Marcio Sales Saraiva
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Aceite-se como você é, e cresça, aprenda mais, viva uma boa vida na justa medida de suas possibilidades, respeitando seu contexto existencial limitante, assumindo suas responsabilidades diante de si e diante do mundo. Engaje-se!
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“Natura non facit saltum” (*)
John Ray (1627-1705)
Quando mal interpretado, o Espiritismo kardequiano (ou kardecismo) se transforma em uma ideologia patológica em que o sujeito tenta ser outro (“muito melhor”, “mais evoluído”), buscando obsessivamente destruir o que é para tentar ser aquilo que ele não é. É o caminho do neurótico, compulsivo e obsessivo. O resultado disso é uma vida hipócrita, internamente dividida e assombrada por uma hipocondria espiritual.
Por outro lado, quando bem compreendida, a filosofia kardecista pode ser consoladora e libertadora, ensinando-nos a viver um dia de cada vez, aceitando o fato de que somos o que podemos ser neste momento, que nada nesta existência é perfeito ou permanente, entendendo que ainda temos muitos renascimentos para alcançarmos a plenitude, o nirvana, o satori. Esse estado futuro de integridade total, de união oceânica com a Divindade, será fruto de um crescimento processual, pedagógico, ético e cognitivo.
Quando entendemos e aceitamos isso, o resultado é ser-para-si, responsável, autêntico, honesto e humilde. Uma existência que sabe que a Causa Primeira está presente em nossos corações desde o começo dos tempos e que o sofrimento – bem como as alegrias – faz parte do processo.
“O Reino está dentro de vós”, disse Jesus.
“Você já é um Buda, mas está dormindo”, dizem os sábios do Oriente.
Ainda nos falta despertar para essa realidade última que já está presente em nós, mas, como dizia Herculano Pires, o grande filósofo do Espiritismo brasileiro, nada é da noite para o dia quando o assunto é “angelitude” e reencarnação. E, mais, ficarmos focados em nós mesmos, o tempo todo, enquanto o mundo desaba ao nosso redor, é uma forma nada saudável de narcisismo. Olhe mais para os lados, observe o mundo em que você está inserido, as pessoas. O que você pode fazer?
Tenhamos paciência e compaixão — conosco e com os outros — pois a pressa em se tornar “iluminado” é também desejo, samsara e ilusão do ego. Então, aceite-se como você é, e cresça, aprenda mais, viva uma boa vida na justa medida de suas possibilidades, respeitando seu contexto existencial limitante, assumindo suas responsabilidades diante de si e diante do mundo. Engaje-se!
Sabedoria é não só esforçar-se no bom caminho das virtudes, mas aceitar nossas imperfeições, acolher a ajuda dos diversos companheiros de jornada, os amigos espirituais. A graça – ou Providência Divina, como chamava Kardec – está sempre à nossa disposição, basta abrirmos o nosso coração e rasgarmos nossas vestes de arrogância, nossas ilusões.
Tenhamos um coração confiante e envolvido com o próximo, na luta por uma sociedade justa, fraterna e democrática. Isso é exercer a macrovirtude da caridade, como bem ensinou Kardec. Afinal, todos nós estamos na mesma teia da vida, pois a vida é interdependência.
Notas do Autor:
[1] Marcio Sales Saraiva é sociólogo, membro do Conselho Gestor Provisório do Centro Espírita Herculano Pires (CEHP-RJ) e camarada do ECK.
[2] Tradução: A natureza não dá saltos.
Sensibilidade pura…
Grata, fez valer o dia