De medos e De Niro, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 3 minutos

Marcelo Henrique

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Mesmo que para alguns haja o nada, mesmo aí, haverá que se lamentar sobre o que falou fazer, em vida, e que deverá fazer parte daquele “filme” que, dizem, passa pela mente, nos últimos segundos em que respiramos. Ou, para os espiritualistas, a incerteza do depois, que virá – com espaço para os “ais” e as reprimendas morais – e seus efeitos sobre o Espírito… 

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O despertador anuncia mais um dia que começa e é preciso sair da cama. Ainda que, desde o dia anterior, nossa mente já estruturasse como seria a jornada, num processo estratégico mental que nos prepara para o que, invariavelmente, virá, há uma série de dúvidas – nem sempre conscientes – que nos ocupam a tela mental.

Como estará o trânsito, no deslocamento? Será que encontraremos, aqui ou ali, alguém que não vemos a tempos? Qual será o desafio diferente, no labor já costumeiro? Haverá alguma cena insólita que nos motivará comentar com algum colega, em face de alguma importante peculiaridade? Será apetitoso o buffet de almoço? E os imprevistos, como uma queda de luz, uma discussão entre transeuntes ou um debate acalorado sobre tema profissional? Como será a volta pra casa, no fim do dia? O que encontraremos ao regressar ao lar?

As horas se sucedem, entre pensamentos e devaneios. Há instantes que comprovam as “teses” premeditadas – muitas em função das rotinas, outras por serem decorrentes da ação voluntária, pensada e estruturada. Em paralelo, imprevistos poderão tanto nos alegrar, com surpresas positivas, quanto aborrecer em face dos esforços e de medidas reparadoras.

E, é claro, haverá espaço para os medos. Uns surgem em função da própria página em branco que brotou do novo amanhecer. Outros já ocupavam, com frequência, a tela mental. Há aqueles que derivam do mirar no espelho, enquanto outros são visualizados quando olhamos pra dentro. Sem esquecer daquilo que observamos em face do habitat terreno, assim como diante dos que conosco dividem as ambiências sociais.

Mas há um medo quase filosófico, lúdico e sobrenatural, que fica dormente boa parte da jornada. Mas, De Niro, um dos grandes atores que nos remete aos sonhos e às fantasias, as quais se assemelham ao mundo real, em suas performances, o resgata para nossa serenidade ante a vida: – Eu tenho medo da morte, mas não tenho escolha.

E ela, tão distante quanto provável, tão inimaginável quanto real, tão enigmática quanto certa, ganha destaque, nem que seja por alguns minutos, enquanto lemos um texto ou assistimos a uma notícia: a morte. E seus efeitos, é claro. Em nós e nos outros.

Por que, então, a morte segue como esse gatilho para nossos medos? O que fizeram dela tão angustiante e temerário? Será que devemos creditar, apenas, às religiões, o “necessário” sentimento de angústia em relação ao morrer?

É patente que o juízo existe e que ele alcançará a todos e a cada um. O problemático me parece ser a adjetivação “final”, que lhe acompanha. Mesmo que para alguns haja o nada, mesmo aí, haverá que se lamentar sobre o que falou fazer, em vida, e que deverá fazer parte daquele “filme” que, dizem, passa pela mente, nos últimos segundos em que respiramos. Ou, para os espiritualistas, a incerteza do depois, que virá – com espaço para os “ais” e as reprimendas morais – e seus efeitos sobre o Espírito…

De Niro encerra seus pensamentos “de morte”, externalizados em depoimento público [1], recomendando que “é melhor não ter medo”. Sim, sem dúvida! Mas quem ensinará adequadamente as pessoas a não serem medrosas? Não, meus amigos, não será a religião…

Nota do Autor:

[1] Guerra, F. Robert De Niro em Cannes: ‘Eu tenho medo da morte, mas não tenho escolha’. Splash. Reportagem UOL. Disponível em: <LINK>. Acesso em 15. mai. 2025. 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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