Ciência, Filosofia e Religião?, por Carlos de Brito Imbassahy

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Carlos de Brito Imbassahy

Uma doutrina típica, de caráter altamente filosófico de vida, com fundamentos em fenômenos ligados à existência espiritual, foi-nos legada por Allan Kardec, ao codificar o Espiritismo com mensagens atribuídas a Espíritos desencarnados que lhe deram as informações correlatas com a vida em si e estruturada nas doutrinas reencarnacionistas. Ele o definiu como sendo uma ciência de consequências morais ou filosóficas. A vida de cada um é, assim, consequência de seus atos em vidas pretéritas e o resultado de nossos atos na vida presente refletirão a encarnação futura que venhamos a ter.

Curiosamente, os conceitos mudam através dos tempos, conforme o conhecimento humano se amplia. Na área científica, então, em busca da perfeição e da exatidão das coisas, os ditos conceitos vão adquirindo novas definições que os tornem mais restritivos e específicos.

Citemos como exemplo, o conceito que se tinha de fluido na época de Newton, no século XVIII. Ele representava tudo aquilo que não fosse sólido e, com isso, incluía as energias, até mesmo a elétrica, dita fluido elétrico. Quem lê, portanto, uma obra daquela época, vai encontrar uma desatualização de linguagem, porque, como no caso do termo citado, até fins do século XIX, quando descobriram que as moléculas eram compostas de átomos e, como tal, não seriam elas a menor porção da matéria, os fluidos englobavam tudo aquilo que fosse percebido pelos sentidos humanos e pelos seus parcos instrumentos.

O conceito de energia veio, porém, ainda muito mais tarde e se restringia, apenas, a radiações da faixa das OEM (ondas eletromagnéticas).

Tudo mudou, evidentemente; hoje, a energia engloba todas as emissões quânticas, desde a acústica vulgarmente dita sonora, a térmica, até as ondas cósmicas, portanto, para que nos mantenhamos atualizados na linguagem, é preciso que, ao lermos obras passadas possamos entender a mudança dos termos. Hoje ninguém mais chama a energia cósmica fundamental de Fluido Cósmico (FCU), então, definido por Newton, como sendo o componente que preencheria o espaço sideral e que, como tal, serviria de apoio ao movimento dos astros e à deslocação da luz.

Para satisfazer a seu conceito, o próprio Newton disse que o FCU era imponderável, inextensível, sem atrito viscoso, para permitir que todo deslocamento através desse aludido fluido não tivesse nenhuma reação contrária.

Explicada esta alteração de mudança de palavras, enfim, de padronização de termos para que os mesmos fiquem restritos a determinados conceitos a fim de que os mesmos possam definir com mais exatidão os fenômenos e decorrências, é de se estranhar que, até o final do século vinte, a Filosofia e a Ciência definissem conceitos distintos, afinal, os termos têm sentidos, senão iguais, no mínimo, correlatos.

Filosofia – palavra de origem grega (philos = amante, admirador + sophia = sabedoria) define o estudo ou o conhecimento do saber. Ora, portanto, engloba tudo aquilo que representa os diversos fenômenos da natureza estudados e dominados pelos homens, através de suas pesquisas e que mais.

Acontece que os gregos tinham um conceito diferente dos latinos, por isso, o estudo e a sabedoria de sua civilização possuíam conotações próprias; a Psicologia, a Ética (moral) e a Metafísica tinham papel preponderante em tal formação cultural, por isso, os ditos estudos do conhecimento humano correlato com os fenômenos, se englobavam em um só estudo, da natureza e que chamavam de filosofia natural.

Ora, portanto, a Física, a Química e o Biologia, que compunham este capítulo, com os conhecimentos restritos à época, não passavam de raros devaneios filosóficos, sem maiores importâncias, já que o seu conhecimento, para os gregos, não modificava o comportamento da criatura.

Na verdade, portanto, os capítulos da nossa atual Ciência estavam implícitos nos conceitos filosóficos dos gregos e, como tal, não justificaria separá-los dos capítulos que, mais tarde, vieram a compor os estudos da Filosofia.

Os que tentaram separar os assuntos, realmente, quiseram ser mais realistas do que o rei, no dito pop.

Ciência – o termo é de origem latina: sciens, entia = o conhecimento humano. Portanto, sem dúvida, as diversas partes da filosofia grega, obrigatoriamente, pelo conceito fundamental do termo, correspondem àquilo que os romanos definiam como sendo Ciência.

Quando os autores do século XIX separaram os capítulos da Ciência dos que deveriam definir a Filosofia, apenas, estavam inovando, a fim de apresentarem novidades neste campo. Não vale à pena perder tempo em devaneios para descobrir os autores de tal barbárie conceitual, porque seria dar méritos a eles. É preferível ignorá-los e mostrar seus equívocos que, atualmente, estão sendo contornados para que se restabeleça a linha pura do conhecimento.

Por esse motivo, a corrente mais moderna da didática – ou metodologia do ensino – que existe nos apresenta uma nova chave de classificação mais compatível com os verdadeiros conceitos das coisas que estão sendo estudadas e que ora transcrevemos, com as devidas ressalvas:

– Ciências exatas – Matemática, Física e Química;
– Ciências Biológicas – Zoologia, Fitologia, Microbiologia, Virologia, Ciências médico-biológicas, Citologia…
– Ciências Sociais – História, Sociologia, Geografia;
– Ciências Geológicas – Geologia, Paleontologia;
– Ciências filosóficas – Psicologia, Ética ou moral, Metafísica, Epistemologia, Lógica, Pedagogia e outras…
– Ciências aplicadas – Médicas, tecnológicas e estéticas.
– Ciências paranormais – Parapsicologia e Metapsíquica às quais incluiríamos o Espiritismo nos moldes de Kardec.

Evidentemente, não somos autoridades para fazer críticas, mas, evidentemente, se, pelos conceitos mais modernos que existem, a Ciência representa, segundo definição dos mais novéis autores latinos, como sendo o que existe como sendo o conhecimento humano e que, como tal, independente de Escolas, doutrinas ou correntes de pensadores, de fato, se tais temas estão sendo estudados pelos homens, principalmente os pesquisadores, temos que levar em conta que tais estudos existem e temos que respeitá-los, até que os seus correlatos estudiosos cheguem a uma conclusão comprovada de seus respectivos fenômenos dentro da existência humana.

Religião – do latim religio, onis e que merece de diversos autores de Roma um conceito que, no final das contas, poderia ser resumido como sendo o estudo dos deuses (eles eram politeístas), de suas atividades, da sua vida e correlatos, como ainda, da adoração do homem, do culto pelos mesmos, enfim, tudo o que se refere à divindade ou às divindades adoradas pela Roma antiga.

Desta forma, a Religião se contrapõe ao estudo da Ciência porque, para ela, tudo advém de Deus, ou seja, inspirado pelo Criador aos seus enviados superiores que, para o cristão seria Jesus; para os islamitas foi Maomé; na Ásia teríamos Buda, Kung Fu Tzu (Confúcio); Lao Tsé para o taoístas; Yésu, enviado de Krishna para os hindus; enfim, sem falar em Zoroastro e outros grandes missionários com diversos seguidores, de menor monta.

Para a Ciência só servem os postulados devidamente verificados, as leis comprovadas por pesquisas ou deduzidas através de equações matemáticas, a bem dizer, tudo devidamente documentado. Para a Religião, seus postulados são dogmas, não se discute porque é a palavra de Deus, só que cada religião tem seu próprio Deus, o que evidencia que nenhum deles possa ser o verdadeiro.

Já na velha Roma a religião, muito próxima da mitologia grega, tinha um Deus supremo que era Júpiter, correspondente a Zeus e diversos outros deuses que, no cristianismo, corresponderiam a anjos e arcanjos; só que estes não têm o privilégio da divindade que os deuses do politeísmo dispõem. A religião, portanto, definia a função de cada um deles, seus atributos, suas obras, sua vida, ritual através do qual cada um deles devesse ser cultuado, enfim, rigorosamente do que dispõem todas as religiões em si, mesmo as ditas monoteístas, cuja única diferença e, como foi dito, de não divinificar os seus demais componentes da corte celeste.

A Ciência se contrapõe à Religião porque se renova a cada descoberta, reformula e se atualiza a cada novo conhecimento, todo ele advindo do esforço humano e dos seus estudos; não possui conceitos irredutíveis nem se dá como senhora do conhecimento pleno de seus assuntos. Está sempre preparada para novas descobertas e, como tal, evolve através dos tempos, como meta para atingir a perfeição.

A religião é estagnada e não admite se reformular ante nada, ficando, assim, parada no tempo com os preceitos e princípios estabelecidos quando teria surgido. Sempre orientada por seguidores de algum grande líder dito espiritual.

A grande diferença entre a religião em si e a ciência ainda é aquela que Cícero apresentou: a Ciência é o conhecimento dos homens, o que aprendeu e o que descobriu; a Religião é o culto a deuses hipotéticos idealizados pela imaginação do homem a partir da pré-existência da vida espiritual que seria por eles, deuses, criada, a fim de que o homem possa existir.

Enfim, a Religião se preocupa com o destino e a sorte da alma humana após a morte ou o falecimento do seu corpo somático. Para isso, atribui a seres considerados espirituais, pertencentes à dita corte celeste, que se encarrega de cuidar das almas segundo as recomendações religiosas que vaia com as diversas seitas religiosas existentes.

A multiplicidade de conceitos, a distinção entre eles e a preferência dos seus respectivos Deuses pelos seus fiéis, prova que as religiões em si não se referem a uma só e mesma Entidade Suprema que, como tal, só existe para cada crença.

Pode-se comparar a Religião à linguagem humana: cada qual fala a sua e nem sempre eles se entendem. Já a Ciência é como a música, pois, a que é tocada aqui, a partir de determinada partitura e rigorosamente tocada em qualquer outra parte do mundo. Seus postulados, portanto, são os mesmos para todos e, quando se verifica algum erro, imediatamente, ele dá lugar à correção, já que, sendo fruto do estudo humano, não é tido como infalível.

Só não se retifica o que não existe, só não muda o que não se conhece.

As doutrinas
Não se poderia deixar de falar nas doutrinas, quando se faz referência aos estudos filosóficos e religiosos, em si, junto ou separadamente.

Primeiramente, vejamos o que vem a ser uma doutrina: do latim, doctrina, æ, da primeira declinação, derivado do verbo docere = ensinar, foi definida por Cícero como sendo a instrução, a erudição e até mesmo o ensino em si dos conhecimentos em geral.

Evidentemente, através dos tempos, o conceito foi evolvendo para a ideia de um conjunto de opiniões ou de ideias correlatas que se constituam num todo homogêneo, criando uma linha de pensamento. Como tal, uma doutrina pode arregimentar uma escola literária, embora mais raro, ou uma escola filosófica que dite linhas quer políticas, que de conduta de vida, em geral.

Evidentemente, encontraremos doutrinas dentro do meio científico, defendendo comportamentos de vida, como Galileu, que pregou uma doutrina “exatista”, compatível com as leis universais e que lhe valeu uma prisão em convento, porque feria a doutrina religiosa da Igreja. Temos ainda as doutrinas reencarnacionistas, quer de origem oriental, onde os conceitos pouco diferem dos ocidentais, quer de formação grega, como o nome de palingênese (vidas sucessivas), inspirado na linha religiosa egípcia.

De todas as doutrinas, a mais curiosa delas foi o Dadaísmo, inicialmente idealizado por Tristan Tzara, que queria revolucionar as artes e o intelecto, negando as Escolas, principalmente as literárias, existente ao seu tempo. Foi conhecida como Dadá, ou doutrina negativista; surgiu por volta de 1917 e teve inúmeros adeptos. O próprio idealizador da ideia sugeriu a sua extinção, dentro do próprio lema Dadá de negar todas as escolas e doutrinas.

Também pontificou no final do século XIX uma outra doutrina inspirada em Friedrich Wilhelm Nietzsche, crítico do idealismo metafísico, contrário aos princípios religiosos, pregando um materialismo surrealista, segundo muitos, inspirado em Wagner e Schopenhauer que, segundo os apreciadores, foi a causa e o princípio da linha dita comunista, ou do socialismo instituído como regime do povo pelo povo, em substituição às monarquias e, até mesmo, às democracias – segundo muitos – decadentes. O fundamental inspirador da doutrina socialista foi seu livro “Also Spreit Zaratrusta” (Assim falou Zaratrusta).

Se o Dadá era uma doutrina literária, mais tendente à estética em si, o socialismo em tela é uma doutrina de caráter político, social, pelo próprio nome, ditando regras de vida e moral constituída no princípio da igualdade humana.

O Panteísmo, por exemplo, é outra doutrina de caráter místico, como o nome de origem grega indica (pan = tudo + teísmo = divino, de Deus – theos) onde tudo teria origem no Criador; consta que seja de origem indiana, introduzido na Europa através da Grécia, mais teve em Baruch Spinoza, holandês de nascença e português de origem, o pontífice do neo ressurgimento desta doutrina, em sua obra Tractatus Theologico que ele próprio define como estudo geométrico rigoroso.

E aí vale a sátira de Voltaire que disse que, para os cristãos, Deus seria o culpado de tudo; no caso, então, com muito mais razão, para a doutrina panteísta.

Uma outra doutrina típica, desta feita, de caráter altamente filosófico de vida, com fundamentos em fenômenos ligados à existência espiritual, foi-nos legada por Allan Kardec, ao codificar o Espiritismo com mensagens atribuídas a Espíritos desencarnados que lhe deram as informações correlatas com a vida em si e estruturada nas doutrinas reencarnacionistas.

Segundo o Espiritismo codificado por Kardec e definido por ele como sendo uma ciência de consequências morais ou filosóficas, a vida de cada um é consequência de seus atos em vidas pretéritas e o resultado de nossos atos na vida presente refletirão a encarnação futura que venhamos a ter.

Kardec inseriu na doutrina por ele codificada uma parte religiosa contida no cap. I do seu primeiro livro intitulado “O livro dos Espíritos” e no cap. II de uma de suas últimas obras, intitulada “A Gênese”, quando explica a existência de Deus como causa da existência do mundo. Todavia, seu principal objetivo é a conduta de vida dentro dos princípios fundamentais da existência do Universo, ou seja, do processo evolutivo do sistema, para o qual o homem contribui com sua parcela, através do sistema reencarnacionista.

Finalmente, como doutrina, temos ainda os princípios básicos dos partidos políticos que se baseiam em linhas de pensamento para ditar os seus fundamentos com os quais devam governar ou manipular a política governamental para administrar o país por eles governado.

Contudo, prudente se torna que não analisemos seus princípios, nem sempre nada escrupulosos.

E não pensemos que tudo esteja encerrado em tão pouca análise…

Acesse cada texto:

A síntese kardequiana, por Maurice Herbert Jones

A interdependência entre filosofia e ciência, por Lawrence Sklar

A filosofia da ciência, por Alberto Mesquita Filho

Ciência, Filosofia e Religião?, por Carlos de Brito Imbassahy

A filosofia espírita da fé raciocinada, por Luiz Signates

A confusão entre a Filosofia de Jesus e o Cristianismo, por Nícia Cunha

O futuro da filosofia espírita, por Marcelo Henrique

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