A Lei de Sociedade e o Brasil, país do futuro, por Maria Cristina Rivé

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Maria Cristina Rivé

O século XXI deve ser de renovação, como todos os outros foram e os próximos também serão. Mas não transformações quiméricas e místicas; é preciso construir este cenário transformado, agora!

Brasil! País tão rico e tão pobre. A disparidade é notória em diferentes segmentos da sociedade. Por longo tempo, comemorou-se a data de 13 de maio como o dia da Abolição da Escravatura, no último país da América a fazê-lo. Esse dia, de certa forma, ficou gravado para sempre. Mas, aquilo escrito nos livros de História e repassado, sem maiores questionamentos, para várias gerações talvez não relate os horrores da escravização e o descaso com a suposta libertação.

A escravização sempre esteve presente na história de nossa humanidade. Talvez isso tenha ocorrido e ocorra, porque muitas criaturas ainda não enxerguem as outras como sujeitos, ou ainda, seres possuidores de direitos e de deveres como qualquer um.

Etnias africanas chegaram à América trazendo seres humanos amontoados em porões infectos, o que ocasionava uma “perda” altíssima da “mercadoria”. Escravizar humanos se tornou por muito tempo um empreendimento altamente rentável. Foram milhões de pessoas em cativeiro, sem identidade nem dignidade. Não possuíam, elas, direito a constituir família, uma espécie de robôs humanos a serviço de uma elite à brasileira, desprovida de sensibilidade, mas com muita sede de aproveitar os deleites das belas escravas a encantar os maridos das sinhás.

Ainda se vive esses tempos macabros. Ao levantar os olhos nas ruas, nas escolas, na vida e encontrar as marcas e o produto do que foi/é essa indignidade, a disparidade de oportunidades e de crescimento permanece. Um exemplo disto é a quantidade de palavras que foram incorporadas à língua portuguesa, língua esta que procurava marcar a identidade do povo brasileiro que vinha surgindo: mulata, denegrir, fazer nas coxas, são alguns exemplos, execráveis, e que deveriam ser abolidos do léxico. Pois elas estão na “lista negra” da política, da fala e da convivência, para os que passam a entender a dor daqueles a quem estão voltados esses instrumentos de depreciação.

Piadas de mau gosto, excludentes e desumanizadoras, não mais podem fazer parte de uma sociedade que luta por se estabilizar, mesmo que existam aqueles sem condições de entenderem esse processo, porque não acreditam na dor dos que sentem no corpo, na alma e na sua história, todo esse emaranhado de desprezo e de mutilação.

A linguagem traça as marcas da história, sabe-se disso. E o século XXI deve ser de renovação, como todos os outros foram e os próximos também serão. Mas não transformações quiméricas e místicas; é preciso construir este cenário transformado, agora! A injustiça social é fruto do descompromisso de quem se viu obrigado a assinar uma lei sem se importar com o depois das criaturas alforriadas. Contudo, a História registra que, enquanto os senhores de escravos foram indenizados, os libertos não tiveram o que fazer nem para onde ir.

Disto tudo ainda se vê o reflexo: uma sociedade extremamente desigual e preconceituosa em que a explicação (preconceituosa) está na mistura de raças: “portugueses, africanos e indígenas não tinha de dar em boa coisa”. Assim, são negadas as políticas públicas saneadoras de desigualdades. Todos são inteligentes e a boa vontade faz com que se vença na vida, diz-se. Mas, como exemplo temos o filho de uma senhora negra, igualmente negro, morador da favela, abandonado pelo pai. Este conseguiu se formar e, por isso, ilustra o adágio acima. Mas, não se fala que, para esse um, existem milhões sem conseguir. Não lhes falta a boa vontade. A falta é de oportunidade, de olhares para o passado, em busca de entender o presente, e com isso uma nova forma de incluir e de acolher. Não basta pedir perdão, é necessário construir esse perdão.

Foto Unsplash

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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