imperfeição um estado natural de seres em evolução, já que criados simples e ignorantes, os Espíritos se “jogam” na senda evolutiva em que o progresso intelectual e moral é o objetivo.

Natural, então, que esse processo tenha subidas e paradas; sucessos e insucessos. Dentro do processo pedagógico, educativo que é a ascensão do Espírito, há momentos de muita frustração, não só pelos atos próprios e os de outrem, como também pelo resultado desses. Às vezes, o fruto desses atos não é o esperado.

Nos deparamos, portanto, com a decepção, a ingratidão e a insensibilidade…

A decepção, tal como vista em seu significado, é o desapontamento, para conosco mesmos e para com os outros. Porque não conseguimos nos desvencilhar da falta de reconhecimento do esforço, ainda inglório, que o ser faz para vencer os vícios que ainda possui e que permeiam suas atitudes. Sua estrutura mental, ainda primitiva, concede largo espaço ao orgulho e ao egoísmo, impelindo a criatura à falsa crença de se achar merecedora de favores, de prestígio e de reconhecimento.

Curioso notar que tal reconhecimento não é nem um pouco necessário para aqueles que alcançaram a compreensão do real sentido da vida. Mas, para nós, que ainda não estamos neste patamar de entendimento, por não recebermos a contrapartida, a atenção e o valor esperados, só enxergamos ingratidão e insensibilidade, quando, em realidade, o que há é a ignorância.

A imperfeição é, assim, aquele “cavalo que precisa ser domado”, que pula, corcoveia e é arredio. Porém, como o progresso é uma lei natural que a todos alcança, a imperfeição será domada.

Alcançados níveis mais adiantados, os indivíduos terão a exata noção de que cada ato será apenas e tão-somente isto: um ato – e o indivíduo não esperará contrapartida. E conseguirá  Algo que perceber que é a construção individual que leva a criatura à edificação de uma sociedade naturalmente mais solidária, consciente, o ser, de seus compromissos, metaforicamente com Deus, mas na verdade com o Universo.

Talvez a questão maior esteja não no agir, talvez de forma adequada, mas no querer a resposta (imediata e direta) ao seu ato. E que essa resposta seja a que esperamos, que nos reconheça como pessoas boas, caridosas e preocupadas com as necessidades alheias. Isto até nos darmos conta de que o que é importante é que as ações sejam dignas, ou melhor, realizadas por serem adequadas ao momento, a caridade tão alardeada pode não existir como queremos que exista. Caridade é oportunidade. É espalhar condições para que as pessoas despertem, cresçam, progridam e construam. Matar a fome é momento, vestir é momento e isso é obrigação de todos os que possuem condições e possibilidades de minorar a fome e o frio de outrem. Caridade é muito mais. É educação, é respeito à cultura, à diversidade, ao tempo de cada um, aqui lembrando o método Montessori.

Ao entendermos isso, o progresso se faz. E naturalmente. Pois não haverá espaço para decepções e frustrações, tampouco cultivaremos rancores. As atitudes terão como tônica o Bem. O Bem individual e, consequentemente, social. Neste cenário, as afeições não se desfazem, porque há entendimento e respeito pelo andar dos companheiros, de cada um dos caminhantes solitários, mas coletivos. Parece ambiguidade, todavia não é.

Teremos, nesse estágio, a real vontade de crescer para conquistarmos a felicidade que é o valor moral do Espírito e, com ela, o bem-estar de todos. A sensibilidade então é a seta que aponta o nosso “coração” para as necessidades alheias, e de que maneira podemos contribuir para minorar os seus sofrimentos. A sensibilidade constitui, portanto, o primeiro passo do ser humano na percepção da condição individual de ajudar a construir um mundo mais livre, portanto mais condizente com o objetivo da Criação.

Assim agindo, buscaremos materializar o efetivo crescimento de uma sociedade digna, humana, socialmente democrática, livre de preconceitos e sem exclusão, na qual o ser se revela e desabrocha. Essa coletividade, então, no futuro, será composta por criaturas entendedoras de seu verdadeiro compromisso: O AMAR, pois o amor é a maior conquista do Espírito, nas sucessivas encarnações em que aprende os valores primeiros: fraternidade, solidariedade, respeito, entre tantos outros, os quais vamos agregando através dos tempos.

Pois, ao chegarmos ao ápice, aí estará o AMOR. E, então, as mãos serão estendidas a todos sem exceção. Não haverá barganhas, nem conluios. Somente o ato, a ação. E isso é amar e amar é viver. Sem decepção, nem ingratidão, tampouco insensibilidade.

Imagem de Rosy / Bad Homburg / Germany por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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